Autonomia do Judiciário inexiste no país, diz presidente do TRF

Jornal GGN – O presidente do TRF (Tribunal Regional Federal ) da 3ª Região, desembargador Newton de Lucca, é favorável à criação dos tribunais federais, mas se houvesse opção preferiria a ampliação e a melhoria dos já existentes. Para ele, é necessário desenvolver estratégias não só que garantam maior acesso à Justiça, como também permitam maior rapidez no andamento processual.

O desembargador acredita que o Brasil ainda não está maduro politicamente e que a autonomia do poder Judiciário inexiste no país. “Um poder que recebe 2,37% do orçamento da União não pode, a meu ver, nem pode ser chamado de poder”, pondera. De Lucca é implacável ao afirmar que, embora esteja escrito na Carta Magna que o Judiciário tem autonomia, “a Constituição pode ser guardada não entre os livros de direito, mas na estante de ficção científica”.

Jornal GGN – Por que há  a necessidade de se criar novos TRFs?

Já fui indagado várias vezes sobre o tema e, recentemente, quando houve a aprovação da emenda, uma grande celeuma se estabeleceu sobre a necessidade ou não desses novos tribunais. Eu e os outros presidentes dos TRFs fomos convocados para uma reunião com o corregedor nacional de Justiça, Francisco Falcão e, posteriormente com o presidente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e do STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Joaquim Barbosa. Cada um dos presidentes foi convidado a se pronunciar sobre a posição que adotava. Para mim, não foi muito complicado de me pronunciar porque meu posicionamento é o mesmo desde o meu primeiro dia de mandato. Há duas maneiras de se responder a esta pergunta: entre nada e qualquer coisa, eu prefiro o qualquer coisa. Então, se você me pergunta, o senhor é favorável à criação destes tribunais? Sob certo ângulo de análise, eu vou dizer sim, sou favorável. Favorecerá ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região em cerca de 5, 5% com a ida dos processos referentes a Mato Grosso do Sul para o Tribunal da 6ª Região, em Curitiba. É bom, para mim, é bom. Agora, se você me pergunta se é o que eu mais desejo, se você me questionasse por uma outra solução, ‘o que o senhor prefiriria que fosse feito em benefício do Tribunal Regional da 3ª Região?’, bom, então, aí, a minha resposta é outra. Eu tenho muito mais interesse em que o anteprojeto que está no STJ (Superior Tribunal de Justiça), que prevê o aumento dos tribunais. Há uma previsão neste anteprojeto aqui para o tribunal de um aumento até muito exagerado, superdimensionado: pular de 43 desembargadores aqui do tribunal, para mais de 90. Não, ainda mais neste momento que estamos vivendo, acho que isso seria inviável politicamente. Agora, eu considero que seria absolutamente justo pularmos de 43 para 60. Seria um aumento muito mais benéfico do que a criação do Tribunal da 6ª Região.

Em vez de se investir na criação de novos TRFs, o investimento nos tribunais já existentes não seria melhor? 

Essa pergunta é bastante difícil de ser respondida porque esse é o grande paradoxo que vivemos no Judiciário brasileiro. Os estudos do CNJ e da Secretaria da Reforma do Poder Judiciário do Ministério da Justiça indicam que, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, nós tivemos uma ampliação considerável do Judiciário. Daí este número astrônomico que temos hoje de cerca de 90 milhões de processos. Ou seja, quase a metade da população brasileira está em juízo. Agora, se por um lado foi bom [que ocorresse a ampliação] porque abriu as portas da Justiça para o cidadão, por outro lado, gerou o esmagamento do poder Judiciário, que não tinha uma infraestrutura para aguentar. Então, por isso, o poder Judiciário não dá uma resposta adequada. Ele é criticado por isso. Todo dia se fala sobre a morosidade do Judiciário. Sim, há esta morosidade, claro. Não houve uma vontade política, um preparo suficiente para que o poder Judiciário pudesse dar conta do aumento do número de acessos à Justiça.

Nesse ponto, o paradoxo ressurge quando os estudos revelam que o acesso à Justiça ainda não é ideal, falta muito para que haja um pleno acesso. Nesse sentido, a criação de um tribunal na Amazônia vai encurtar muito o caminho do cidadão à Justiça, principalmente se verificamos que o TRF da 1ª Região atende a 14 estados da Federação, desde Brasília até o norte do país. Sob este prisma, eu acho que todo o aumento de acesso à Justiça é necessário. Mas ele é paradoxal à medida em que queremos ampliar o acesso à Justiça e também nos desafogarmos de tantos processos. Precisamos aumentar o acesso à Justiça, sim. Precisamos reduzir a morosidade processual, sim. Mas como resolver isso? Acho que não existe fórmula mágica.

Nós só poderemos atingir isso se, simultaneamente, várias coisas forem feitas. Uma delas é o aumento da relação de juízes por habitantes. Tal relação no Brasil é péssima, mas não em comparação com países de primeiro mundo. É péssima ao se comparar com a Argentina, por exemplo, que há algum tempo tinha três vezes mais juízes para seus habitantes do que o Brasil. Não digo que vá solucionar o problema, mas que essa é uma medida que deve ser adotada.

A outra questão é algo de que se fala, mas que não existe, é a autonomia administrativa e financeira do Judiciário. Bom, mas você pode me questionar que está escrito na Constituição. Eu respondo, sim, está escrito, mas eu costumo dizer que a Constituição às vezes pode ser guardada não entre os livros de direito, mas na estante de ficção científica porque é muito bonito propalar que os poderes são harmônicos e independentes como queria Montesquieu, mas, no Brasil, os poderes nunca foram independentes ou harmônicos. Exemplo disso, o orçamento tinha sido preparado pelo então presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), César Peluso, e quando foi foi encaminhado para o poder Executivo, esse poder simplesmente não mandou para o poder Legislativo (que é o poder que decide como a verba orçamentária será distribuída), e foi necessário entrar com um mandado de segurança no STF para que o orçamento fosse encaminhado para o Legislativo. O que beira o inacreditável.

No tempo da ditadura militar, eu usei uma frase que, agora, eu acho, posso utilizar também: O Brasil praticamente não conheceu o movimento surrealista que fez tanto sucesso na literatura, na pintura, na escultura de muitos países. Eu dizia que o Brasil não precisa de surrealismo porque a arte é um sucedâneo da realidade. A arte nos proporciona o que a realidade não nos proporciona. O Brasil não precisa de surrealismo porque o país já é surrealista. O país continua surrealista. Nós não conseguimos ainda sair de um Estado de imaturidade política. Um poder que recebe, se não me engano, 2, 37%  do orçamento da União, não pode, a meu ver, nem ser chamado de um poder. 

Como o senhor vê a afirmação de Joaquim Barbosa sobre a aprovação da criação dos novos TRFs ter sido sorrateira?

Eu não estou em Brasília, não acompanhei isso de uma forma adequada. Fiquei sabendo que o ministro teria dito que a aprovação teria ocorrido de uma forma sorrateira. Mas acredito que essa situação não ocorreu. Eu acho que o debate foi aberto. Também não posso afirmar que houve vício de origem, se a iniciativa de criação deveria ser do Legislativo ou do Judiciário, conforme a Constituição. Agora, a maioria do Congresso aprovou e devemos seguir em frente. O CJF (Conselho da Justiça Federal) inclusive, do qual eu participo, aprovou o anteprojeto que prevê a criação dos novos tribunais. Eu só pedi ao presidente do CJF e também do STJ, ministro Feliz Fischer, que não se esqueça da ampliação necessária dos tribunais, e ele me garantiu que não, que essa questão será tratada com todo cuidado e rapidez.

A ida dos processos correspondentes ao Mato Grosso do Sul para a 6ª Região aliviaria a 3ª?

Não diria que isso corresponderia a um alívio, mas a uma diminuição bastante singela.

Algum dos desembargadores vão sair daqui para o novo tribunal?

Eu não sei dizer com segurnça quantos desembargadores estariam dispostos a se deslocar de São Paulo, da 3ª Região, na verdade, para compor o novo tribunal em Curitiba. Tenho certeza apenas de um que poderia ter esse interesse, mas porque as raízes dele estão lá.  

Será necessária alguma logística para deslocar os processos da 3ª Região para a 6ª?

Isso não seria complicado. Separar esses processos do Mato Grosso do Sul não seria uma tarefa complexa. 

Como o senhor avalia os valores estimados para a criação dos novos tribunais?

Realmente, os números são muito díspares. Pelo que ouvi falar, em um estudo feito pelo CNJ, a que o presidente do CNJ e do STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Joaquim Barbosa, teria feito referência, seriam necessários R$ 8 bilhões para a criação dos novos tribunais. Por outro lado, a AJUFE (Associação dos Juízes Federais) divulgou que a criação gastaria em torno de R$ 700 milhões, um valor bem mais razoável e próximo ao da análise feita pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que avaliou a criação dos tribunais em torno de R$ 1 milhão. Eu tenderia a acreditar que os valores estimados pelo Ipea estão mais próximos da verdade, dada a seriedade do órgão.

Em que pé está o andamento da digitalização dos processos do TRF da 3ª Região?

O chamado processo judicial eletrônico, ou processo virtual, está todo implantado no JEF (Juizado Especial Federal). Para se ter uma ideia, após 11 anos da criação do juizado especial, foram já sentenciados 2, 6 milhões de processos virtuais. Entretanto, no  tribunal os processos continuam físicos (em papel), mas a fase digital está para ser implantada. No entanto, já estão sendo feitos os estudos e a capacitação paulatina de pessoal. Essa passagem, entretanto, não pode ser feita de qualquer forma, da noite para o dia. Tem de ser feita com o máximo cuidado, principalmente na fase de implantação. Mas é claro que é uma alternativa viável e boa. Agiliza, e muito, o nosso trabalho, basta ver o exemplo do JEF.

 

Redação

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