O conflito entre liberdade de expressão e o direito à privacidade, por Jandira Feghali

Sugerido por Cláudio José

Do Jornal do Brasil

“E o artista, o infinito”

Jandira Feghali

A História está nos livros e na oralidade. Ela flutua pela poesia, na música popular, passando também pelo som ritmado dos contadores de estórias em rincões do Brasil. É do nosso povo. O conhecimento produzido sobre algo ou alguém é a forma de relatar nossa existência pelo cenário político, econômico e social. É a interpretação de nossos tempos.

Informações dependem de fatores importantes de pesquisa e apuração; é como recolher pedaços de uma flor espalhados num imenso jardim. O escritor precisa ser, antes de tudo, um bom jardineiro. Deveria ser assim na construção de uma biografia, gerando uma flor completa com todas as suas pétalas.

Remontar trajetórias históricas é uma possibilidade que ilustra perfeitamente o espírito da nossa Constituição. A liberdade de expressão, em plenos 25 anos de nossa Carta Magna, é um direito máximo de todos os brasileiros. Direito esse conquistado à base de muita luta de milhares de militantes contrários à ditadura incluindo nossos artistas todos fundamentais em suas formas de reagir à opressão.

Chamo a atenção para o truculento debate estabelecido no Brasil sobre biografias não autorizadas, onde setores da grande mídia e conservadores impõem a desqualificação e agressão pessoal àqueles que, com base na própria liberdade de expressão, querem estabelecer o diálogo sobre um tema tão complexo. Não é paradoxal que determinados veículos de comunicação rotulem como “censores” aqueles que expressam suas dúvidas ou opiniões, traduzidas, momentaneamente, em visão contrária?

O parlamento não desempenhou seu papel da melhor forma ao aprovar o Código Civil de 2002 sem maior discussão sobre o intrincado conflito potencial que separa liberdade de expressão, de um lado, e, de outro, os direitos à privacidade, à honra e à imagem. Ao contrário da Constituição Cidadã, que emprestou a mesma estatura à todos estes direitos, o Código optou por uma redação atrasada – aqui, lembre-se que o Código Civil dormia nos corredores do Congresso desde o início da década de 70 e foi aprovado às carreiras em 2002.

O arremedo de solução trazido por um Código oriundo, como vimos, de tempos ditatoriais – condicionar a exposição da imagem à aprovação da pessoa – não atende à necessidade de um povo contar e conhecer sua História. Pior, deu origem a uma interpretação equivocada cujo pior efeito colateral foi o frontal ataque às biografias não-autorizadas.

Entre as soluções debatidas para resolver este impasse destacam-se duas. O setor editorial moveu ação na qual pede ao Supremo Tribunal Federal que seja declarada a inconstitucionalidade da interpretação que condiciona às biografias a uma autorização prévia. Já no âmbito do Congresso, há o Projeto de Lei (PL) 393/2011, cujo texto viabiliza a divulgação de informações biográficas de personalidades públicas. Como presidenta da Comissão de Cultura da Câmara, sem prejuízo do que o Supremo venha a decidir, entendo que é primordial corrigirmos o equívoco de 2002, voltando a tramitar com celeridade o projeto mencionado.

A tramitação desse projeto deve ser rápida, mas também ter uma redação precisa. Temos nas mãos a chance histórica de corrigir o desequilíbrio desta matéria. É necessário que o Congresso trabalhe para gerar um substitutivo a este texto, ouvindo todas as partes e deixando claro que a História não pode ser calada, mas tampouco os direitos pessoais de cada um de nós podem ser atropelados por mãos inescrupulosas. Por isto também se faz necessário aprimorar o Código Penal deixando mais clara a tipificação desses crimes e consequente celeridade no julgamento destes que buscam apenas desenvolver seus negócios às custas de inverdades.

Precisamos, por tudo isso, levar a discussão para um estágio de maturidade maior, abandonando os ataques àqueles que, no mínimo, tiveram o mérito de recolocar o debate e avançar para evitar a morte da memória e do conhecimento.

Ser público é ser parte do povo, ao ser a voz ou transmitir amplamente os sentimentos de nossa geração. Que essa importância não passe em branco, despercebida e ganhe a História: “No anfiteatro, sob o céu de estrelas / Um concerto eu imagino / Onde, num relance, o tempo alcance a glória / E o artista, o infinito” (Chico Buarque).

*Jandira Feghali é deputada federal pelo PCdoB/RJ e presidente da Comissão de Cultura da Câmara

Redação

4 Comentários

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  1. Simples assim

    Repetindo meu comentário num post anterior…

     

    A coisa é muito simples…

    A justiça não pune rápida e eficazmente crimes de calúnia e difamação de biografias mentirosas

    A justiça não pune rápida e eficazmente crimes de calúnia e difamação de reportagens mentirosas

    A justiça não pune rápida e eficazmente candidatos que fazem caixa dois de campanha

    A justiça não pune rápida e eficazmente governantes que desviem dinheiro público

    A justiça não pune rápida e eficazmente motoristas que cometem crimes de trânsito (alcoolizados ou não)

     

    Assim sendo, criam-se leis paleativas e mecanismos que agridem liberdades para contornar o principal problema do Brasil:

    Justiça lenta e ineficaz!!!

     

    É patético censurar uma biografia não publicada.

    É absurdo impedir alguém de concorrer a uma eleição sem condenação definitiva

    É invasivo ser parado em uma bliz para fazer bafômetro sem demonstrar nenhum sinal de embriaguez

     

    QUATRO NÍVEIS RECURSAIS SÓ EXISTEM NO BRASIL!!!

    REFORMA DO JUDICIÁRIO JÁ!!!

  2. E o mais incrivel é que essa

    E o mais incrivel é que essa senhora ja foi ate secretaria da cultura.

    Agora é “presidenta da Comissão de Cultura da Câmara”.

    Mesmo assim ainda não compreendeu que “memória e conhecimento” nada tem a ver com intimidades da vida de uma pessoa.

    Segundo ela “a História não pode ser calada, mas tampouco os direitos pessoais de cada um de nós podem ser atropelados por mãos inescrupulosas.”

    Sera que a “historia sera calada” se não soubermos que idade tinha a mulher e mãe dos filhos de Caetano quando transou com ele pela primeira vez?

    Ou, como alardeava um “comentarista”, que o Milton Nascimento teve um filho com uma socialite”?

    E mesmo que a biografia de alguem seja feita por alguem com todos os “escrupulos” cabe ao artista, como a qualquer um, o direito a privacidade.

    A presidenta da Comissão de Cultura” deveria estar batalhando para desentravar a cultura, amordaçada sim, mas pela lei Rouanet.

    Ai sim o “conhecimento” encontraria espaço para se difundir.

  3. Quero meus 50%

    Biografias só devem ser autorizadas para publicação se o biografado participar com metade dos ganhos dos editores. Tem gente confundindo pessoa famosa com pessoa pública. O fato de alguém ser famoso não confere a outrem o direito de biografá-lo. Pessoas públicas são aquelas que, por dever de ofício, ocupam funções públicas e são obrigadas por lei a tornarem públicas informações de sua vida pessoal. Ou então aquelas que, livremente e por iniciativa própria, expõem sua vida pessoal com o intuito de fazer propaganda para a realização de interesses próprios. Quando terceiros tomam tal iniciativa, devem pagar ao biografado. Se este não concordar em receber dinheiro por isso, então paciência… Ficaremos sem ler a biografia do sujeito.

    Outra coisa é publicar um livro do tipo “o que dizem as pessoas (amigos, inimigos, amantes etc) sobre o fulano”. Mas não chame isso de “biografia”.

    1. Voce tem razão quando diz que

      Voce tem razão quando diz que “tem gente confundindo pessoa famosa com pessoa publica”.

      Contudo, ate mesmo as pessoas publicas tem direito a privacidade.

      A sociedade tem direito de saber se o genro de algum politico esta em algum cargo comissionado para defender negociatas.

      Mas não interessa a sociedade saber se o senador ou o deputado dormem de pijama ou pelados.

      Ou se a deputada tem um amante.

      O triste, Jose, é constatar que a esquerda ja foi composta por gente mais qualificada.

      É desolador ver deputados dos partidos populares defendendo os interesses das grandes editoras,em vez de proteger os artistas da cobiça alheia.

      É triste ver que os politicos em vez de encontrarem formas para proteger os artistas pilhados por piratas na internet, ainda pretendem assalta-los mais, negando-lhes ate o direito a privacidade.

      É triste ver que enquanto a cultura anda em marcha re, porque esta amordaçada pela lei Rouanet, que entregou o seu controle as grandes empresas,  nossos politicos achem que proibir a fofocagem  da vida alheia é “calar a historia”.

      Estamos mal.

      E temos que ficar contentes, porque se vier a direita ainda sera pior.

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