O manual da intervenção militar e o golpe no horizonte

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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O Manual de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que este GGN trata como “o ovo da serpente da intervenção militar”, foi moldado no seio de um governo que reafirmava, sempre que possível, que preferia “as vaias da democracia ao silêncio da ditadura”. Não se sabe se Michel Temer tem o mesmo compromisso

Jornal GGN – No governo Dilma Rousseff, o então ministro da Defesa Celso Amorim tentou garantir que o manual que padroniza as condutas de militares em operações do tipo GLO (de Garantia da Lei e Ordem) – como as que ocorrem em favelas do Rio de Janeiro – estivesse de acordo com as leis e não desse margem a interpretações dúbias que pudessem dar superpoderes às Forças Armadas. Amorim revisou o manual, inclusive, com participação da sociedade civil. O problema é que as autoridades da época não enxergaram a possibilidade de um golpe parlamentar no horizonte.

Nem poderiam. A revisão do manual pela equipe de Amorim com apoio do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas – responsável pelo texto original, de 2013 – foi lançada em fevereiro de 2014. Dilma não havia sido reeleita e ninguém poderia imaginar que o partido derrotado pela quarta vez consecutiva nas urnas, sem reconhecer a derrota, iria encampar uma batalha que culminaria no impeachment da presidente e entrega de seu cargo a Michel Temer (PMDB) e aliados.

O Manual de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que este GGN trata como “o ovo da serpente da intervenção militar”, foi moldado no seio de um governo que reafirmava, sempre que possível, e na figura de uma chefe de Estado perseguida pelas forças de repressão de décadas passadas, que preferia mil vezes “as vaias da democracia ao silêncio da ditadura”. Não se sabe se Michel Temer, com um ministro da Justiça com o histórico Alexandre de Moraes, tem o mesmo compromisso.

Quando o manual foi revisado, o Ministério da Defesa explicou à imprensa que a adoção de operações GLO, no âmbito infraconstitucional, foi normatizada pela Lei Complementar nº 97/99 e regulamentada pelo Decreto nº 3.897/2001. O que coube ao governo Dilma foi revisar a publicação da primeira versão do manual feita pelo Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, levando em consideração experiências adquiridas na conferência ambiental Rio+20 e no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, por exemplo.

Em tese, o manual estabelece os procedimentos a serem seguidos pelas Forças Armadas na “eventualidade de decretação de GLO”. Esse tipo de operação, na visão do ex-ministro, “tem caráter excepcional e previsão expressa no artigo 142 da Constituição Federal (art. 142)”. É para ser algo pontual e temporário.

Por disposição constitucional, as ações de segurança pública são de responsabilidade da União e dos Estados, que as exercem por meio de suas polícias. Por essa razão, o emprego de militares da Marinha, Exército e Aeronáutica em atividades de segurança interna no país requer solicitação dos governadores e autorização do presidente da República, autoridade que tem competência exclusiva para decretar a GLO.

Aqui entra o governo Temer e sua eventual necessidade de dominar as ruas, como se viu na operação que deteve cerca de 20 pessoas em uma delegacia de São Paulo, sem direito à defesa, e que acabou revelando, depois, a identidade do capitão do exército Willian Pina Botelho, o Balta, um agente infiltrado entre os jovens que se preparavam para manifestar seu repúdio ao golpe do impeachment na Paulista, em 4 de setembro.

Em “Celso Amorim chocou o ovo da serpente da interveção militar”, Luis Nassif aborda trechos de uma carta recebida pelo GGN de um leitor que foi vítima da repressão da Polícia Militar de São Paulo, nesse episódio envolvendo o capitão Balta.

O artigo mostra a essência da manual de operações GLO, que dá margem para que as Forças Armadas entrem com o pé na porta em questões que vão desde as ocupações de secundaristas em escolas públicas a situações mais graves, envolvendo facções do crime organizado. Tudo depende do assentimento do presidente da República e seus subordinados.

Em defesa, interlocutores do ex-ministro Amorim ressaltam que “nos governos Lula e Dilma, mesmo com problemas graves de segurança como os ocorridos nas favelas do Rio de Janeiro e em outros estados, o emprego dos militares nas GLOs sempre seguiu a moldura normativa, e nunca significou violação de direitos de estudantes, minorias ou de integrantes de movimentos sociais.” Prova disso são os protestos de junho de 2013. “O problema, portanto, parece não estar tanto num manual como esse, mas sim na condução política que pode ser dada por um determinado governo.”

Em “Xadrez de Carmen Lúcia como agente da remilitarização do país”, Nassif explica como o caso da Argentina pode ser um presságio do que deverá ocorrer no Brasil se for esfumaçada a linha entre o papel das forças de segurança internas (polícias) e o papel da segurança externa (Forças Armadas).

“A lógica da Argentina de Macri é similar àquela desenhada nas primeiras medidas do Brasil de Michel Temer. Trata-se de envolver as Forças Armadas nas disputas internas, a pretexto de combater o narcotráfico, o terrorismo e as agitações populares. Dali para a repressão política seria um pulo.”

Quando a nova presidenta do Supremo Tribunal Federal convida as Forças Armadas para discutir a segurança interna, criam-se condições para uma escalada contra a livre manifestação, um direito constitucional que espera-se que seja resguardado em uma democracia.

O manual não impede que, ao sabor da mudança de governos – principalmente numa transição entre um mais à esquerda por outro à direita, cuja agenda econômica não foi referendada nas urnas – as Forças Armadas sejam usadas para fins políticos.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

10 Comentários

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  1. prisao

     A prisao do Lula muito comentada  só de dará com o apoio do exercito, somente esta força pode impedir  a desordem nacional de um levante do tipo MST CUT UNe simpatizantes da esquerda de proteger LUla de uma prisao, creio que PF e Judiciario estao em entendimento de um acordo.

  2. Golpistas moleques

    O Manual da GLO não era, afinal, o ovo da serpente, era faca afiada, arma municiada. O que acontece é que não se pode deixar faca afiada na mão de criança. Criança é inconsequente e irresponsável mesmo.

    ***

    Aécio Neves da Cunha já tinha prometido mobilizar o Congresso para impedir Dilma de governar. E Aloysio Nunes Ferreira, que não queria o impeachment de Dilma, queria era vê-la sangrar. Molecagem pouca é bobagem…

  3. So tem um problema Cintia,

    So tem um problema Cintia, nao eh bem que ninguem poderia imaginar. O Rui Costa Pimenta do PCO ja denuncia a possibilidade de golpe desde 2012…

  4. Eu só quero mesmo é saber se

    Eu só quero mesmo é saber se os golpistas vao dar a passagem de ida pra ir embora “Dessa Porra” . Pra mim já chega… Reviver 1964 piorado, tô fora.

  5. CREDN

       Deputados do PT , casos de Chinaglia, Fontana e Maia, membros efetivos da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional quisessem, fossem operativos, deveriam propor uma moção para que o General comandante do CIE Ubiratan Poty e o Subchefe da 2a Seção do EME, General Heise, para que comparecem-se perante a esta Comissão, para contar o do porque um efetivo do CIE, atuou em conluio com a SSP/SP.

  6. o ovo da serpente foi chocado na…’democracia'(?)

    Bem se vê pelo histórico do GLO que ele foi criado no que alguns chamam de ‘democracia’. Pode sempre se alegar que os presidentes ‘eleitos democraticamente’ eram além de tudo ‘democratas’ e que portanto a lei não seria usada ‘autoritariamente’ por eles. O problema é que a lei por si só é antidemocrática por dois motivos. Primeiro, na democracia nunca se sabe quem é o próximo presidente e a lei promove o aumento da militarização do país como politica de Estado. Um presidente eleito ‘democraticamente’ pode não ser um ‘democrata’; não é preciso um golpe para o uso ‘autoritário’ da lei. O Macri que é citado no post foi eleito ‘democraticamente’, não é um golpista. Em  segundo lugar o Brasil têm uma força militar que atua internamente, as Policias Militares. A lei não militariza o pais, ele aumenta a militarização do país. Isso só revela que a politica de segurança dos governos ditos democráticos nunca deixou de ser autoritária, se não  foi na execução, foi na concepção.

  7. “Ninguém poderia imaginar”

    Que haveriam outros tempos? Outros governos? Com outras tendências? Que golpe de estado não é lenda?

     

    I n o c ê n c i a ! ! !

  8. O problema não é a GLO

           É obvio que algum governo que não prime pela democracia, pode lançar mão desta legislação, estabelecer uma operação GLO por tempo indefinido, publica-la no DOU, é fato muito possivel que foi analisado a época no MinDefesa, assim como quando Lula normatizou a “Lei do Abate”, estas legislações passaram pelo crivo da varias pessoas, e ambas são iguais a muitas outras, que tratam dos mesmos temas e em vigor em muitos paises classificados como democracias, portanto Celsinho Cineasta não pode ser responsabilizado em nada, caso Temer ou alguem a ele posterior, utilizar esta lei a seu beneficio.

            As ações mais prejudiciais ao Estado de direito, não são as possiveis GLO, são as anteriores a ela, muito mais perigosas no tocante a livre manifestação e livre organização, as ações “cinzas”, paralegais, as que tabulam ameaças, as que espionam e/ou infiltram, que não são publicas, mas restritas a grupos operativos selecionados dentro do aparelho de segurança do estado, montadas e coordenadas sabe-se lá por quem, até mesmo com o concurso/parceria de “esquemas” privados auxiliares e comoarado a estas ações “paralelas” , a GLO  é fichinha.

  9. Entendimento Conceitual

    A Constituição Brasileira prevê uma hierarquização de normas legais e infralegais que devem estar coerentes umas com as outras, respeitando-se sempre as normas mais altas.

    O Art. 142º da CF prevê o emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem e isso não foram as FFAA que incluiram no texto constitucional, mas o legislador originário.

    A partir daí temos as Leis Complementares (nesse caso a 97/99) e os decretos (nesse caso o 3.897/2011). Depois de regulamentado por Decreto, o tema deve ser sistematizado dentro do âmbito do Ministério que cuida daquele assunto. Por isso, a publicação de um Manual do Ministério da Defesa que trata de GLO. Nos outros ministérios são portarias. No MD se chama Manual, pois essa é a estrutura daquele Órgão.

    Não há estranhesa nenhuma. Tudo é feito dentro do respeito às leis e à hierarquia das mesmas.

    Me causa muita estranhesa tamanho alarde fazendo uma tempestade num copo dágua. Além do que, para que haja uma Intervenção, e o nome correto não é Intervenção Militar, pois isso não existe, o que existe é uma Intervenção do Estado, é necessário que haja aprovação do Congresso Nacional e o próprio é responsável pela fiscalização dessa Operação.

    Então, vamos ler mais e falar menos, pelo menos até termos certeza do que estamos realmente falando. Numa época de redes sociais e publicações de conteúdo a esmo, é no mínimo leviano falar sobre aquilo que não se sabe.

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