O princípio da humanidade e dignidade pela Declaração Universal dos Direitos Humanos

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Sugerido por Maria M.

Por Thiago M. Minagé

Do Justificando

O que é dignidade da pessoa humana?

Publicado 28 de março de 2015

Já repararam como muita gente fala em dignidade da pessoa humana de forma aleatória sem a menor organização de pensamento?

Muitos usam a expressão dignidade da pessoa humana para defender direitos fundamentais, mas sem alcançar o âmago do conceito e seus respectivos contornos. Por conta disto, inúmeras vezes a utilização da expressão acaba ocorrendo em contextos diametralmente opostos aos escopos constitucionais para justificar o direito à vida, à liberdade, à saúde e assim por diante. O mencionado paradoxo nos leva a compreender o porquê da necessidade em se fazer algumas reflexões sobre realidades e sofismas[1] na fixação de um conceito uníssono e coerente quanto à expressão “dignidade da pessoa humana”, o qual possa servir como base sólida em prol da defesa dos direitos es-senciais do ser humano, sob pena de deixá-los sem qualquer amparo efetivo e, por conseguinte, sem garantia de respeito.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, assinala o princípio da humanidade e da dignidade já no seu preâmbulo:

Considerando que o reconhecimento da dignidade ine-rente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (…). Conside-rando que as Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana (…).

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, estabelece, em seu art. 11, § 1º, que “Toda pessoa humana tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade”.

Derivando de um dos fundamentos republicanos, constante do art. 1º, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil, declara a dignidade da pessoa humana, o princípio da humanidade é descrito no art. 5º, incisos III e XLIX.

Conforme bem define Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho[2]:

Contudo foi com o Iluminismo que a noção de dignidade da pessoa humana ganhou uma dimensão mais racional e passou a irradiar efeitos jurídicos, sobretudo por influen-cia do pensamento de Immanuel Kant. O homem, então passa a ser compreendido por sua natureza racional e com capacidade de autodeterminação (…).

Fato é, existe extrema dificuldade em conceituar Dignidade da Pessoa Humana, mesmo entre os estudiosos do tema, onde enconttramos definições, as mais variadas possíveis. Senão Vejamos:

Ingo Sarlet[3] define da seguinte forma:

(…) por dignidade da pessoa humana a qualidade intrín-seca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um comple-xo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degra-dante e desumano, como venham a lhe garantir as condi-ções existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corres-ponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humano (…).

Ainda sobre dignidade da pessoa humana afirma Gustavo Tepedino[4]:

Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do § 2º do art. 5º no sentido da não ex-clusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento (…)

Aquilo que porventura não tenha um preço, pode ser trocado ou pode ser substituído por qualquer outra coisa equivalente e relativa, enquanto aquilo que não é um valor relativo é superior a qualquer preço. Trata-se de um valor interno e não admite ser substituto por algo equivalente. Isso é o que tem uma dignidade.

De outro lado, a filosofia kantiana mostra que o homem, como ser racional, existe como fim em si, não simplesmente como meio; enquanto os seres desprovidos de razão têm um valor relativo e condicionado (ao de meios), eis porque são chamados de “coisas”; ao contrário, os seres racionais são chamados de pessoas, porque sua natureza já os designa como fim em si, ou seja, como algo que não pode ser empregado simplesmente como meio e consequentemente limita na mesma proporção o nosso arbítrio, por ser um objeto de respeito. E assim se revela como um valor absoluto, porque a natureza racional existe como fim em si mesmo. Desta forma, o ser humano, por ser detentor do fim em si mesmo, tem sua dignidade como algo superior a todos os demais direitos ou garantias que possam ser ou vir a ser expressos[5].

Nesse sentido, reflita sobre: Como querer a prevalência de uma lei que tenha utilidade social em detrimento da própria pessoa que integra a sociedade? Como justificar a violação de um direito cuja finalidade seria proteger “os direitos”, mas a norma viola para proteger, então se protege violando? Afinal, não estaríamos protegendo apenas quem queremos e na verdade esquecendo todo o “resto”? Será mesmo que as leis são feitas por humanos, para proteger seres humanos, ou os seres humanos devem e estão a proteger as leis? Talvez fosse melhor mudarmos para “dignidade da lei”. Assim, assumiríamos de uma vez por todas que a sociedade serve a lei e não o contrário. Deixaríamos de ser hipócritas e mostraríamos que é imposssível defender direitos humanos sem ao menos uma vez ser ser humano. O que é ser, humano?

 

Thiago M. Minagé é Doutorando e Mestre em Direito. Professor de Penal da UFRJ/FND. Professor de Processo Penal da EMERJ. Professor de Penal e Processo Penal nos cursos de Pós Graduação da Faculdade Baiana de Direito e ABDConst-Rio. Professor de Penal e Processo Penal na Graduação e Pós Graduação da UNESA. Coordenador do Curso de Direito e da Pós Graduação em Penal e Proceso Penal da UNESA/RJ unidade West Shoping.. Autor da Obra: Prisões e Medidas Cautelares à Luz da Constituição publicado pela Lumen Juris no ano de 2013. Autor de inúmeros artigos jurídicos. Advogado Criminalista.

[1] Sofisma é uma argumentação falsa, com a aparência de verdadeira.[2] CASTANHO DE CARVALHO. Luiz Gustavo Grandinetti. Processo Penal e Constituição. Principios Constitucionais. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 25.[3] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.[4] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil, Rio de janeiro: Renovar, 1999, pág. 48[5] Necessário aqui algumas considerações sobre a filosofia moral, a partir de Kant, eis que, incorporou ao discurso duas noções fundamentais, sem as quais, inclusive, hoje dificilmente seríamos capazes de nos conceber enquanto pessoas: dignidade e respeito. O direito, desde Kant e, notadamente, em nosso tempo, vem erigido à luz dos preceitos invioláveis da dignidade e do respeito concernentes à pessoa. Fala-se, agora, que alguns animais não-humanos também são pessoas. Para além da nomenclatura eleita (se pessoa, se sujeito-de-uma-vida, se indivíduo), o que subjaz ao conceito é a extensão das prerrogativas de dignidade e respeito também a estas novas “pessoas”. Escritos Pré-críticos. Tradução de Jair Barboza. São Paulo. UNESP. 2005. 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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