O que é prova robusta? Moro e TRF-4 divergem! Em jogo, pena de 11 anos, por Lenio Streck

Resumo: Quando duas pessoas olham para um barco e uma vê um avião, alguma coisa deu errado”. E uma pergunta: o que fazer com haters?

Foto Agência Pública

no ConJur

O que é prova robusta? Moro e TRF-4 divergem! Em jogo, pena de 11 anos

por Lenio Luiz Streck

Nas redes sociais, Aury Lopes Jr. rebateu, e o fez muito bem, as críticas daqueles que pedem por “estatísticas” de condenações injustas/juridicamente equivocadas — voltarei a essa (não-)dicotomia depois — no Brasil. Aliás, acrescento que, no Brasil, estatísticas funcionam assim: dou um tiro no pato e erro por um metro à esquerda; dou outro tiro e erro à direita. Na média, matei o glorioso onívoro Cairina Moschata.

Sigo. Primeiro, Aury disse suspeitar que não há um estudo desses pelo “impacto colossal na política de banalização da prisão preventiva”. Bingo, Aury. Vou além: as estatísticas, as tabelinhas, os números, no Direito, parecem interessar somente às análises econômicas (também conhecidas como direito tributário para ricos). Não existe AED para a patuleia. A malta não cabe no Excel.

Sigamos. Aury disse que, mesmo assim, entre muitos outros, cruzou com um caso específico; paradigmático, arquetípico do punitivismo ad hoc que se instalou no Brasil. Trago matéria da ConJur à época, assinada por Pedro Canário:

Em julgamento de apelação contra as penas relacionadas à operação “lava jato”, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região reformou integralmente a sentença da primeira instância que condenou executivos da construtora OAS por corrupção e lavagem de dinheiro. O julgamento havia começado em junho e foi concluído na quarta-feira (23/11) depois de voto-vista do desembargador Victor Laus.

Pois é. Um dos réus foi condenado a 11 anos de prisão com base naquilo que o ex-juiz Sergio Moro considerou “prova robusta” (sic). Depois — isto é, depois de nove meses preso, depois de perder o nascimento de uma filha, depois de perder o próprio casamento por um divórcio —, o mesmo réu condenado por “prova robusta” foi então… absolvido. Por quê? Por… falta de provas. E ficou nove meses preso.

Pois é. E esse ainda foi absolvido. Quantos não o são? Não sabemos ao certo. Por quê? Claro. Não há estatística definitiva, confiável. Porque a malta não cabe no Excel. Como já falei aqui várias vezes, cerca de 80% dos processos de primeiro vinham bichados, aos tempos em que fui procurador de Justiça. Dava um trabalhão tentar consertar condenações feitas com prova ilícita, “prova robusta”, falta de laudos, laudos ilegais feitos por despachantes de trânsito e quejandos, sem considerar a inversão do ônus probatório, coisa então normal (até hoje). Cheguei a pegar coisas como “advogado confessou pelo réu”, “tentativa de suicídio com o pobre diabo processado por porte ilegal de arma”, “prisão preventiva por furto”, etc.

Pois bem. Ainda que a malta coubesse no Excel, ainda que o malabarismotabelístico-numérico diga que “as absolvições são obtidas em apenas 0,035% dos casos”; daí se segue que os réus têm “chances irrisórias” de reverter suas condenações? “Ah, é só zero-zero-trinta-e-cinco…” E se fosse você?

Porque o ponto é exatamente esse: ainda que a estatística seja baixa (não é; estou dando o argumento de barato). Não vem ao caso. Porque o Direito não é uma questão utilitarista.

Até imagino o sujeito de terno Calvin Klein, gel no cabelo, gravata italiana, chave do Audi na mão, dizendo que os números (ah, sempre os números…) dizem que há mais culpados presos (imagina se fosse o contrário!), e que por isso o punitivismo vale a pena. Porque é eficiente, então, veja bem, não se faz omelete sem quebrar alguns ovos…

Meus caros, o Direito existe exatamente para que não saiam por aí quebrando ovos a troco de nada. Liberdade e ovos são coisas frágeis. Entendam: ainda que os numerólogos tivessem razão — não têm —, eles não teriam razão. Se eles estão certos, estão errados. Porque, em Direito, não se escolhe; não se faz cálculo, não se pesa preferências, não se mede graus de eficiência. O Direito é uma questão de princípio. Direitos, em Direito, não são trunfos apenas contra as maiorias raivosas; são também trunfos contra esse utilitarismo ad hoc.

Perder o casamento e o nascimento na filha não entra no cálculo. Essa variável não cabe na fórmula e nem no Excel.

Porque os números são tão poderosos que, com eles, você faz qualquer coisa. E a fórmula é sempre ad hoc. Um pé nas brasas e um pé no gelo: temperatura média ótima…

O que me leva a outro ponto, bem ilustrado pelo caso lembrado por Aury. Para o juiz Moro, “prova robusta”; para o TRF, “ausência de provas”. Ora, tem algo errado aí, não? Esse é mais um símbolo do nosso fracasso. O Carnaval tem seus critérios para as escolas de samba… e o Direito não tem uma criteriologia mínima por meio da qual pode valorar as provas apresentadas em juízo. Já existe uma epistemologia para “medir” o carnaval. Mas ainda não sabemos o que é uma prova “robusta” ou “quando ela não existe ou é insuficiente”. Por que? Por causa do relativismo. Por causa do emotivismo, praga pela cada um dá a sua opinião. E por causa da ausência de constrangimentos externos aos “chutes epistêmicos”.

O que temos? Um Direito sem padrões e sem respeito aos próprios elementos que lhe constituem enquanto Direito legítimo. Ora, só podia dar nisso.

Somos uma sociedade cada vez mais marcada por desacordos. Nossos desacordos, por sua vez, cada vez mais marcados pela praga do emotivismo: é tudo questão de opinião, tudo é relativo. Inclusive a prova “robusta”. E aí, quando a democracia presenteia a nós com a instância adequada de resolução desses desacordos, surge a algaravia completa: emotivizamos o critério.

O resultado é isso. Um Direito capenga, sem epistemologia própria, sem uma criteriologia mínima, sem inteligibilidade e coerência consigo mesmo, sem uma teoria da decisão. Decide-se com base em qualquer coisa. Eficiência vira critério jurídico. Pragmatismo vira razão de decidir.

Chamemos as coisas pelos seus nomes e digamos o que se quer dizer. “Veja bem, só tantos pouquinhos por cento são absolvidos” é dizer “veja bem, é só a plebe que vai pra cadeia mesmo, então que se dane”. No caso, esse nem era da “malta”.

Na sequência, quando for possível, escreverei sobre “O que é isto — prova robusta” e “o que é isto — a prova robusta que se transformou em raquítica-ou-nenhuma”. O que é isto — a verdade no processo?

Post scriptum: Meu artigo sobre o neto de Lula e o comportamento imbecilizado de certo tipo de gente (?) nas redes sociais — a neocarverna — teve grande repercussão. Já nos comentários aqui do Conjur, elejo Roberto Melo e Persistente como os que resumiram melhor a querela. Quanto aos haters de sempre — que vaiam e odeiam até minuto de silêncio e velório — o látego do silêncio é a melhor resposta. Meanwhile, the haters’ level of shame rises.

 é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

Redação

9 Comentários

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  1. Interessante.
    Esse ‘jurista’ cita uma condenação do Juiz Sergio Moro com ‘provas robustas’ onde a sentença foi reformada por desembargadores de 2º Grau.
    Mas e quando os desembargadores também enxergam ‘provas robustas’ como foi o caso da condenação de Lula no caso do Triplec e além de condená-lo AUMENTAM a pena?
    Vão continuar colocando nas costas do juiz de 1º Grau a condenação ‘sem provas’ quando o Tribunal, por unanimidade dos desembargadores julgou o Réu culpado pelas provas robustas apresentadas?
    E quando os Ministros do STF negam o Habeas Corpus impetrado pelo Réu e negam? A culpa é do Juiz de 1º Grau?
    Erros toda a pessoa comete. Na Justiça o erro de um juiz pode e deve ser corrigido por um colegiado de desembargadores em sede de Apelação. Agora vão querer que os 11 ministros do STF confirmem cada sentença de juiz de 1º grau quando cada julgamento no STF demora até seis horas de interminável e enfadonho debate?
    Nem se o STF tivesse cem ministros eles seriam capazes de revisar todos os processos criminais.

    1. A reforma da sentença do $érgio Moro pelo TRF-4 é a certeza jurídica de que não há provas robustas a embasar a condenação do réu por $érgio Moro. Entretanto, tal certeza jurídica não significa que, quando o Tribunal não apenas confirma mas também recrudesce a condenação feita pelo $érgio Moro, haja provas robustas da condenação. Só porque o Vasco ganhou uma partida de futebol não quer dizer que ele ganhará todas. Da mesma forma, só porque o TRF-4 julgou um caso corretamente não significa que ele julgará todos os casos corretamente. O fato de um magistrado vender uma decisão não quer dizer que todas as suas decisões sejam vendidas.

      Coxinha Morete pensa com a bunda.

      1. Você tem o mesmo raciosimio do Reinaldo Azevedo.

        Quando o STF dá uma decisão de acordo com o palpite dele, ele sai logo cacarejando: Eu disse! Como eu antecipei. Eu estava certo. STF dá razão a mim.

        Mas quando o STF dá uma interpretação contrária à dele aí ele acusa: STF faz a coisa errada. STF errou. STF se acovardou. STF rasga a Constituição.

        Pare de pensar como o Reinaldo Azevedo.

        Por mais que você tente, você jamais chegará aos pés do ego do Reinaldo.

        1. Se o Reinaldo Azevedo cacareja, ele é uma galinha e, portanto, não pensa. Logo, eu não posso parar de pensar como alguém que em vez de pensar cacareja.

  2. Por falar em prova inexistente, os Chefes do Narcotráfico que foram transferidos de presídios há pouco dias esperam as autoridades golpistas baixarem a guarda a fim de os flagrarem de calça na mão. E o $érgio Moro já começou a baixar a calça. Mandou a Força Nacional para atuar no Pará, estado para o qual nenhum Chefão foi transferido.
    A Força Nacional deveria de ficar em disponibilidade durante 25 horas por dia, em local de fácil acesso e rápido deslocamento para toda e qualquer parte do território nacional apenas para reagir ao salve geral que aguarda apenas o momento oportuno para ser furiosa e impiedosamente desencadeado.
    Os asnos tomaram conta do poder. Viva a asnocracia brasilistão.

  3. Parece o joão plenário falando em certas partes do texto, se a função da lingua é comunicar vê-se que esse aí tem dificuldade. Texto vazio na maior parte. Mas gostei da ilustração do tiro ao pato, vou usar…

  4. Emerson Silva, “texto vazio” é uma critica de “texto vazio” sem apontar qualquer fundamento! Sua crítica se fosse uma sentença, poderia ser anulada por falta de fundamentação com base no artigo 489 parágrafo 1° do CPC (que aliás é chamado por alguns juristas de emenda Streck – e não à toa). Se o texto te parece vazio é porque te falta conhecimento para compreender a profundidade da brilhante crítica, que é eminentemente jurídica e coerente com que ele vem escrevendo desde sempre, apesar de muitos comentaristas empreenderem uma dialética partidária que é irrelevante para esta discussão de DIREITO.

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