O que Ernst Cassirer tem a ensinar aos juízes encarregados de julgar Lula?, por Fábio de Oliveira Ribeiro

O que Ernst Cassirer tem a ensinar aos juízes encarregados de julgar Lula?

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Ao indeferir a liminar no Mandado de Segurança impetrado por Lula contra o bloqueio dos seus bens por Sérgio Moro, o Desembargador João Pedro Gebran Neto, TRF-4, afirmou que o ex-presidente recebe um benefício que foi revogado pela CF/88  https://jornalggn.com.br/noticia/gebran-nega-desbloqueio-em-conta-de-lula-achando-que-ele-tem-auxilio-mas-nao-tem. O erro que ele cometeu é evidente e pode até ser corrigido através de Embargos de Declaração, mas há algo mais que pode ser dito sobre o episódio.

Há décadas a imprensa acusa Lula de ter enriquecido na política. O anti-petismo se tornou um lugar comum nos últimos anos, tanto que se transformou na única plataforma política de Aécio Neves nas últimas eleições presidenciais https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/sobre-o-anti-petismo-e-os-anti-petistas-por-fabio-de-oliveira-ribeiro. Velhas raposas do jornalismo e da política e seus jovens aprendizes do MBL vomitam ódio contra o PT diariamente nas redes sociais. Boatos são inventados: a Ficha-Falsa do DOPS de Dilma Rousseff (que poderia ser verdadeira segunda a Folha de São Paulo) e a propriedade da Friboi pelo filho de Lula são os dois boatos mais conhecidos.

Toda uma mitologia foi sendo criada para demonizar o PT e destruir as conquistas sociais dos governos Lula e Dilma. O processo do Triplex, que resultou na condenação de Lula apesar dele não ter recebido a posse e a propriedade do imóvel, se insere dentro deste contexto.

Ao estudar as características da mitologia, Ernst Cassirer notou que para as pessoas mergulhadas num mito:

“… o pensamento não se coloca livremente diante de um conteúdo da percepção a fim de relacioná-lo e compará-lo com outros, através da reflexão consciente, mas, colocado diretamente perante esse conteúdo, é por ele subjugado e aprisionado. Repousa sobre ele: só sente e conhece a sua imediata presença sensível, tão poderosa que diante dela tudo o mais desaparece.” (Linguagem e Mito, Ernst Cassirer, editora Perspectiva, 4ª edição, São Paulo, p. 52)

Um pouco mais adiante, Cassirer é ainda mais específico:

“…aquilo que, para a reflexão subseqüente, parece mera transferência, constitui para o pensamento mítico, na realidade, uma autentica e imediata identidade.” (Linguagem e Mito, Ernst Cassirer, editora Perspectiva, 4ª edição, São Paulo, p. 111)

No caso mencionado no princípio, fica-se com a impressão de que o Direito desapareceu porque a consciência do Desembargador que indeferiu a limitar está mergulhada no mito do anti-petismo. A identidade entre Lula e sua fortuna, seja ela real ou imaginária (como a aposentadoria presidencial) se colocou para o juiz como uma realidade incontestável. Tanto que ele nem mesmo se deu ao trabalho de estudar profundamente a questão.

Lula representou o Brasil no Tribunal de Direitos Humanos da ONU porque o judiciário brasileiro não está agindo com isenção no caso dele. A decisão do Desembargador que, provavelmente inspirado pelo mito do anti-petismo, indeferiu de maneira irrefletida a liminar no Mandado de Segurança parece comprovar esta tese.

A passagem do mito à ciência equivale à renúncia da intuição em favor do rigor dedutivo:

“Se a linguagem deve realmente converter-se em um veículo do pensamento, moldar-se em uma expressão de conceitos e juízos, esta moldagem só pode realizar-se na medida em que renuncia cada vez mais à plenitude da intuição.” (Linguagem e Mito, Ernst Cassirer, editora Perspectiva, 4ª edição, São Paulo, p. 115)

Mutatis mutantis, as palavras de Cassirer se ajustam à questão aqui debatida. Ao distribuir justiça, os membros do poder judiciário devem cumprir e fazer cumprir a Lei (dever funcional deles de acordo com o art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura). Eles não devem se deixar influenciar por preconceitos e por mitos extra-legais. As decisões que eles proferem devem ser resultado da reflexão racional baseada nas provas e não na intuição ou nos mitos difundidos na sociedade pelos inimigos daquele que é parte no processo. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

5 Comentários

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  1. Pra começar, geralmente não

    Pra começar, geralmente não se transcreve artigos em uma petição porque seria uma ofensa:

    o juíz conhece a lei, ou o inverso, ao juiz não é permitido desconhecer a lei; sendo desembargador então……

    1. Para começar eu faço o que

      Para começar eu faço o que quiser e você não tem o direito de vir aqui falar merda. E se fizer isto vai levar bordoada como se fosse um trollador cretino.

    2. O argumento de autoridade é

      O argumento de autoridade é assustador. Parece aqueles infelizes, doentes de ódio, que ridicularizam a afirmação de que o Lula foi condenado sem prova, dizendo, como se fosse um truismo, que o fato de Moro tê-lo condenado constitui, em si mesmo, a prova dos crimes que jamais foram provados. Ou os que comemoram, nas redes sociais, o fato de Lula ter sido convocado como testemunha pela defesa de Eduardo Cunha, imaginando que isso constitua uma confissão de cumplicidade…

      Agora, o juiz deveria conhecer a lei; se, ao contrário, não a conhece, a sua ignorância se torna legiferante, pois se a lei que o juiz imagina não existe, ela teria, como o deus de Voltaire, de ser inventada, para que a ignorância do juiz não seja exposta.

      … e tudo isso, curiosamente, reforça a tese do texto: há pessoas mergulhadas de tal forma no mito, que a disntinção entre fantasia e realidade perdeu, para elas, todo sentido.

    3. Discordo

      Discordo que seja ofensa reproduzir textos legais em petições, especialmente nos dinâmicos dias atuais de recentes mudanças de códices, de leis, onde muitos juizes, por acúmulo de serviço, não se atualizam adequadamente, (como nesse caso emblemático do Desembargador Greban)  ou por “economia de tempo” não se dão ao trabalho de consultar seus “Vade-Mecuns”. Prefiro, quando possível, dar o caminho das pedras, já mastigado, precedido das “vênias” de praxe.

  2. Pequena corrigenda: mesmo que

    Pequena corrigenda: mesmo que o desembarga tivesse estudado a fundo a questão, sua decisão seria a mesma, pois, não podia, nem pode, nem poderá desapontar o “cumpadi”. Mas, no caso específico, bastaria que ele tivesse, minimamente, estudado o caso, agora, como NÃO EXISTE CORREGEDORIA na justiça federal, muito menos CNJ, este, aprisionado entre o discurso-repulsivo-populista-nada-legal da dona carmencita e as mãos-aligeiradas do anoranhado que, também por sua vez, jamais irá desapontar seu “padinho” Gilmar. Bando é muito pouco.

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