Os caminhos percorridos por magistrados no Uruguai

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Do Consultor Jurídico

Como se desenvolve o sistema de Justiça do Uruguai

A República Oriental do Uruguai tem 176.214 km2 e 3,5 milhões de habitantes, dos quais 1,8 milhão encontram-se na sua capital, Montevidéu. Poucos sabem que aquele território pertenceu ao Brasil, de 1817 a 1825, sob o nome de Província Cisplatina. Todavia, de nossa cultura lá pouco ficou, talvez apenas a arquitetura da Colônia Sacramento, às margens do Rio da Prata.

Os brasileiros que visitam nosso vizinho ao sul ficam encantados com a tranquilidade do povo e com o elevado grau de cultura de sua gente, inclusive nas camadas mais populares. No Uruguai, à efervescência econômica do Brasil contrapõe-se uma melhor distribuição de renda, com resultados positivos na segurança pública. Há menos milionários e menos miseráveis.

O sistema judicial do Uruguai é coerente com a forma de viver uruguaia, ou seja, simples e de boa qualidade. Não há grandes teses  inovadoras. No entanto, as ações tramitam celeremente e o Poder Judicial é respeitado. Segundo um Juiz Federal de uma vara de crimes contra a ordem econômica em capital da região sul, uma rogatória expedida ao Uruguai, regra geral, é cumprida com mais rapidez do que precatórias nas grandes seções judiciárias do Brasil.

A carreira judicial não é muito procurada, porque os juízes recebem vencimentos baixos, em torno de 2 mil dólares iniciais. Registre-se, contudo, que os descontos são pequenos, giram em torno de 10%, enquanto no Brasil, na esfera federal, eles significam 27,5%  de imposto de renda, mais 12% de INSS. Além disto, os magistrados devem, obrigatoriamente,  passar alguns anos no interior, não raramente em cidades distantes e pequenas, o que nem sempre é atrativo.

Os que pretendem entrar na carreira judicial devem ser graduados em Direito, cursar a Escola da Magistratura e ter um mínimo de 25 anos de idade. Concluído o curso com êxito, poderão ser nomeados Juiz de Paz.

Nos locais mais distantes e pouco populosos o Juiz de Paz não precisa ser graduado em Direito, poderá ser um juiz leigo, escolhido entre as pessoas respeitadas do local. Em Montevidéu e cidades de maior movimento forense, ele deverá ser graduado em Direito e cursar a Escola. Ao Juiz de Paz cabe conciliar as desavenças, pois não se proporá ação de reparação de dano civil sem tentar previamente a conciliação perante um Juiz de Paz. Cumpre-lhe, também, decidir as pequenas questões que lhe sejam submetidas. O mandato é de quatro anos e não há qualquer garantia de estabilidade, podendo inclusive ser removido a qualquer tempo no interesse do serviço público.

Passados quatros anos sem problemas de conduta, poderá ser nomeado para o cargo de Juiz Letrado, com estabilidade assegurada por lei, e passará a ter exercício em cidades de porte médio. O Juiz Letrado, ou seja, bacharel em Direito, deve ter pelo menos 28 anos de idade e quatro de experiência. 

Caso surja vaga em uma Vara (Juzgado), a Suprema Corte de Justiça escolhe qual juiz suprirá a vaga e decide o seu traslado, nome que se dá à remoção. Não existe direito à remoção voluntária, como no Brasil. A corte previamente faz uma consulta ao escolhido, porém a recusa não é vista com bons olhos, podendo significar a permanência onde se está até o dia da aposentadoria. O traslado pode ser, inclusive, para sede de Juízo de menor hierarquia ou remuneração, nesta hipótese sendo necessário o voto de quatro dos cinco membros da corte.

O passo seguinte da carreira é a nomeação para o cargo de ministro de um Tribunal de Apelação, podendo atuar no cível ou no crime. Os cargos são providos sempre por juízes de carreira ou membros do Ministério Público, que tenham pelo menos 35 anos de idade e oito de experiência profissional. Não existe sistema de nomeação por antiguidade nem algo semelhante ao nosso quinto constitucional.

Após a segunda instância abrem-se duas oportunidades aos juízes de carreira: a Suprema Corte de Justiça e o Tribunal do Contencioso Administrativo (TCA). Para ser nomeado Ministro destes Tribunais é preciso alcançar dois terços dos votos do Parlamento, o que obriga a um esforço político. Se o candidato indicado não alcançar o quórum mínimo e a Assembleia Geral convocada para tal fim não aprovar um nome em 90 dias, será nomeado o membro mais antigo dos Tribunais de Apelação ou do Ministério Público. Não há hierarquia entre estes dois Tribunais Superiores e os vencimentos são idênticos. Mas a Suprema Corte goza de um “status” maior, pois decide as ações em que se discute ofensa à Constituição, exerce a função correcional dos Tribunais, apresenta os projetos de orçamento ao Poder Executivo e é a responsável pela administração da Justiça, inclusive nomeando os magistrados de primeira e segunda instância e também os Defensores de Ofício. 

O TCA foi criado em 1952 para ressalvar os direitos privados que possam ser lesionados pelas autoridades públicas e também para controlar eventuais ilegalidades da administração. Ao TCA cabe processar e decidir, em única instância e sem recurso para a Corte, as questões envolvendo a nulidade de atos administrativos  oriundos da Administração Pública no  exercício de suas funções, inclusive aqueles oriundos de disputas de órgãos do governos central com os regionais ou locais. Ao decidir uma ação o TCA pode declarar válido ou nulo o ato administrativo, nesta hipótese limitando-se a informar à administração sem que possa outro editar no seu lugar. Eventuais danos oriundos de um ato administrativo declarado nulo poderão ensejar reparação dos danos civis, porém nas Varas (Juzgados) e não no TCA.

Cada Tribunal Superior possui cinco Ministros, que recebem pouco menos do que 5 mil dólares e que podem indicar três secretários de sua confiança para assessorá-los. Os demais cargos de funcionários do Poder Judicial, em todas as instâncias, atualmente, são providos por concurso público. Estes Ministros têm um mandato de 10 anos, ou seja, seus cargos não são vitalícios. A Suprema Corte já teve representantes femininas, porém, atualmente, sua composição é apenas de homens. No TCA atua uma mulher: Mariela Sasson Balleto.

A Polícia no Uruguai trabalha diretamente com o juiz, que deve dirigir-se ao local do crime tão logo dele tenha notícia. Por isso mesmo o plantão é rigoroso, sendo proibida a ausência das comarcas nos fins-de-semana. Tal atividade passará ao Ministério Público tão logo seja aprovada a reforma processual em andamento. Porém, os Promotores de Justiça, que recebem vencimentos iguais aos dos juízes, têm suas atividades limitadas à esfera criminal, inexistindo atuação em ações civis, mesmo que coletivas.

Não existe no Uruguai um órgão assemelhado ao nosso Conselho Nacional de Justiça. Houve, ao tempo do regime militar, um Conselho da Magistratura, porém foi extinto com a volta à normalidade democrática.

Não há sessão pública ou sustentação oral nos tribunais uruguaios, os acórdãos são lavrados após discussão entre os membros da Turma em caráter privado. Os magistrados não usam toga e as relações protocolares desenvolvem-se com muita simplicidade.                                                                          

Aos 70 anos de idade, tal qual no Brasil, os magistrados devem aposentar-se compulsoriamente. Ao fim da sua carreira judicial, eles recebem uma aposentadoria correspondente a 70% do que recebiam em atividade. Em caso de morte, a (o) pensionista tem direito a um benefício previdenciário no valor de 50% do valor recebido pelo finado quando em atividade.

E assim se desenvolve o sistema de Justiça uruguaio.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

4 Comentários

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  1. juiz de paz

    Gostaria de completar que estes juizes cuidam também de casamentos, divórcios, adoções, etc. pois não existem cartórios ocupando funções próprias do Estado.

    Dois países, duas histórias…

  2. Outro detalhe.

    Outro detalhe que pouca gente sabe, o Uruguai é o país que mais cultua, proporcionalmente, as religiões de matrizes africana na America do Sul.

    Como eu sei ? Conheço missionários atuando no Uruguai.

    Existem mais terreiros de religiões Africanas, que Igrejas, de todas as denominações.

  3. Churchill em visita oficial ao Uruguai, a “Suíça latinoamerica”

    Churchill em visita oficial ao Uruguai, a “Suíça latinoamericana”: 

    Churchill o descreveu, ironicamente, como um homem modesto “que tem muitos motivos para ser modesto”.

    Par/odiando Churchill: “Uruguai é um país modesto que tem muitos motivos para ser modesto”.

     

     

  4. Quanta diferença!

    Gente, temos muito o que avançar no Brasil, mas comparar qualquer situação do Uruguai com a do Brasil, é bastante desproporcional. Se compararmos apenas com o RS, meu estado, já é gritante a diferença (o RS tem mais de duas vezes a população do paíz vizinho. Salvador (BA) mais São Luiz (MA) dão a população inteira do Uruguai. Uma capital de departamento no Uruguai tem cerca de 100 mil habitantes. É muita diferença, qualquer prefeito de capital brasileira tem muito mais desafios do que o Uruguai inteiro. Conheço bem o Uruguai, é um belo país e tem um povo muito cordial.

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