Os custos e os cortes orçamentários no Judiciário, por Antonio Sepulveda, Carlos Bolonha e Igor De Lazari

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Foto: Antonio Junio

Do Justificando

Judiciário brasileiro é caro demais comparado a outros países

Antonio Sepulveda, Carlos Bolonha e Igor De Lazari

O ano de 2016 não foi nada fácil. Além do impeachment da Presidente Dilma Rousseff, de toda instabilidade política e das revelações de esquemas de corrupção, o Brasil sofreu a pior recessão econômica das últimas décadas. Na tentativa de compensar o déficit orçamentário, o Poder Executivo (juntamente com o Congresso) implementou rigorosas medidas de ajuste econômico, principalmente ao limitar os gastos programados por meio da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2016.

Esse ajuste resultou em corte da ordem de 7 bilhões de dólares, o que provocou uma incisiva redução de gastos em programas sociais, diminuição das verbas orçamentárias ministeriais e de agências, desacelaração de investimentos em infra-estrutura e, ainda mais questionável, redução do orçamento do Judiciário.

A LOA de 2016 reduziu a proposta orçamentária do Judiciário Federal em 500 milhões de dólares e drasticamente afetou as contas da Justiça Trabalhista, que sofreu uma redução de 90% em gastos em investimentos e 24,9% em despesas de custeio. Tais medidas acarretaram redução das sessões das cortes trabalhistas, a suspensão de concursos e aumento do risco de interrupção das atividades judiciais.

Esse incidente orçamentário é, na verdade, um confronto interpoderes (budgetary showdown) travado no campo das finanças. Embora o artigo 99 da Constituição Republicana, de 1988, assegure autonomia administrativa e orçamentária ao Poder Judiciário, a proposta orçamentária deve ser transmitida ao Congresso pelo Presidente.

Efetivamente, esse procedimento transforma a autonomia do Judiciário em uma frágil barreira de pergaminho (parchment barrier): o Presidente não possui poderes para alterar a proposta orçamentária do Judiciário a menos que descumpra as determinações da lei orçamentária. Todavia, tanto em 2011 quanto em 2014, o Presidente reduziu previamente a proposta orçamentária do Poder Judiciário.

Naqueles dois anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional os “ajustes presidenciais” (MS nº 33.186, MS nº 33.193, ADPF nº 240 e MS nº 30.896) e ordenou que o Poder Executivo transmitisse ao Congresso Nacional a proposta orçamentária original elaborada pelo Judiciário. Contudo, em 2016, o Presidente, com apoio congressual, reduziu as dotações do Judiciário e o STF, reafirmando decisão de 2007 e em maioria (8 a 3), manteve a LOA, de 2016, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 5.468, proposta pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho), afirmando que:

A Constituição Federal confere inequivocamente ao Legislativo a titularidade e a legitimidade institucional para debater a proposta orçamentária consolidada pelo chefe do Executivo.

O ministro Fux, em voto vencedor, asseverou que a função de definir receitas e despesas “é uma das mais relevantes e tradicionais do Legislativo, e merece ser preservada pelo Judiciário, sob pena de esvaziamento de típicas funções parlamentares”.

A decisão não acarretou consequências desastrosas porque uma medida provisória editada posteriormente supriu recursos adicionais à Justiça Trabalhista, mas esse socorro financeiro foi apenas um paliativo, como o Ministro Celso de Mello observou em seu voto dissidente proferido no curso da ADI nº 5.468. Mello afirmou que a manipulação do processo de elaboração e execução da Lei Orçamentária Anual pode atuar como instrumento de dominação, pelo Legislativo, dos outros Poderes da República:

Muitas vezes culminando com a imposição de um inadmissível estado de submissão financeira e de subordinação orçamentária absolutamente incompatível com a autonomia que a própria Constituição outorgou.

Essa “manipulação”, contudo, ampara-se no desenho legislativo brasileiro, já que o Legislativo detém poderes para aprovar as dotações anuais, de acordo com o inciso II do artigo 48 da Constituição Republicana. O Legislativo tem poder premente sobre a definição do orçamento e decidir se fornece os recursos requeridos pelo Judiciário é principalmente uma decisão política. Além disso, o Judiciário não participa diretamente do planejamento orçamentário e os limites da capacidade judicial e os méritos da barganha Legislativo-Executivo prejudicam a participação judicial dos acordos orçamentários.

Entretanto, recorrentes déficits orçamentários comprometem a organização administrativa do Judiciário e são, no mínimo, indesejáveis no cotidiano, então soluções inovadoras são necessárias para superar tais impasses.

É tempo de interromper os cortes orçamentários do Judiciário, mas como? O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Adugar Souza Jr., deu uma resposta pautada na intuição (uma resposta à moda de Monstequieu), ao dizer que:

Nem o Poder Executivo nem o Legislativo podem cortar o orçamento do Judiciário, principalmente em respeito ao princípio da separação dos poderes.

Sérios problemas podem ter simples soluções, mas atribuir ao Judiciário a inapelável prerrogativa de definir seu próprio orçamento é, no mínimo, arbitrário, notadamente porque o judiciário brasileiro custa muito ao povo brasileiro.,Ignorando os custos não pecuniários (v.g., morosidade, ineficiência, etc), o judiciário brasileiro é um dos mais caros do mundo, sendo o Brasil o país que mais despende com gastos judiciais se comparado aos sistemas judiciários dos demais países membros da OCDE.

O país, de acordo com pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, gasta 1,35% do Produto Interno Bruto (PIB) para manter seu sistema judicial, enquanto que os Estados Unidos despendem 0,14%; Itália, 0,19% e Alemanha, 0,32%. O Judiciário também carece de legitimidade ou da necessária capacidade institucional sobre a matéria orçamentária. Portanto, impedir drásticos e injustificados cortes na proposta orçamentária do Judiciário requer propostas mais refinadas.

Nos Estados Unidos, a “doutrina dos poderes implícitos é arma promissora tanto para assegurar às cortes uma posição de independência financeira quanto para abrigá-las do normal processo orçamentário”. A doutrina, de acordo com G. Gregg Webb and Keith E. Whittington:

Autoriza que as cortes adotem as ações necessárias para cumprir suas funções, mesmo quando tais ações não estejam especificamente autorizadas tanto pelo texto constitucional quanto pela legislação.

Poder judicial implícito funciona como uma implícita cláusula “necessária e adequada” para a constituição de um judiciário como um poder independente e igual. É nessa forma mais muscular, como uma positiva salvaguarda da independência judicial, que a doutrina dos poderes implícitos tem se estendido às matérias orçamentárias.

Baseada na doutrina, a Philadelphia Court of Common Pleas (Commonwealth ex rel. Carroll v. Tate) ordenou a apropriação de recursos adicionais, em 1971, afirmando que:

“O judiciário deve possuir poderes implícitos para determinar e impor o pagamento das somas de dinheiro que são razoáveis e necessárias para realização de suas responsabilidades compulsórias, de seus poderes e deveres para administrar a justiça.”

Webb and Whittington reconhecem que:

“A doutrina dos poderes implícitos foi desenvolvida para servir de arma defensiva e proteger magistrados da subversão e obstrução perpetrada por outros agentes públicos. Não tem sido tradicionalmente usada para alocar as cortes em posição de independência financeira ou para abrigá-las do normal processo orçamentário.”

Portanto, poderes implícitos não são uma prerrogativa judicial para fazer tudo o quanto seja necessário para habilitar as cortes a realizar seus deveres.

Em Hosford v. State e Folsom v. Wynn, cortes estaduais decidiram que empregar a doutrina dos poderes implícitos depende de uma específica deficiência constitucional produzida por insuficiente financiamento do sistema judicial e na absoluta necessidade. Andrew Yates salienta que:

“A doutrina de poderes implícitos, que atribui poder somente para as situações absolutamente necessárias e requer uma específica violação constitucional, proporcionará aos sistemas judiciais importante caminho para a proteção de cruciais serviços que as cortes propiciam.”

Contudo, uma “doutrina mais racional dos poderes implícitos” é também incompatível com os sistemas constitucionais brasileiro e norte-americano, porque proporcionar ou não os recursos requeridos pelo Judiciário refere-se acima de tudo a uma decisão política e a uma prerrogativa do Legislativo.

O uso dos poderes judiciais implícitos para definir dotações é aparentemente uma decisão arbitrária e caprichosa: isso viola a máxima nemo iudex in causa sua e evita qualquer conveniente revisão de razoabilidade, adequação e proporcionalidade da proposta orçamentária do Judiciário.

O Judiciário conserva uma posição desfavorecida na arena política, contudo resolver esse impasse depende muito de uma deliberação conjunta dos poderes e de uma maior participação (diretamente ou não) do Judiciário e do the will of the people (orçamento participativo) no processo legislativo de definição orçamentária. Essa participação pode ser assegurada por um repertório de mecanismos institucionais de pequena escala – alguns intuitivos e outros mais audaciosos – a fim de aumentar o nível informacional, a legitimidade, a accountability e o consenso no processo orçamentário.

Por exemplo, adotar o corrente orçamento do Poder Judiciário como referência para a definição das dotações dos seguintes anos (rebus sic stantibus clause); realizar revisões e auditorias sobre as dotações propostas (liability clause); requerer uma supermaioria legislativa para desconsiderar a proposta orçamentária do Judiciário (super-majority rule); garantir a um comitê judicial o direito de participar, de forma proposicional, das sessões legislativas relativas às dotações judiciais (second-opinion clause) e permitir membros da comunidade a decidir diretamente sobre alguns aspectos orçamentários (participatory clause), são algumas propostas que podem servir de um bom começo.

Antonio Sepulveda é doutorando em Direito/UERJ.

Carlos Bolonha é doutor em Direito.

Igor De Lazari é mestrando em Direito/UFRJ.

Pesquisadores do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições – PPGD/UFRJ.

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Redação

2 Comentários

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  1. os custos….

    Que Justiça? Que Estado? Faccções Criminosas parasitando o Orçamento Público e se financiando nababescamente.  Uma aberração entre a Corte no Poder Público e a Sociedade representada. Mas o pior. Continuaremos a tentar justificar esta farsa que é o atual Estado Brasileiro?

  2. os doutores em direito só

    os doutores em direito só esqueceram de dizer as fontes desse financiamento autônomo? Nem o judiciário, principalmente esse judiciário canalha que temos, tem o direito de jogar a conta no bolso alheio.

    Como justificar diversos penduricalhos aos salários de juízes em um orçamento autônomo e que não leva em consideração a realização de receitas do Estado? 

    Mesmo se os tribunais fossem exímios gestores do erário, ainda sim ficariam condicionados a realização de receita. Não faz sentido um Poder que não arrecada, que não se preocupa com a melhoria de processos e custos e que não tem eficácia de atuação gozar de autonomia para botar no lombo dos outros o seu financiamento.

    Deviam botar os inúmeros servidores ociosos do Judiciário para vender balinha na porta…

     

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