Para Flávio Dino inquérito contra fake news protege independência do Supremo

'Vivemos uma quadra perigosa em que muitos agem como se não houvesse amanhã. Precisamos de menos disputas corporativas. É hora de serenidade e ampla defesa do Estado democrático de Direito', pondera

Jornal GGN – Se trata da independência do judiciário. É nesse contexto que o inquérito instaurado pelo ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli e delegado ao ministro Alexandre de Moraes deve ser analisado e defendido. E não sob a ótica da teoria do direito penal do inimigo, como vem acontecendo. A avaliação é de Flávio Dino, governador reeleito do Maranhão e ex-juiz federal, em artigo publicado neste domingo (21), na Folha de S.Paulo.

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“O inquérito tem amparo em norma vigente [artigo 43 do Regimento Interno do STF] e atende ao imperativo de proteger a independência do Supremo e até a integridade física dos seus membros. Como em todo inquérito, pode haver decisões certas ou equivocadas, mas contra elas há o controle judicial exercido pelo próprio plenário do Supremo”, pondera Dino.

Para ele, a intervenção da procuradoria-geral da República, tentando arquiva o inquérito, teve como base a “doutrina jurídica do clamor das ruas”. O problema desse movimento é o risco de levar para a “fogueira da ‘opinião pública'” pessoas em casos que podem ser resolvidos seguindo os trâmites jurídicos normais.

“Quando concluído, o inquérito poderá resultar em arquivamento. Mas também poderá resultar em ações penais públicas ou mesmo promovidas pelas vítimas mediante queixa subsidiária, assegurada pela Constituição”, explica Dino para quem os fins não pode jamais justificar os meios, se estamos falando de um país democrático.

“Aliás, seria positiva uma melhor reflexão sobre essa regra constitucional: a ação penal pode ser iniciada pela vítima mediante queixa subsidiária, quando o Ministério Público não observar prazos legais. Isso serve para afastar a tese, não amparada pela Constituição, de que o Ministério Público é o senhor absoluto da persecução penal”, completa o governador avaliando que o Brasil vive uma quadra perigosa em sua história.

“Precisamos de menos disputas corporativas. Um Supremo independente e eficiente interessa a todos os brasileiros”, alerta. Leia a seguir o artigo na íntegra.

Inquérito contra fake news visa proteger independência do Supremo

Por Flávio Dino

Após a terrível tragédia de 11 de setembro nos Estados Unidos, teorias do direito penal do inimigo ganharam imenso impulso, inicialmente ao pretexto de combater o terrorismo. Em nome dessa causa, garantias jurídicas só atrapalhariam, o que justificaria um “direito excepcional”.

Não tardou para que outros “inimigos” fossem identificados: narcotráfico, corrupção, imigração ilegal. Legitimadas por causas nobres, tais teorias logo aportaram em terras brasileiras, com forte foco na temática da corrupção.

Não há dúvida de que o combate à corrupção é justo e necessário. No Brasil, avançamos muito nas últimas décadas acerca do tema, tanto no que se refere às leis quanto ao sistema institucional encarregado de executa-las, com destaque ao papel imensamente positivo de órgãos como o Ministério Público.

Entretanto não custa lembrar: remédio mal administrado vira veneno. Por isso, não faltaram alertas de que, no Estado de Direito, os fins não justificam os meios e de que atropelar garantias constitucionais costuma ter maus resultados.

Tais alertas foram ignorados e passamos a ver muitas coisas estranhas. Por exemplo, com base na esquisita “doutrina jurídica do clamor das ruas”, alguns magistrados e procuradores, como se fossem líderes políticos, passaram a fazer apelos ao povo, em vídeos nas redes sociais e até passeatas.

Tais anomalias, vindas da própria comunidade jurídica, acabaram por estimular agressões e intimidações contra ministros do Supremo, mesmo que este não fosse o desejo dos autores dos inusitados vídeos.

Qualquer interpretação jurídica discrepante dos cânones do direito penal do Inimigo passou a ser vista como heresia e coisa de corruptos. Quem não lembra de ameaças até ao saudoso ministro Teori Zavascki, instigadas em criminosas mensagens de redes sociais?

Alguns passaram a gostar de acender a fogueira da “opinião pública”, mesmo que isso aniquilasse um valor constitucional essencial na democracia: a independência judicial.

Considero que é nesse contexto que deve ser analisado o inquérito instaurado pelo ministro Dias Toffolli e delegado ao ministro Alexandre de Moraes, nos termos do artigo 43 do Regimento Interno do STF, que tem vigência como lei processual.

O inquérito tem amparo em norma vigente e atende ao imperativo de proteger a independência do Supremo e até a integridade física dos seus membros. Como em todo inquérito, pode haver decisões certas ou equivocadas, mas contra elas há o controle judicial exercido pelo próprio plenário do Supremo.

Quando concluído, o inquérito poderá resultar em arquivamento. Mas também poderá resultar em ações penais públicas ou mesmo promovidas pelas vítimas mediante queixa subsidiária, assegurada pela Constituição.

Aliás, seria positiva uma melhor reflexão sobre essa regra constitucional: a ação penal pode ser iniciada pela vítima mediante queixa subsidiária, quando o Ministério Público não observa prazos legais. Isso serve para afastar a tese, não amparada pela Constituição, de que o Ministério Público é o senhor absoluto da persecução penal.

Vivemos uma quadra perigosa em que muitos agem como se não houvesse amanhã. Creio que podemos sobreviver se revalorizarmos a nossa Constituição e a democracia. Precisamos de menos disputas corporativas. Um Supremo independente e eficiente interessa a todos os brasileiros.

Penso que o Ministério Público é imprescindível para proteger a independência do Judiciário, colaborando nas investigações contra pessoas que ameaçam fechar o Supremo, assassinar seus integrantes, fazer chantagens, agredir suas famílias e casas. É hora de serenidade e de uma ampla união em defesa do Estado democrático de Direito.

Flávio Dino (PC do B) é governador do Maranhão

Redação

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