PEC 37 é um retrocesso para o Estado Democrático de Direito

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Apesar de vivermos em um país democrático poucos foram os avanços que possibilitaram maior autonomia das instituições estatais. A proposta de emenda constitucional que prevê o poder de investigação criminal de forma privativa à polícia retira, caso aprovada, a autonomia do Ministério Público. Para Roberto Romano, a PEC 37 e outros projetos de lei entram na empresa reacionária, inimiga da ética política.

Leia aqui a íntegra do artigo publicado na Folha de São Paulo:

Roberto Romano: Contra a PEC 37

 

Após o fim oficial do governo ditatorial de 1964, os brasileiros sonharam com
avanços democráticos. Embora a sociedade continue desigual e injusta, a Carta de
1988 abre sendas para avanços institucionais.

Apesar do palimpsesto incoerente em que foi transformada, devido às emendas
constitucionais, lateja na Constituição a ideia de autonomia a ser obtida na
ordem federativa, dos municípios aos Estados. Nas universidades a tese não
vigora, pois ainda são atreladas ao Executivo.

O Ministério Público foi o que mais avançou na conquista da autonomia
responsável. Graças a ele, quem paga impostos acredita ser possível conduzir
ímprobos aos tribunais, fato praticamente inédito em 500 anos de história
política.

As esperanças depositadas na democracia trouxeram resultados importantes,
tanto na legislação quanto no combate ao conúbio entre público e privado.

A lei de improbidade administrativa obriga os que prejudicam os cofres
oficiais a prestar contas aos juízes, recebendo punições significativas. A Lei
da Ficha Limpa ajuda a filtrar as águas partidárias e afasta notórios
aproveitadores da riqueza pública. A lei que define a transparência nas contas,
mesmo com o boicote de muitos setores do poder, aprimora a vida política.

A Comissão da Verdade, apesar dos opositores e dos impacientes, faz um
trabalho sereno de análise factual. Se os campos ideológicos opostos (as
esquerdas e as direitas) permitirem, dela teremos bons resultados em 2014.

Apesar dos óbices, o Brasil segue de maneira lenta rumo à democracia social e
política. Mas não é permitido, para quem estuda os atos dos partidos e líderes
parlamentares, imaginar horizontes límpidos no presente e no futuro.

Cesar Habert Paciornik/Folhapress

A PEC 37, verdadeiro golpe na autonomia do Ministério Público (pois pretende
dele arrancar o direito de investigação) foi seguida pelo projeto de lei que
torna letra morta a legislação contra a improbidade administrativa, além de
ameaçar os promotores públicos. Segue no STF o recurso trazido pelo acusado da
morte de Celso Daniel, exigindo o fim das investigações conduzidas pelo
Ministério Público.

Décadas de combate aos corruptos correm o risco de acabar em decepção das
pessoas retas, com a vitória da impunidade contra a ética, do arbítrio contra a
democracia. É bom recordar que, até 1988, com pequenos intervalos, o país não
passou de uma federação oligárquica.

Durante as ditaduras Vargas e a civil-militar de 1964, os barões regionais se
fortaleceram. O golpe de 64, feito com o slogan da caça à corrupção, abrigou nos
parlamentos regionais e nacional notórios ímprobos que jamais prestaram contas à
Justiça nacional e internacional.

Donos de regiões tiveram vez na elaboração da Carta de 1988, pois não foi
convocada, por “realismo”, uma Assembleia Nacional Constituinte. Os que apoiaram
a ditadura permaneceram (alguns permanecem) no Congresso, tudo fazendo para que
a essência da constituição –a autonomia institucional– seja aniquilada. Eles
desejam que o Estado brasileiro retorne ao “status quo” anterior à democracia.

A PEC 37 e os projetos de lei que ameaçam a autonomia do Ministério Público
entram na empresa reacionária, inimiga da ética política. Tais iniciativas
favorecem a dissimulação política, impedem a marcha rumo à igualdade perante a
lei.

Cabe à cidadania livre se levantar contra os que desejam o império do
arbítrio, negando apoio à PEC 37 e suas congêneres legais. Quem, no Congresso,
tem algum respeito por si mesmo e pela ética erga a voz e o voto contra outro
golpe de Estado, conduzido por adversários da República.

ROBERTO ROMANO, 67, professor titular de ética na
Universidade Estadual de Campinas, é autor de “Brasil, Igreja contra Estado”
(Kayrós, 1979) e “Os Nomes do Ódio” (Perspectiva, 2009), entre outros.

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Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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