A sagração da cultura punitiva no Judiciário, por Pedro Serrano

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Vídeo e edição: Pedro Garbellini
 
Antes de o ministro Gilmar Mendes defender métodos do julgamento do mensalão, o jurista Pedro Serrano adiantou: “Estamos transformando julgamentos em linchamentos”
 
 
Jornal GGN – O ministro Gilmar Mendes utilizou a sessão do Supremo Tribunal Federal desta quarta-feira (23) para defender polêmicos métodos de julgamento do mensalão na Operação Lava Jato, sob o argumento da impunidade, adotando a perspectiva da cultura de punição. Dois dias antes, em entrevista ao GGN, o jurista Pedro Serrano adiantou análise sobre como o Judiciário é pautado pela pressão pública que, por sua vez, é endossada pelos direcionamentos da imprensa.
 
“Estamos transformando os nossos julgamentos que merecem atenção da sociedade em linchamento”, resumiu o professor de Direito Constitucional PUC-SP e autor do recente livro “A Justiça na sociedade do espetáculo”.
 
Durante toda a tarde desta quarta, os ministros do Supremo debateram questões decisivas para os rumos da Operação. Estavam decidindo o desligamento da Lava Jato de processos que não tem relação direta com o esquema de corrupção da Petrobras e o julgamento por instâncias inferiores de pessoas sem foro privilegiado, por não serem parlamentares – esta uma das polêmicas do Mensalão, quando réus não políticos ficaram nas mãos do STF.
 
A maioria dos ministros utilizou interpretações técnicas da Constituição e entendeu que a Lava Jato não pode abraçar todos os esquemas de corrupção, sendo então os casos fora da Petrobras distribuídos a outros juízos. Também analisou que a falta de prerrogativa de foro inviabiliza o julgamento pelo Supremo de não políticos. Ou seja, devem voltar às primeiras instâncias.
 
Gilmar Mendes discordou, sob o pretexto da impunidade. 
 
Afirmou que “o que se quer [com a distribuição do processo, afora a Lava Jato] é beneficiar investigados”. “Não é uma questão neutra ou meramente técnica. O que se quer é a não sequência do processo, não vamos iludir ninguém”.
 
“Não se trata de algo técnico, mas de achar que [o julgamento] não vai ocorrer. Beneficia aqueles que terão esse beneplácito, essa prerrogativa”, criticou Gilmar. “Essa decisão foi muito almejada [pelos investigados]”, insistiu o ministro, completando que “esse benefício” não é “politicamente neutro”.
 
Leia mais: STF esvazia poder de Moro e limita Lava Jato à Petrobras
 
Previamente, em entrevista concedida na terça-feira (22) ao GGN, o especialista em Direito Constitucional Pedro Serrano criticou a atual postura do Judiciário, que “não precisa mais ter reconhecida a correção da sua decisão pelos órgãos superiores de Justiça, ou pela comunidade acadêmica, mas precisa ser reconhecido pelo povo”.
 
Serrano analisou que esse é um reflexo da cultura punitiva atual, diante de um ambiente construído, em grande parte, pelos meios de comunicação, no qual não cabem os direitos constitucionais de ampla defesa e presunção de inocência. 
 
“Uma relação promíscua que têm [os jornais] com os órgãos de apuração, a Polícia e o Ministério Público, [o jornalista] só obtém a informação que lhe dá o furo se fizer concessões ao discurso da acusação. Isso gera a criação de um ambiente social, na relação dos casos midiáticos que atrai a atenção da sociedade, com uma narração acusativa a priori, sem espaço real para a defesa. E acaba condicionando o julgamento”, disse.
 
O especialista explicou que essa visão social da impunidade “cria uma distorção” de que “o problema da segurança vai se resolver prendendo pessoas e uma mentalidade de vingança, vindita irracional, emocional, não com a racionalidade própria de uma sociedade democrática”. 
 
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Ainda nessa relação intrínseca do Judiciário com a mídia, Serrano alertou que “o problema é que esses veículos estão comandando as decisões judiciais”. 
 
Pedro Serrano lembrou como exemplo que a “pressão midiática” foi responsável pela falta de presunção de inocência no julgamento do mensalão. “Antes do mensalão eu já denunciava qual seria o resultado. Exatamente por compreender que há uma produção de corrupção sistêmica entre mídia e judiciário nessas questões”, afirmou. 
 
“O pior é o Judiciário abrir mão da racionalidade própria do Direito, que é do lícito e ilícito, que é o de cumprir a Constituição e as normas jurídicas, em favor de atender opiniões midiáticas com medo. Você não pode viver uma democracia que exija do juiz ser um herói. Isso não existe”, disse o jurista, concluindo que a “mídia ameaça a independência do Judiciário”.
 
[video:https://www.youtube.com/watch?v=w6CbQf3rz7Y&feature=youtu.be height:394
 
Leia também: Pedro Serrano: “Judiciário se construindo como agente de Exceção”
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

12 Comentários

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  1. Não é interessante que Gilmar

    Não é interessante que Gilmar Mendes tenha votado CONTRA a abertura de ação penal no STF para o mensalão tucano?

    Não é interessante que Gilmar Mendes tenha votado A FAVOR do envio da ação penal do mensalão tucano para a primeira instância em MG?

    É esse o juíz preocupado com a impunidade?

    1. Ele é muito óbvio

      O gilmar dantas é garantista para os comparsas, como dantas, abdelmassih, tucanos bandidos e demais canalhas! 

      Para o PT ele é o inquisidor, o justiceiro da mídia bandida e corrupta que reescreve diariamente a história. Tem que prender! Se não tem provas, usa o Dominio do Fato sem provas! 

      Tem duas caras e nenhuma presta!

  2. Caldo grosso

    Está formado o caldo de cultura para a regulação da mídia. Falta um governo bem avaliado, respaldado pela sociedade, para levar adiante esta medida civilizatória.

    1. Assim como foi com a

      Assim como foi com a escravidão e com a República, o Brasil vai ser o último a dar fim aos privilégios de comunicação. E olhe lá!

  3. Gilmar sempre nos surpreende

    Gilmar sempre nos surpreende com seus arroubos. No mensalão ele seguiu a regra ditada pelo Procurador Gurgel e o Presidente Joaquim Barbosa, aceitando sem ressalva o não desmembramento do processo, visto que estava em jogo destruir Lula e o PT, e nenhum lugar ajudaria mais à visibilidade deles dois do que o Supremo. Lewandowski foi quase humilhado por pensar diferente. Em seguida, com relação ao outro processo do mesalão tucano, o próprio Gilmar entendeu ser da alçada da Pimeira Instância o julgamento, quando, talvez por aconselhamento dele mesmo, Azeredo pediu a renúncia, tendo todos eles, implicados nas denúncias, a certeza da impunicade, como já sabemos.

    Só pra contariar, em caso semelhante, quer o mesmo ministro que uma senadora, sequer suspeita de envolvimento com a investigação na operação Lava Jato, se submeta ao regime de Moro, e não ao STF, que é o órgão indicado para seu julgamento, se ela gosa de foro privilegiado. Não pode, não deve, só porque é do PT. 

    Esse ódio de Gilmar contra o PT, e essa sua necessidade de descambar da posição de um juiz do STF para um garoto de propaganda de campanha eleitoral tem nos dado uma dor no estômago. E a gente quer saber se um juiz não tem limites para as suas ações. Podemos pensar no impeachment de Dilma, na cassação de registro do PT, mas o que pensar sobre essa conduta infame, desrespeitosa, indecente, do Sr. Gilmar Mendes?

  4. O cérebro por trás do

    O cérebro por trás do processo do Mensalão do PT era o Gilmar Mendes, no que pese discussões públicas entre ele e o ministro Joaquim Barbosa. Suspeitava disso o tempo todo, quando via os dois entrando juntos no plenário, não raro confabulando sobre alguma coisa dos alfarrábios que traziam. E depois que o ministro Joaquim se retirou para a aposentadoria, e que do próprio STF emanaram informações de que ele não era bamba no direito e não raro era ajudado pelos colegas em minúcias triviais dos processos a seu cargo, então fiquei mais consciente ainda de que o mensalão era obra de Gilmar Mendes. Isso, apesar do estilo do relato parecer obra de algum grande jornalista que fosse membro de uma academia de letras. Inclusive, a teoria do Domínio do Fato, tal como se apresentou, tem um nível de maquiavelismo que só poderia ser engendrado numa cachola privilegiada como a do ministro Gilmar. Tal protagonismo, confere ao Gilmar o peso de quem estaria acima dos próprios pares, e é como ele se sente e é como ele é respeitado pela mídia, a mídia que para ele também está acima do tribunal onde trabalha. Uma pessoa assim não poderá se conformar em ser governada por alguém a quem ela não tenha dado o seu voto e só sossegará quando o país estiver sendo governado por quem ele permita que esteja a governar.  

  5. Nada, isso é só enquanto o PT

    Nada, isso é só enquanto o PT estiver no poder, qual o politico da oposição ou seus apaniguados estão com dificuldades na justiça? Nenhum, pelo contrario, processos estão ás moscas esperando a prescrição chegar; isso tem a mão da invisible hand.

  6. Não tem nada de ” cultura

    Não tem nada de ” cultura punitiva”. Se tivesse, Azeredo tava na cadeia, assim como a turma do helipóptero, do trensalão, do mensalão do DEM, etc. O que se tem é golpe, tribunal de exceção (por seletivo que é).

    Gente, Paulo Maluf está solto até hoje. Já pegaram dinheiro de volta  no exterior, já repatriaram, o processo deve ter uns 20 anos, e ele continua solto e rindo da cara da gente. E ainda vem me falar de cultura punitiva? Só acrescentaram o quarto P, de petista, nos já tradicionais PPP (Preto, Puta e Pobre).

  7. É, prezado capitão do mato….

    …Com esta frase vc acaba de confessar o que ocorreu com o processo do Mensalão Tucano/mineiro:…..Lamentável !!

    ….”Não se trata de algo técnico, mas de achar que [o julgamento] não vai ocorrer. Beneficia aqueles que terão esse beneplácito, essa prerrogativa”, criticou Gilmar. “Essa decisão foi muito almejada [pelos investigados]”, insistiu o ministro, completando que “esse benefício” não é “politicamente neutro”……..

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