Rompimento entre facções foi aviso prévio de rebeliões e massacres, diz especialista

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – A professora de Políticas Públicas Camila Nunes, da Universidade Federal do ABC, disse em entrevista à Rede Brasil Atual que o massacre no presídio de Manaus, o maior desde Carandiru, deveria ser previsível para as autoridades.

Isso porque, no ano passado, as principais facções criminosas já haviam declarado o rompimento de várias alianças estaduais por conta de disputas pelo comando do tráfico de drogas.

Em Manaus, 56 presos foram mortos após uma rebelião. A polícia investiga se houve ordem para a matança de pessoas ligadas ao PCC por membros da Família do Norte, a terceira maior facção nacional, ligada ao Comando Vermelho.

Pesquisadora alerta que novas matanças podem ocorrer em outros presídios

Da RBA

A carnificina no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, resultado de uma rebelião terminada ontem (2), não deve ser apontada como uma surpresa pelas autoridades brasileiras. Ao contrário, era até previsível, como afirma a professora de Políticas Públicas Camila Nunes Dias, da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Segundo ela, o episódio já estava anunciado desde meados de 2016, quando houve a ruptura e uma espécie de declaração de guerra entre as duas principais facções do Brasil – o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC). “E isso já provocou rebeliões em outros estados do Norte e Nordeste, com um número elevado de mortes”, disse ela, em entrevista ao portal Deutsche Welle.

No caso da rebelião de Manaus, a revolta foi a resposta da facção Família do Norte (FDN) contra integrantes do PCC. Na capital amazonense, o grupo local é hoje aliado do CV. A ruptura entre PCC e CV tem origem na disputa pelo controle do tráfico nas regiões Norte e Nordeste.

“Antes, CV e PCC eram aliados no sentido de atuar juntos em negócios e de conviver nas mesmas unidades prisionais. A ruptura se deu por uma multiplicidade de fatores, de casos pontuais que aconteceram em unidades prisionais no Brasil. Mas, no fundo, ela se deu pela pretensão expansionista dos dois grupos, que passaram a disputar as prisões e os mercados de droga nos estados do Norte e Nordeste há mais ou menos uma década”, afirma Camila Nunes.

A professora, também pesquisadora associada do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), alerta que há reais possibilidades de rebeliões semelhantes acontecerem em breve em outros presídios do país. “É bom frisar que, como as autoridades não fazem nada para mudar esse quadro, acredito que a possibilidade disso acontecer em outras penitenciárias seja muito grande. Ainda mais agora, já que membros do PCC foram mortos, e é muito provável que haja uma tentativa de retaliação. O sistema prisional no Brasil inteiro está tenso desde meados do ano passado, e não tenho dúvidas de que a tensão vai aumentar ainda mais. As autoridades deveriam ser responsabilizadas, já que não foi por falta de aviso.”

Camila afirma que as autoridades não têm controle gerencial sobre os presídios do Brasil, com exceção das unidades federais. Um cenário conhecido, espécie de bomba-relógio pronta para explodir.

“No Brasil inteiro, as prisões estão nas mãos dos presos e, dependendo do contexto local, se houver uma decisão da população carcerária de se rebelar, eles vão fazer isso. Não há nenhuma unidade prisional brasileira, salvo as penitenciárias federais – que são outro modelo –, nas quais as autoridades possam dizer que não tem risco de isso acontecer. Isso porque quem gerencia o cotidiano das unidades prisionais são os presos. Nesse cenário de conflito, os presos que quiserem podem tomar a unidade e promover carnificinas como essa que aconteceu em Manaus.”

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

1 Comentário

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  1. E o pior está por vir…

    Sem discordar em nada do artigo, penso que ele vai ao encontro de algo que venho pensando muito há algum tempo.

    Há, no molde golpista atual, uma despreocupação absoluta com as repercussões sociais de suas ações, seja pela voracidade inepta das hienas há tanto tempo privadas de banquetear-se, seja pela cobrança da parte de quem realmente bancou o neoliberalismo de exceção que se afigura para que os eventos se precipitem. Ora, tal exagero há de trazer reação em algum momento, claro. Porém, não vejo espaço para revoltas e confrontamento ao poder, tão pouco nos moldes da população domesticada que temos por aqui. Este tipo de reação seria facilmente anulável, pela propaganda maciça ou pela violência estatal. Mas não se desmonta uma estrutura social sem que algo aconteça; o que poderia ocorrer?

    Temo que a resposta seja justamente a ocupação do vácuo social por uma categoria que sabe fazer isto e não tem medo, e nem razão para tê-lo, do poder do Estado. A saber, o crime organizado. É sabido que as estruturas criminosas se beneficiam principalmente da ausência do Estado para tentar impor sua hegemonia. Ora, e quando o Estado, mais que ausente, deixa na prática de existir? O Rio de Janeiro já vive um protótipo disto, com o domínio regional disputado por facções que, inclusive, não hesitam em interferir no processo eleitoral ou impor limites à ação judicial. Começo a perguntar aos meus botões quando as nossas estruturas criminosas vão tornar-se grandes o suficiente para não caber mais na delinquência primitiva do tráfico fornecedor-cliente, e vão começar a tentar impor domínio social e político da população, a exemplo dos demais cartéis da América Latina.

    Será que estamos vendo isto iniciar-se com uma guerra nacional pelo tráfico? Será que o próximo passo será a extrapolação da guerra dos presídios para a arregimentação forçada dos cidadãos em geral? Veremos pessoas terem de abandonar seus lugares pelo medo de serem “engajados” a uma facção ou morrer por haver recusado? O triângulo norte da América Central vive um êxodo populacional sem precedentes em tempos de paz (se pode-se dizer assim), graças aos conflitos entre facções, e entre estas e o resquício de Estado nacional, incapaz de vencê-las.

    Espero não viver para ver o Brasil dilacerado por uma violência urbana indizível, que faria tudo o que já conhecemos parecer fichinha. Mas, quanto mais olho ao redor, mais vejo as condições para isto aproximando-se…

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