Sergio Moro condena por dolo eventual em lavagem; especialistas divergem sobre tese

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Sergio Rodas

Do Conjur

O juiz federal Sergio Moro condenou na quinta-feira da semana passada (29/10) Ivan Vernon Gomes Torres Junior, antigo chefe de gabinete do ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE), a cinco anos de prisão por lavagem de dinheiro. O que motivou a sentença foi o fato de o assessor ter disponibilizado a sua conta bancária para que o parlamentar recebesse propina de empreiteiras que visavam a contratos com a Petrobras. Embora não haja provas de que Torres Junior soubesse do esquema, Moro entendeu que ele agiu com dolo eventual ao não se opor ao pedido de seu empregador. Essa tese, no entanto, é polêmica, e gera divergências entre especialistas.

Em sua decisão, o juiz da operação “lava jato” usou o conceito da “cegueira deliberada”, usado no Direito anglo-saxônico para lavagem de dinheiro e que é equiparável ao dolo eventual na tradição da civil law. Segundo esse preceito, aquele que pratica condutas típicas de tal delito, como ocultação ou dissimulação, não exclui o dolo se escolhe permanecer ignorante quanto à origem dos valores quando poderia ter investigado se eles vinham de meios lícitos.  

Para mostrar que a “cegueira deliberada” pode ser aplicada a países do sistema civil law, Moro citou decisão do Supremo Tribunal Espanhol na qual a corte equipara esse conceito ao dolo eventual nos casos de receptação, tráfico de drogas e lavagem. Esse precedente inclusive já foi usado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS) para crimes de contrabando e descaminho, aponta.

Com base nessa construção importada, o juiz federal afirmou que Vernon agiu “pelo menos” com dolo eventual ao permitir que sua conta fosse usada por Corrêa para receber 98 depósitos fracionados e sem origem comprovada, no total de R$ 389,6 mil. De acordo com Moro, o fato de o ex-chefe de gabinete não ter se oposto à apropriação, pelo ex-deputado, dos salários das assessoras Reinasci Cambui de Souza e Vera Lucia Leite Souza Toshiba, mostra que, no mínimo, ele agiu com “indiferença ao crime praticado por seu empregador”.

Contudo, juristas ouvidos pela revista Consultor Jurídico criticam essa interpretação de Sergio Moro. Na visão do ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio, quem cede sua conta para outro receber valores indiscriminados deve ser considerado coautor da lavagem de dinheiro, e não um partícipe que agiu com dolo eventual. Isso porque, a seu ver, é “inimaginável” que alguém disponibilize seus fundos sem saber para que fins eles serão usados.

O criminalista Alberto Zacharias Toron considera “equivocada” a premissa usada pelo juiz paranaense no caso. Em sua opinião, o dolo do agente deve ser direto para configurar o crime de lavagem de dinheiro, e isso se aplica ainda mais ao partícipe. Para fortalecer seu argumento, Toron destacou que, no julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, o STF concluiu que não se caracteriza o delito para fatos ocorridos antes da reforma de 2012 da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998) se não há prova suficiente de que os acusados tinham conhecimento dos crimes antecedentes.

E ele mostra que os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandovski, Marco Aurélio e Gilmar Mendes entenderam na ocasião que, se o prévio conhecimento dos delitos é requisito para a lavagem de dinheiro, esse crime não possui forma dolosa eventual ou culposa.

Já o ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil José Roberto Batochio conta que a responsabilidade penal está ficando cada vez mais vinculada à ideia de que o agente deve ter consciência plena da antijuridicidade de sua conduta, e isso vale ainda mais para a lavagem de dinheiro, que pressupõe a existência de crime antecedente. Por isso, o criminalista opina ser “algo draconiano reconhecer dolo eventual” nesse delito e diz considerar “tecnicamente forçada” a argumentação usada por Moro para condenar Vernon.

Outro lado

Porém, outros advogados não veem problema no fundamento usado pelo juiz federal. A criminalista e professora da Fundação Getúlio Vargas Heloisa Estellita afirmou que não há óbice à configuração de dolo eventual na lavagem de dinheiro. No entanto, ela ressalvou que é preciso haver provas que demonstrem que o acusado assumiu o risco de cometer o crime, e que isso não vale quando houver exigência de especial finalidade, como nas condutas do parágrafo 1º do artigo 1º da lei que tipifica a prática.

O especialista em Direito Penal Econômico Jair Jaloreto também enxerga essa possibilidade, especialmente após a reforma da Lei de Lavagem de Dinheiro de 2012, que suprimiu a exigência de que o partícipe saiba que o dinheiro tem origem criminosa para caracterização do delito. Mesmo assim, ele deixa claro que o princípio da presunção de inocência prevalece sobre todo o resto, e deve proteger os acusados de imputações sem justa causa.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

6 Comentários

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  1. conceito utilizado
    Tenho observado que o conceito que esta valendo mesmo é; para pt e petista a lei ou “qualquer coisa que o valha” – como dizia meu pai- para os demais… deixa pra lá.

    Lá vamos nós ribançeira abaixo.

  2. Caolha

    Quando lhe interessa, “nossa Justissa” vai procurar jurisprudência até lá na Cochinchina…

    Quando não, é incapaz de ver um elefante com led piscando voando a sua frente.

  3. dolo eventual?

    É realmente muito forçada e impertinente a utilização do dolo eventual no caso. Não dá para se assumir o risco de produzir o resultado de um crime de lavagem de dinheiro. Ou se age voluntariamente na obtenção do resultado, ou não. Ao se admitir o dolo eventual, podemos admitir o seu contra ponto: a culpa consciente, onde o resultado era previsto , mas o agente não assumiu o risco, acreditando que o resultado não iria acontecer. Dá para imaginar que alguém não saiba sobre o resultado de um crime de lavagem de dinheiro? O criativo Moro é que age com dolo eventual. Ele assume o risco de fazer besteira.

  4. Grandes orelhas e bons ouvidos…

    Num saguão de aeroporto aguardando um vôo, ouço, no banco de cadeiras logo atrás, dois cidadãos que conversam sem muito pudor.

    Um deles explica ao outro: -se o fdp não topar o nosso negócio a coisa é muito simples: -eu dou um jeito de depositar uma boa  grana na conta dele e ele que se vire.

    Se ele sacar tá fisgado. Se devolver, vamos dizer que foi a pedido dele o depósito.

    Não tem jeito, ele se f..de por a ou por b. 

    Depois vou dar um jeito de vazar isso para a imprensa amiga e ele vira um lazarento qualquer e não enche mais o saco. 

    Sob o sol da Terra Brasilis………

  5. A prevalecer a esdrúxula

    A prevalecer a esdrúxula interpretação de sérgio moro, muitos brasileiros que jamais colaboraram ou usufruíram da lavagem de dinheiro serão condenados por ‘dolo eventual’ se uma conta for utilizada para movimentar dinheiro de origem não declarada. Vou citar uma situação concreta, que já ocorreu comigo. O cidadão possui conta num banco (no meu caso esse banco era o bradesco), pela qual recebe o salário, a aposentadoria,  bolsa, ou movimenta pagamentos e recebimentos da empresa. Em determinada ocasião, ao consultar essa conta, ele se depara com movimentações (depósitos, retiradas e transferênccias) que ele ou qualquer sócio (em caso de conta conjunta) realizou. Digamos que pela conta do cidadão tenham sido feitas dezenas de depósitos, retiradas e transferências, ao longo de certo tempo (digamos 6 meses); sendo esse cidadão uma pessoa que faz o gerenciamento, por meio de contabilidade própria, ele sabe qual deve ser o saldo da conta, já que mantém no escritório ou no computador pessoal as planilhas com depósitos e retiradas; portanto, ele não precisa ficar consultando saldos e extratos da conta, na rede corporativa da instituição financeira ou pela internet.

    Como é do conhecimento dos leitores, há quadrilhas especializadas (envolvendo funcionários de bancos) em extraviar cartões de crédito, em usar contas de clientes para realizar movimentações financeiras suspeitas,  em subtrair pequenos valores de milhares de contas de clientes, etc. Quadrilhas como essas podem muito bem se associar a pessoas que tenham a necessidade de lavar dinheiro e, mediante comissão, podem usar diversas contas de clientes, como meios de passagem, para que ao final, o ‘contratante’ tenha em mãos o dinheiro ‘lavado’, descontada a ‘comissão’. Se prevalecer a esdrúxula interpretação de sérgio moro, todos aqueles que tiveram as contas usadas pela quadrilha poderão ser acusados, denunciados, julgados e condenados por dolo eventual no crime de lavagem de dinheiro.

    No caso concreto de que fui vítima, pela minha conta passaram valores cinco vezes superiores ao que era meu rendimento mensal. Com ex-bancário de boa fé, pensei: algum funcionário cometeu engano e creditou esse dinheiro na minha conta. Era uma sexta-feira e nos dois dias seguintes não haveria expediente bancário. Por curiosidade, consultei o saldo no dia seguinte e o dinheiro que fora depositado já não estava mais na minha conta. Embora eu ainda considerasse a hipótese de engano de um funcionário do banco, comecei a desconfiar e a pensar na possibildade que descrevi no início. Na segunda-feira, fui ao banco e comuniquei o que havia ocorrido. Pedi para falar diretamente com o gerente; ele disse que várias contas daquela agência tinham sido usadas como ‘passagem’  ou ‘laranja’ por uma quadrilha especializada nesse tipo de crime.

    Pelo que descrevi acima é mais do que compreensível a divergência dos profissionais do direito quanto à interpretação dada por sérgio moro, para condenar Ivan Vernon Gomes Torres júnior, por dolo eventual em crime de lavagem de dinheiro. A tentativa do juiz paranaense em tranpor para o Brasil preceitos do direto anglo-saxão, assim como o carácter messiânico que esse juiz e procuradores federais se auto-atribuem, como se imbuídos de uma missão – hipócrita, demagógica e irrealizável – de “livrar o Brasil da corrupção” ou de ‘deslegitimar a política brasileira’ se mostra extremamente perigosa para a frágil democracia brasileira. É bom que os tribunais superiores estejam alerta em relação aos abusos que vem cometendo sérgio moro.

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