STF: a responsabilidade política da omissão, por João Feres Jr

STF: a responsabilidade política da omissão

por João Feres Jr

“Ministra do STF barra ação de advogado contra decisão de Waldir Maranhão”, esse é o título de uma notícia narrando a decisão de Rosa Weber, que segundo intérpretes do comportamento judiciário tem o claro objetivo de manter o Supremo alheio a questões substantivas e comprometido somente com a lisura dos procedimentos do processo político, no momento atual dominado pelo tema do impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Sim, o STF quer se colocar em um lugar que não existe: fora da política. Se é correta a leitura destes analistas, e ela parece até certo ponto estar, esse coletivo de juízes sofre de um caso grave de alucinação ou será outra a afecção?

É sim alucinatória a pretensão de se colocar fora da política. As decisões do Supremo, como as dos outros poderes são imediatamente e irremediavelmente políticas. Claro que o adjetivo “política” tem muitos significados, mas o mais profundo deles é o que diz respeito à preservação ou defesa da república. Em época de normalidade institucional, a distinção entre o procedimental e o substantivo, ainda que nunca totalmente nítida, pode funcionar como modus operandi de um poder que em si não detém a legitimidade de representar a soberania popular. Em época de crise profunda nas instituições, ou seja, em que a república e a Constituição que a sustenta estão sob risco tremendo, todas as ações se tornam políticas.

A chave para entender momentos de crise não está em nenhum manual de direito constitucional, mas sim em um livro de conselhos para príncipe escrito por um fiorentino do século XV, cujo nome era Niccolò Machiavelli. Entre outras coisas, esse político-filósofo nos ensina que não há ato que não seja político quando a preservação da república está em questão. Assim, deixar de agir é o mesmo que agir errado.

Nossos ministros do Supremo, contudo, tomam a omissão da ação como se fosse opção para preservar o que imaginam ser sua função procedimental. Ao fazerem isso dão liberdade para aqueles que politizaram as instituições; que as submeteram a interesses partidários, facciosos ou pessoais. A lista destas omissões é assustadora. Permitiram que Moro, um contumaz violador das garantias constitucionais de seus acusados, espionasse advogados de defesa, e até a presidente e o vice, e divulgasse ilegalmente o produto de escutas ilegais na mídia. Permitiram que membros politizados do poder judiciário barrassem o direito do cidadão Luis Inácio da Silva de se tornar ministro, engavetando sine die o julgamento do recurso contra decisão tão arbitrária. E o pior de tudo, permitiram que Eduardo Cunha, acusado desde dezembro de crimes de corrupção de monta e com clara motivação política, presidisse um processo de impeachment da Presidente da República na Câmara. A irritação do Ministro Teori com o agendamento do julgamento de ação contra Cunha pelo pleno revelou que havia combinação entre os pares de se “sentar em cima” do processo.

As omissões do Supremo incentivaram o caos institucional. Se antes o Procurador Geral da República sustentava uma fachada de austeridade enquanto seus subordinados atuavam de maneira abertamente politizada na Lava Jato, vazando informações sigilosas para a imprensa e postando no Facebook fotos de participação em manifestações antipetistas, agora ele próprio tomou coragem de vir à público chamar um partido político de organização criminosa e de oferecer denúncia contra Dilma e Lula exatamente na semana do julgamento do impeachment no Senado, baseado exclusivamente em delação premiada do réu confesso Delcídio Amaral.

O legislativo federal encontra-se em estágio avançado de desintegração. E o STF tem seu quinhão de responsabilidade nisso. Até o último minuto, Cunha prosseguiu manipulando votações, caçando o direito de voz de seus opositores e o direito de acesso dos cidadãos à chamada Casa do Povo. Sua destituição foi muito tardia para evitar o caos parlamentar. Os partidos estão muito enfraquecidos. Bancadas temáticas (nome brando para o antigo termo facção) se autonomeiam e reclamam autonomia. Quem quer que seja o chefe do executivo no futuro próximo, vai enfrentar custos altíssimos de transação com o Congresso.

Por fim, as omissões do Supremo têm incentivado o ativismo judicial em níveis nunca antes vistos. Qualquer juiz de primeira instância hoje se acha com poderes para brecar decisões que impactam a nação inteira. O caso mais recente da paralização judicial dos serviços do Whatsapp é exemplo do estado vergonhoso em que se encontra nosso judiciário, não porque tenha acontecido, como muitos possam pensar, mas exatamente porque foi rapidamente solucionado. Enquanto isso, o cidadão Lula tem seus direitos negados em primeira instância e essa negação é sustentada por omissão do Supremo. Se não bastasse isso, e contribuindo para a desmoralização geral, o presidente do Supremo ainda é flagrado negociando um aumento polpudo para a categoria judiciária com o próprio Eduardo Cunha, poucos dias antes deste ser apeado do poder.

Mesmo que possamos imaginar que os ministros do Supremo queiram preservar a aparência da instituição, as consequências de suas omissões são tão terríveis que de maneira alguma justificam essa suposta vaidade. Estão sacrificando a essência em nome de tal aparência. Ou melhor, infelizmente, já sacrificaram. Resta-nos esperar que a história lhes reserve o lugar merecido, que reside entre o esquecimento e o escárnio. Para nós, viventes do presente, contudo, isso não é consolo suficiente.   

Redação

18 Comentários

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  1. Os degenerados

    A campanha de detratação dos integrantes do governo, PT e associados foi tão grande e bem sucedida que a “Justiça” pode tratá-los como subespécie e, como tal, não detentora de direitos fundamentais.

    Estão condenados a priori.

    Antes mesmo de concretizar-se o afastamento da Dilma, podemos contemplar o início da campanha do “Brasil lindo e maravilhoso” pipocando na mídia golpista, sobretudo no carro chefe do golpe, a rede Globells.

  2. Lamento por eles…

    Omissão, é afirmação negativa, e pior, é um NÃO COM COMPONENTES DE DESPREZO…

    Lamento por eles…

    Isso se tornará palavras que deveriam ter sido ditas, mas não foram exteriorizadas – se tornarão diálogos internos – INSOLÚVEIS NUM ETERNO DEVIR, EM ETERNO RETORNO…

    Travarão esse diálogo interno, pelo o resto de suas vidas e alem dela…

  3. Omissão? Homem de pouca fé!

    Omissão? Homem de pouca fé!  Verás o demolidor parecer do Ministro Teori ao recurso da AGU. Sairá em 180 dias, logo após a 2ª votação do Senado.

  4. Herói é aquele ou aquela que

    Herói é aquele ou aquela que escolhe fazer a coisa certa, que opta por realizar o que precisa ser feito pelo bem maior  mesmo colocando em risco a própria pessoa. Ninguém é herói porque deseja, a vida coloca pessoas em situações que pedem uma atitude digna. Chegamos à situação limite: ou teremos alguns heróis que enfrentarão a fúria dos barões da mídia, seus paus mandados, os quintas colunas e até a massa ignorante, ou então um bando de pusilânimes que nem de Pilatos merecerão ser chamados, porque foram mais omissos que ele. Não sei, pelo que vimos até agora, acho qmelhor não esperar nada.

  5. Marcelo Rubens Paiva e Saulo Ramos têm toda Razão

    Sobre as instituições e sobre o stf, nunca é demais citar o jornalista e escritor Marcelo Rubens Paiva. Em episódio recente tivemos a seginte cena:

    “O jornalista e escritor Marcelo Rubens Paiva rebateu uma declaração do ministro do Supremo Tribunal Federal José Dias Toffoli, em que ele diz que “alegar que há um golpe em andamento é uma ofensa às instituições brasileiras”.

    “Há um golpe em andamento e as instituições brasileiras são uma merda. Pronto, ofendemos”, postou Marcelo Rubens Paiva no Twitter.”

    Há alguns anos, o jurista Saulo Ramos relatou em livro um episódio envolvendo celso de mello, que foi nomeado para uma cadeira no stf pelo ex-presidente José Sarney. Dada a contundência de Saulo Ramos e os termos que ele usou em relação a celso de mello, tenho o dever de fazer a citação mais detalhada, para que os leitores possam reconstruir o contexto em que os fatos narrados aconteceram.

    ““Entendi que você é um juiz de merda”. Resposta do jurista 

    Saulo Ramos a Celso Mello

    Leiam abaixo o relato do jurista Saulo Ramos, ex-ministro da Justiça, responsável pela nomeação de Celso Mello para o STF no governo José Sarney. Saulo revela que Mello votou depois contra Sarney, que o nomeara, por medo da Folha de S. Paulo. Mello alegou a Saulo que votou contra Sarney porque o ex-presidente da República já tinha votos suficientes, mas que se precisasse, votaria a favor.

    “Terminado seu mandato na Presidência da República, Sarney resolveu candidatar-se a Senador. O PMDB — Partido do Movimento Democrático Brasileiro — negou-lhe a legenda no Maranhão. Candidatou-se pelo Amapá. Houve impugnações fundadas em questão de domicílio, e o caso acabou no Supremo Tribunal Federal.

    Naquele momento, não sei por que, a Suprema Corte estava em meio recesso, e o Ministro Celso de Mello, meu ex-secretário na Consultoria Geral da República, me telefonou:

    — O processo do Presidente será distribuído amanhã. Em Brasília, somente estão por aqui dois ministros: o Marco Aurélio de Mello e eu. Tenho receio de que caia com ele, primo do Presidente Collor. Não sei como vai considerar a questão.

    — O Presidente tem muita fé em Deus. Tudo vai sair bem, mesmo porque a tese jurídica da defesa do Sarney está absolutamente correta.

    Celso de Mello concordou plenamente com a observação, acrescentando ser indiscutível a matéria de fato, isto é, a transferência do domicílio eleitoral no prazo da lei.

    O advogado de Sarney era o Dr. José Guilherme Vilela, ótimo profissional. Fez excelente trabalho e demonstrou a simplicidade da questão: Sarney havia transferido seu domicílio eleitoral no prazo da lei. Simples. O que há para discutir? É público e notório que ele é do Maranhão! Ora, também era público e notório que ele morava em Brasília, onde exercera o cargo de Senador e, nos últimos cinco anos, o de Presidente da República. Desde a faculdade de Direito, a gente aprende que não se pode confundir o domicílio civil com o domicílio eleitoral. E a Constituição de 88, ainda grande desconhecida (como até hoje), não estabelecia nenhum prazo para mudança de domicílio.

    O sistema de sorteio do Supremo fez o processo cair com o Ministro Marco Aurélio, que, no mesmo dia, concedeu medida liminar, mantendo a candidatura de Sarney pelo Amapá.

    Veio o dia do julgamento do mérito pelo plenário. Sarney ganhou, mas o último a votar foi o Ministro Celso de Mello, que votou pela cassação da candidatura do Sarney.

    Deus do céu! O que deu no garoto? Estava preocupado com a distribuição do processo para a apreciação da liminar, afirmando que a concederia em favor da tese de Sarney, e, agora, no mérito, vota contra e fica vencido no plenário. O que aconteceu? Não teve sequer a gentileza, ou habilidade, de dar-se por impedido. Votou contra o Presidente que o nomeara, depois de ter demonstrado grande preocupação com a hipótese de Marco Aurélio ser o relator.

    Apressou-se ele próprio a me telefonar, explicando:

    — Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do Presidente.

    — Claro! O que deu em você?

    — É que a Folha de S. Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação de que o Presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e citou meu nome como um deles. Quando chegou minha vez de votar, o Presidente já estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu. Votei contra para desmentir a Folha de S. Paulo. Mas fique tranqüilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do Presidente.

    Não acreditei no que estava ouvindo. Recusei-me a engolir e perguntei:

    — Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a Folha de S. Paulo noticiou que você votaria a favor?

    — Sim.

    — E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de votar, você, nesse caso, votaria a favor dele?

    — Exatamente. O senhor entendeu?

    — Entendi. Entendi que você é um juiz de merda! Bati o telefone e nunca mais falei com ele.”

    (Saulo Ramos, “Código da Vida”, Ed. Planeta, 8ª reimpressão, 2007)”

     

     

  6. O Brasil passou a ser um país

    O Brasil passou a ser um país inconstitucional. Pois o que está na constituição é a mesma coisa que nada

  7. O Brasil descobriu que não é

    O Brasil descobriu que não é um País,palavras do professor Safatle,ao qual concordo!

    Não é,nunca foi País Democrático vejam só pela Câmara do Deputados que é composta

    por IMENSA MAIORIA de políticos que se elegeram através do quociente partidário!

    É dolorido mas é a verdade,bom,o que importa será o PORVIR se confirmado o Golpe!

    VAALEU GUERREIROS DO GGN,A VIDA É PRA SE LUTAR COM HONRADEZ!!!!

  8. Ministro Barroso: “grande nação ou republiqueta”?

    Há algum tempo o ministro Barroso discursou numa palestra e colocou a questão crucial: o país precisa escolher entre ser uma grande nação ou ser uma republiqueta. Pois bem, com protestos de Norte a Sul, de Leste a Oeste, de juristas, intelectuais, professores, trabalhadores de todas as profissões, sindicatos, movimentos sociais, ou seja a maioria do povo brasileiro está dando uma resposta clara a essa questão: NÃO AO GOLPE E SIM À DEMOCRACIA e portanto manter o caminho em direção a ser uma grande nação.
    Já o STF, até agora pelo menos, tem dado sinais que prefere que sejamos uma republiqueta.

  9. Quando o STF deixa de agir…

    não se trata apenas de agir errado porque a omissão e o acovardamento, ao mesmo tempo que tentam preservar a suposta isenção da instituição,  efetivam-se como tomada de partido e legitimação do golpe.  Pausa democrática (nas palavras de Ayres Britto) , perseguição e julgamento de excessão, violação das garantias individuais do estado de direito são fatos concretos. Somados à ‘pilatéia’, reforçam o estado de anarquia republicana contra a democracia e a Constituição, à medida que o  Supremo, deixando-se usar e como instrumento do jogo, é arma copartícipe da guerra pelo poder e derrubada do governo legitimamente eleito. 

  10. O povo brasileiro, através de

    O povo brasileiro, através de suas instituições, nunca, jamais existiu, somos uma nação esperando por um Estado. Estado esse que sempre esteve nas mãos de meia duzia de reacionários cortesãos brancos.

    1. Somos um país colonizado…

      É assim mesmo o estado e os servidores são omissos e covardes, nós vivemos num país colônia disfarçado de independente.

       

  11. ao não respeitarem a

    ao não respeitarem a constituição nem o direito garantista, tudo é

    e será permitido pelo estado de exceção….

    muito cruel tudo isso….

  12. E alguns ainda teimam

    em dizer que não é golpe. Já imaginaram então se fosse ! Golpe é somente com o exército nas ruas? Mas este golpe atual é mt mais eficiente, pois grande maioria do povo nem percebe, já que desconhecem as leis. Não entendem o exército que se formou c/ generais em todas as instâncias da República e todos os partidos políticos unidos com uma única finalidade e à excessão do PT, PCdoB e uns 2 gatos pingados do PDT, todos contra.

    Eu comecei a sentir algo no ar, quando o PSB iniciou a traição. Eu nem acreditava no que lia s/ as desculpas do presidente do partido s/ a saída do governo. Mas o “avião” em que viajava caiu. O negócio era mais embaixo ou acima, como queiram.

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