Um julgamento deve ser histórico, não histérico, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Um julgamento deve ser histórico, não histérico

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Numa das passagens mais brilhantes de sua obra, Francesco Carnelutti afirma que:

“…Um fato é um pedaço de história: e a história é o caminho que percorrem, desde o nascimento até a morte, os homens e a humanidade. Um pedaço de caminho, pois. Mas de caminho que se fez, não de caminho que se pode fazer. Saber se um fato ocorreu ou não quer dizer voltar atrás. Este voltar atrás é o que se chama fazer história.

Não é um mistério que no processo, e não somente no processo penal, se faz história. Digo: não é um mistério para os juristas, os quais desde há muito tempo puseram nele sua atenção; mas pode surpreender o público em geral, ao qual meu discurso está dirigido. Isto ocorre porque estamos habituados a examinar a história dos povos, que é a grande história; mas existe também a pequena história, a história dos indivíduos; inclusive não existiria aquela sem esta, de igual maneira que não existiria a corda sem os fios que nela estão enrolados. Quando se fala de história, o pensamento se volta para as dificuldades que se apresentam para reconstruir o passado; mas não se se tem em conta a medida, as mesmas dificuldades se devem superar no processo.” (As Misérias do Processo Penal, Francesco Carnelutti, editora Pillares, São Paulo, 2009, p. 61/62).

O historiador também procura o “caminho que se fez, não de caminho que se pode fazer. Como o juiz, o historiador também é:

“…um ‘árbitro’, escolhido por suas qualidades para resolver a questão e impor respeito às decisões tomadas. Como? Investigando. Segundo Sauge, ele pode tão somente criar, pelo discurso, uma situação de enunciação tal que faça os protagonistas atestarem o que se passou, conseguindo fazer ver o que acontecia no momento da disputa. Ele é juiz e não testemunha – e, de modo algum, ele é juiz porque foi testemunha: seu saber não é de modo algum fundado sobre um ver.” (O Espelho de Heródoto, François Hartog, editora UFMG, Minas Gerais, 2014, p. 23)

Os juízes convocados para julgar Lula no dia 24 de janeiro de 2018 não foram e não são testemunhas do fato atribuído ao réu. As convicções pessoais deles sobre crime (tal como ele foi enunciado pela imprensa antes de começar o processo) são irrelevantes. Como historiadores que possuem um saber não fundado sobre o ver os juízes do TRF-4 precisam procurar o caminho que se fez e não aquele que se pode fazer mediante uma prévia convicção fundada em motivações políticas, ideológicas, eleitorais, etc…

Quando o Tribunal se reunir no dia 24/01/2018 Lula será julgado, quando se dissolver um outro julgamento irá começar. A qualidade da decisão, a honestidade e isenção dos julgadores e os critérios utilizados para julgar o réu também serão submetidos ao escrutínio da população. O juiz é o historiador do processo (como disse Carnelutti), mas o historiador do resultado do julgamento será outro. No caso em questão, o TRF-4 será julgado pelo respeitável público.

Para julgar o processo e fazer ver o caminho que percorrido pelo réu para absolve-lo ou condena-lo o TRF-4 terá que analisar a acusação, a defesa, a lei que define a conduta criminosa, a prova e as regras jurídicas que se referem à apreciação da prova.

Lula teria recebido a posse e a propriedade de um imóvel. Portanto, não é possível julgar o processo do Triplex sem levar em conta as regras de direito civil que definem a posse e a propriedade.

Lula morou no imóvel? Não. Ele esteve lá para avaliar se o compraria ou não.

Lula colocou alguém para morar no imóvel em seu nome? Não. A posse do imóvel continuou sendo da construtora.

Lula recebeu a escritura do imóvel? Não. A certidão imobiliária prova que o imóvel está registrado em nome de outro proprietário.

Lula poderia dispor livremente do imóvel? Não. O Triplex foi dado em garantia a CEF pela construtora. Recentemente ele foi penhorado em outro processo.

Um jurista que se debruçar sobre os fatos que serão submetidos a julgamento dia 24/01/2018 irá imediatamente concluir que a sentença de Sérgio Moro pode e deve ser reformada. Os juízes podem ver isso no processo. Mas se quiserem fazer o público ver algo diferente (mantendo a sentença juridicamente absurda), eles irão apenas comprometer a credibilidade da Justiça.

Quando o método empregado para julgar é diverso daquele usado pelo historiador a decisão proferida não tem qualquer credibilidade. O réu não deve ser julgado com base nas convicções ideológicas, partidárias, políticas, eleitorais, etc… do juiz. Ele tem direito a um julgamento imparcial com base nos elementos existentes no processo e mediante a correta aplicação das normas legais universalmente conhecidas.

Caso se apresentem como testemunhas do improvável crime cometido por Lula para seguir um caminho que se pode fazer e não aquele que se fez, os juízes do TRF-4 sairão da história para entrar na infâmia. Isso talvez explique o medo que alguns deles confessaram estar sentindo. Lula está tranquilo, mas os juízes dele se tornaram reféns da histeria irracional que se apodera do criminoso antes dele desferir o golpe fatal que atingirá a vítima e o exporá eternamente ao risco de ser punido.

O crime dos juízes do TRF-4 será esquecido? Poderá ser perdoado? Estas meus caros são as verdadeiras questões que somente a história irá responder. E pouco importa neste caso e a grande imprensa vai ou não apoiar a condenação injusta do réu. O resultado da condenação será desastroso inclusive para os jornalistas. A crença nazista de que a repetição insistente de uma mentira poderia criar verdades provocou a II Guerra Mundial, mas os nazistas não deixaram de sofrer as consequências.  

Fábio de Oliveira Ribeiro

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