Uma justiça bem humorada… e injusta

A desembargadora acostumada a manifestar opiniões políticas controvertidas pela internet diz que um deputado de esquerda deve ser fuzilado. O referido deputado renuncia ao mandato e foge do Brasil porque está com medo de morrer e não aguenta mais ser ameaçado de morte.

A imprensa expôs a desembargadora e exigiu a investigação da conduta dela. Indignada, ela vem a público dizer que estava brincando e criticou o mau humor da esquerda https://www.conjur.com.br/2019-jan-25/sugestao-executar-jean-wyllys-foi-brincadeira-desembargadora. Antes disso, porém, a desembargadora disse estar convicta de que o deputado é culpado por um atentado político que, explorado à exaustão, ajudou a eleger o novo presidente do país https://www.diariodocentrodomundo.com.br/desembargadora-que-atacou-marielle-diz-que-tem-certeza-absoluta-do-envolvimento-de-jean-wyllys-no-atentado-a-bolsonaro/.

A Lei Orgânica da Magistratura exige do membro do Judiciário “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular” (art. 35, VIII da LC 35/79). A CF/88 prescreve expressamente que é vedado aos juízes dedicar-se à atividade partidária (art. 95, parágrafo único, inciso III, da CF/88). O Regimento Interno do Tribunal a que pertence a desembargadora exige dos seus membros fazer um juramento ao tomar posse:

“art. 225 – Os desembargadores tomarão posse  perante o Órgão Especial e, se desejarem, em sessão solene. Ingressando no recinto, acompanhados por 2 (dois) desembargadores, previamente escolhidos, prestarão, em voz alta, o seguinte compromisso:

‘Prometo desempenhar bem e fielmente os deveres do meu cargo, cumprindo e fazendo cumprir a Constituição e as leis, distribuindo Justiça e pugnando sempre pelo seu prestígio e autoridade.’”

O episódio narrado no início é uma síntese perfeita da decadência do Sistema de Justiça brasileiro.

Desembargadores julgam processos no Tribunal. Quando forçados a julgar seus amigos ou inimigos, eles devem se dar por impedidos para garantir a higidez da decisão (todo cidadão tem direito a um julgamento justo proferido por juiz imparcial). Em razão das obrigações impostas aos magistrados pela Lei Orgânica da Magistratura, os desembargadores não devem proferir julgamentos políticos e partidários na internet.

A convicção partidária do julgador nunca deve substituir o livre convencimento racional lastreado na prova que foi produzida nos autos sob o crivo do contraditório. A dignidade do cargo que o desembargador ocupa é incompatível com a prolação informal de “sentenças de morte” ou de “confirmação da culpa antes da produção da prova”.

No caso específico mencionado no início, nunca é demais lembrar que a referida desembargadora é reincidente. Há bem pouco tempo ela acusou a companheira de partido do deputado que foi assassinada a tiros de estar envolvida com o crime organizado. A desembargadora esqueceu as palavras que proferiu em voz alta ao tomar posse no Tribunal? Possível irregular, a incontinência verbal da desembargadora precisa ser colocada dentro do contexto histórico. Em seu benefício, afinal, podemos levantar pelo menos um argumento racional: ela não está sozinha.

“…aquele que viola a lei não consegue jamais recuperar, independentemente da grandeza de suas ações posteriores, aquilo que perdeu ao distanciar-se da virtude.” (Política, Aristóteles, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 243)

A julgar pelo que está ocorrendo desde o julgamento do Mensalão, Aristóteles não tem muitos discípulos no Judiciário brasileiro. Luiz Fux substituiu o princípio da presunção de inocência pelo da culpa presumida ao condenar José Dirceu. Sérgio Moro e o TRF-4 condenaram Lula porque ele não recebeu a posse e a propriedade do Triplex para praticar atos inespecíficos (a Lei pune a prática de ato específico mediante pagamento). Dilma Rousseff foi deposta sem ter cometido crime de responsabilidade, pois o STF se recusou a impedir essa ilegalidade. Nos últimos anos, os abusos judiciais se multiplicaram à exaustão. Por isso citei apenas os casos mais escandalosos e conhecidos.

Entretanto, a subversão total do Sistema de Justiça somente ocorreu pelas mãos dessa desembargadora que expede “sentenças de morte” e “notas de culpa” pela internet. Suponho que em  breve os processos em que essas decisões são proferidas começarão a tramitar formalmente e em segredo no Tribunal, pois ao réu não deve se dar a oportunidade de fugir antes da execução da pena.

 
Fábio de Oliveira Ribeiro

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