Uma visão de cego, por Jânio de Freitas

Uma visão de cego

JANIO DE FREITAS, Folha de S. Paulo

Diz-se que a Justiça é cega, mas, como se vê, mais cegos somos nós em relação a ela

A expectativa é a de que já no decorrer da semana Dilma Rousseff indique o seu escolhido para a vaga deixada por Ayres Britto. A probabilidade corresponde a uma afirmação ligeira, e sem dúvida crítica, feita pela presidente há algum tempo: “O próximo vou indicar ainda mais depressa, para evitar a ação dos lobbies”.

O “ainda mais depressa” referia-se ao prazo tão menor para a indicação do futuro empossado Teori Zavascki, em comparação com a demora até as anteriores indicações de Luiz Fux e Rosa Weber. A diferença entre esses dois decorreu de que, para a escolha de Rosa Weber, a presidente deu prioridade à sua preferência pessoal. Era indicação para a segunda vaga aberta durante seu governo, e custou-lhe críticas por escolher magistrada procedente da Justiça Trabalhista. Mas Rosa Weber é uma revelação de competência, segurança e pronunciamento consciencioso.

Para a indicação à primeira vaga, Dilma Rousseff viveu uma experiência de fato marcante. No Rio e em São Paulo, montaram-se, em favor do nome de Luiz Fux, lobbies talvez sem precedente para uma nomeação ao Supremo Tribunal Federal. Incluíram desde o que há de mais forte em meios de comunicação até integrantes do PT, como já foi noticiado sobre a ação de Antonio Palocci. Em nenhum momento ficou claro se a presidente fez a indicação com prazer ou por força das circunstâncias. Do método, logo se viu que não gostou.

De duas semanas para cá, o nome até ali mais citado pelos especuladores, como preferido por Dilma Rousseff para o lugar de Ayres Britto, foi destronado por outra especulação. É o de Luís Inácio Adams, advogado-geral da União. Passou a ser citado na especulação política como futuro ministro de Relações Institucionais, em lugar de Ideli Salvatti.

Se daria bom integrante do Supremo, é questão que conta com concordâncias e discordâncias em boas quantidades. Não há dúvida, porém, de que nas Relações Institucionais seria uma aposta no escuro absoluto: a pasta é problemática, seu ocupante precisa estar sempre no jogo político mais pesado e, no entanto, Adams não tem experiência política. Isso não nega que apostas acertem às vezes, mas não muitas.

Mais interessante é o que se passa em torno do ministro Joaquim Barbosa. Mesmo em sua legião de entusiastas, e talvez sobretudo nela, nota-se disseminada apreensão com o desempenho dele esperado, ou temido, na presidência do Supremo. O seu desafeto Gilmar Mendes tornou-se um homem silencioso nas sessões do mensalão, desobrigando-se de se dirigir ao relator -acompanhando-o, porém, nos votos duros. Ao presidente não haverá como ficar sem se dirigir, ainda mais por dois anos. Sabe-se o que esperar da mais ligeira faísca. E o ministro Marco Aurélio Mello já avisou que dele nem se precisará esperar.

Mais importante do que os possíveis confrontos no Supremo, que só muito eventualmente podem chegar a algum efeito jurídico ou prático, será a atividade de Joaquim Barbosa no Conselho Nacional de Justiça. As possibilidades intervencionistas ali são fartas, sobre o Judiciário mesmo. E as ideias de Joaquim Barbosa em relação aos problemas e soluções do Judiciário e de seus integrantes são desconhecidas. A não ser quanto a remuneração, cujo aumento já foi por ele pedido a congressistas, na semana passada, em comum com Ayres Britto.

Diz-se que a Justiça é cega, mas, como se vê, mais cegos somos nós em relação a ela.

Luis Nassif

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