Vetos de Ato médico privilegiam profissinais da saúde e procedimentos dos SUS

Jornal GGN – A presidente da República Dilma Roussef sancionou, nesta quinta-feira (11), a Lei 12.842 de 10 de julho de 2013 que regulamenta o exercício da medicina no Brasil. A lei que ficou conhecida como Ato Médico entra em vigor em 60 dias. O texto da lei, que não foi integralmente sancionado pela presidente, foi publicado no Diário Oficial da União já com os vetos presidenciais. Dilma vetou dez dos incisos e parágrafos da norma. Os vetos privilegiaram o trabalho conjunto dos profissionais de saúde e visaram não inviabilizar procedimentos adotados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e por estabelecimentos privados de saúde.

Apesar de ser uma profissão milenar, a profissão de médico não possuía uma regulamentação definitiva na legislação brasileira. De acordo com o texto do projeto de lei o exercício profissional da medicina até agora era regulado por um conjunto de quatro leis ordinárias, um decreto e numerosas resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM), além de um dispositivo constitucional que trata da acumulação de cargos e empregos públicos. (Lei nº 3.268/57, Lei nº 3.268/57/61, Lei nº 3.999/61, Lei nº 9.436/97 e o Decreto nº 44.045/58,além dos Código de Ética Médica, e do Código de Processo Ético-profissional baixados por resolução do CFM). A lei passa unificar a regulamentação do exercício da profissão.

O projeto que deu origem à lei tramitou por quase 11 anos no Congresso Nacional. Os vetos presidenciais foram feitos com base em consulta aos ministérios da Saúde, do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Fazenda e à Secretaria-Geral da Presidência da República.

Diagnóstico Nosológico e prescrição terapêutica

Entre os vetos da presidente está o polêmico inciso I, do artigo 4 º que atribuia apenas aos médicos a possibilidade de diagnósticar  enfermidades. Várias categorias de saúde, como fisioterapeutas, enfermeiros e psicólogos haviam protestado contra esta determinação, por considerarem um retrocesso à saúde. Para a classe médica esta, no entanto, era a essência da lei.

O pronunciamento do veto do inciso ocorreu em função de o texto tornar privativa aos médicos a realização de diagnósticos nosológicos [de enfermidades] e a respectiva prescrição terapêutica [indicação de remédios e tratamentos]. O diagnóstico é a parte de uma consulta médica em que há a identificação de uma eventual doença. Diagnóstico nosológico éa identificação da doença por meio da análise dos sintomas do paciente (a partir de  pesquisas, exames físcos e testes complementares), por meio de associção com aspectos de enfermidades já conhecidas.

Além do veto ao inciso I do artigo 4º da lei, a presidente vetou também o parágrafo 2º do mesmo artigo por uma questão de “coerência”. O inciso atribuía exclusivamente aos médicos o diagnóstico nosológico. Já o parágrafo enumerava os tipos de diagnósticos que não deveriam ser de exclusividade médica. Caso a presidente vetasse apenas o inciso, mas não o parágrafo, abriria margem para interpretações de que o que não é proibido é permitido. Ou seja, uma possível interpretação seria de que o diagnóstico nosológico não aparece, entre os elencados no parágrafo, que podem ser praticados por outras categorias da área de saúde. Logo, se não está no texto da lei, deve ser considerado de exclusividade médica.

Dilma também considerou que a atribuição privativa de tal diagnóstico e da prescrição terapêutica aos médicos poderia colocar em risco políticas públicas como os “programas de prevenção e controle à malária, tuberculose, hanseníase e doenças sexualmente transmissíveis, dentre outros”.  Outro aspecto que a levou aos vetos foi o elevado risco de judicialização da matéria.

Vetos no artigo 4º da Lei

Os vetos aos dispositivos constantes no artigo 4º da Lei, de acordo com a presidente, tiveram como fio condutor não deixar que os procedimentos descritos em incisos e parágrafos desse artigo se transformassem em atribuições exclusivas de médicos. Por um lado, a intenção foi de não restringir a atuação de profissionais de outras categorias de saúde que não a médica. Por outro, de não prejudicar a rotina de procedimentos do SUS. Até mesmo porque, segundo a argumentação da presidente, entre os procedimentos enumerados algus já estariam inclusos na rotina do SUS por meio de regulamentações, por legislação da Organização Mundial da Saúde (OMS) ou mesmo “pelas diretrizes curriculares de diversos cursos de graduação na área de saúde”.

Imprecisões

Dois dos vetos, no entanto, ocorreram em decorrência da ausência de uma definição mais precisa. Os incisos I e II parágrafo 4º do artigo 4º foram vetados dada a imprecisão do termo “procedimentos invasivos”. Por sua vez, o Inciso I do art. 5º foi vetado por ainda não estar claro o conceito do que sejam ‘serviços médicos”.

No primeiro caso, o veto se deu pela possibilidade de a manutenção no texto de lei inviabilizar o trabalho de várias categorias de profissionais de saúde. No segundo, pela definição imprecisa do projeto de lei do que sejam “serviços médicos”, o que gera “insegurança sobre a amplitude de sua aplicação”.

Medidas do Poder Executivo

Em relação às partes vetadas, a Presidente diz que o Poder Executivo apresentará propostas que preservarão a lógica do texto, mas que tentarão melhor conceituar termos e características procedimentais que de alguma forma fundamentaram os vetos.

Redação

1 Comentário

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  1. lei do ato médico

     

    Lei do Ato Médico e a liberação para tortura

     

    É com profunda preocupação médico legal que analiso a supressão, por contrariedade ao interesse público, dos incisos I e II do parágrafo 4º do artigo 4º do Projeto de Lei 268 de 2002, conhecido por Lei do Ato Médico, que dispõe sobre o exercício da medicina.

    São frequentes os achados de lesões tegumentares, abrangidos os tecidos da derme e da epiderme, que vítimas de violência chegam para exame no IML. Várias são as circunstâncias que resultam em lesões físicas, mas particularmente acende a preocupação com as vítimas de violência institucional. O histórico nem tão longínquo do país, nas circunstâncias de risco à integridade nacional, e relatado pelos detentores do poder de hoje, temos relatos de violência institucional praticados naqueles tempos contra os opositores da época.

    Ao não abordar o uso privativo de agentes químicos, abrasivos e físicos, como decorrentes do arsenal terapêutico e cujo domínio deve ter um responsável, o médico, os vetos presidenciais abrem um espaço para o uso indiscriminado de tais agentes para um abominável mal uso destas forças, trazendo ainda mais dificuldades para o trabalho médico legal e a facilitação para a impunidade.

    A presença de lesões físicas, particularmente as produzidas por agentes físicos, apresentando-se com a forma cônica, frequentemente com 1 a 2 milímetros, presença de núcleos vesiculares na epiderme e os achados de lesões em paredes vasculares e de glândulas sudoríparas que aparecem na visão microscópica, atingindo as fibras colágenas e eláticas com depósitos de cálcio, e na epiderme com a presença de ferro ou cobre, compoem o diagnóstico sugestivo de lesão por choque elétrico.

    Certamente que o uso desta prática não faz parte de um estado democrático de direito e que as condições dos agentes estatais, mesmo nas circunstâncias atuais, não envolveria a prática de tortura, mas é certo que em estados de exceção, tais incisos contribuiriam para evidenciar a mal uso ou o uso ilegal destas medidas.

    A supressão dos demais artigos, parágrafos, incisos , respeito e consideração com os médicos do Brasil poderiam ser mais ainda elaborados e contribuiria para que os brasileiros percebam o interesse cruel ocultado nessas supressões.

    Certamente que não recebemos vítimas/agressores provinientes das bases de Guantánamo, Iraque ou Afeganistão, mas o rol de invenções que algozes praticam podem ultrapassar os limites impostos pela prescrição médica, sendo que o uso de enemas, alongamentos e suspensões de indivíduos, uso de garrotes, uso de produtos químicos em áreas sensíveis, poderão ter fins não nosológicos.

    Mas, enfim, a quem interessa que a formulação do diagnóstico nosológico não seja prerrogativa do médico?

     

    JOSÉ RICARDO PEREIRA DE PAULA, MÉDICO LEGISTA.

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