Vigiar e punir – o jornalismo e o corpo dos condenados

Por Sérgio Saraiva

O jornalismo como carrasco.

Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Trata-se do artigo V da Declaração Universal dos Direitos Humanos e também está expresso no inciso III do artigo 5º da Constituição Brasileira de 1988.

No post anterior, tratamos do jornalismo como forma de exercício do poder. E de como esse poder pode se tornar em um poder hipócrita, quanto colocado a serviço de grupos de interesses específicos.

https://jornalggn.com.br/blog/sergio-saraiva/vigiar-e-punir-%E2%80%93-o-jornalismo-e-o-exercicio-do-poder-hipocrita

Aqui, tratamos de como o jornalismo, além de ser exercício de poder, pode ser praticado como parte da execução da pena dos condenados, como parte de sua punição.

Teremos como guias dessa empreitada matérias da nossa grande imprensa a respeito da prisão dos condenados da AP 470 – o mensalão do PT e a obra “Vigiar e punir” de Michel Foucault.

Não é supérfluo, e nunca o será, lembrar que o exercício desse poder hipócrita se recobre de uma camada especial de crueldade quando é exercido em relação a pessoas, a indivíduos, no sentido do quanto a palavra “indivíduo” carrega de impotência e de solidão, de sofrimento e morte.

Quanto à punição do indivíduo pelas forças de coerção da sociedade, o livro “Vigiar e Punir” de Michel Foucault é uma obra seminal. Impossível não fazer uma analogia com o que temos visto na grande imprensa, desde a prisão dos “mensaleiros”.

Prisão, aliás, que foi seletiva. Há já um hiato de mais de quinze dias entre os que estão presos e os outros condenados ainda soltos e nenhuma palavra sobre isso na grande imprensa. O silêncio da imprensa sobre isso é tão eloquente que aparenta traduzir que, para ela, quem importava estar preso já o está, e que se outros condenados nunca começassem a cumprir suas penas, isso seria esquecido em dias.

Mas, afinal, o que tem a ver o “Vigiar e punir” com as posições da nossa grande imprensa em relação à prisão dos condenados do mensalão?

Vamos a isso.

“Vigiar e punir” é um livro difícil de ser lido, não só pela sua redação, mas também por ter de se passar pelo descrito no início do seu primeiro capítulo – “O corpo dos condenados”. Nele, somos apresentados em detalhes ao suplício infringido ao condenado Damiens. Torturado em praça pública, teve a mão cortada, foi queimado com fogo de enxofre e finalmente esquartejado e seus restos incinerados em uma fogueira como pena pelo crime de parricídio. Isso na Amsterdam de 1757. Foucault parte desse ponto para notar que, 50 anos após, a noção de justiça reformada não mais tolerava o suplício físico dos condenados. Seus corpos deveriam ser resguardados do sofrimento no cumprimento da pena que lhes fosse imposta. E a espetacularização do cumprimento dessa pena passa a ser considerada como atentatória a moral pública.

“No fim do século XVIII e começo do XIX, … a melancólica festa de punição vai-se extinguindo. A punição pouco a pouco deixou de ser uma cena. E tudo o que pudesse implicar de espetáculo, desde então, terá um cunho negativo; …ficou a suspeita de que tal rito, que dava um “fecho” ao crime, mantinha com ele afinidades espúrias: igualando-o, …  fazendo o carrasco se parecer com criminoso, os juízes aos assassinos, invertendo no último momento os papéis, fazendo do supliciado um objeto de piedade e de admiração”.

Fácil perceber o grande erro cometido pelo Ministro Joaquim Barbosa na espetaculosa prisão dos condenados do mensalão em um feriado nacional – justamente o dia da proclamação da república. Mais ainda, e principalmente, José Genoíno arrancado da convalescência de uma extensa cirurgia cardíaca e trancafiado em uma cela em regime fechado. O corpo do condenado, outra vez, estava em perigo, em sofrimento.

Como se porta, então, a nossa imprensa? Passa a relativizar o fato. Genoíno é levado a um hospital, de lá para a prisão domiciliar, o Ministro Barbosa providencia uma junta médica escolhida a dedo para um laudo médico do prisioneiro. E a grande imprensa relata em manchete:

O Globo:  “Laudo médico diz que Genoino não precisa ficar em casa e que doença não é grave”

“o procedimento (cirurgia) representou tratamento definitivo da referida condição patológica, encontrando-se o paciente a este respeito em excelente condição clínica atual, sem expectativa em qualquer prazo futuro de eventual insucesso cirúrgico ou complicação, resguardado o controle adequado permanente dos fatores de risco (hipertensão arterial, dislipidemia), em que pese a maior morbi-mortalidade inerente ao agravo”.

A doença não é grave, pronto, o corpo do condenado estava novamente a salvo de sofrimento imposto … “resguardado os fatores de risco e em que pese a maior morbi-mortalidade inerente ao agravo”.

Note-se, aqui, que a intervenção de uma junta médica não é estranha ao “Vigiar e punir”. Lá está:

 “O juiz de nossos dias … não julga mais sozinho. Pequenas justiças e juízes paralelos se multiplicaram em torno do julgamento principal: peritos psiquiátricos ou psicológicos, … fracionam o poder legal de punir; dir-se-á que nenhum deles partilha realmente do direito de julgar; … e principalmente – os peritos – não intervêm antes da sentença para fazer um julgamento, mas para esclarecer a decisão dos juízes. Mas … se eles podem pôr um termo à sua tutela penal, são sem dúvida mecanismos de punição legal que lhes são colocados entre as mãos e deixados à sua apreciação; juízes anexos, mas juízes de todo modo. Pode-se dizer que não há nisso nada de extraordinário …  Mas uma coisa é singular na justiça criminal moderna: se ela se carrega de tantos elementos extrajurídicos, não é para poder qualificá-los juridicamente e integrá-los pouco a pouco no estrito poder de punir; é para evitar que essa operação seja pura e simplesmente uma punição legal; é para escusar o juiz de ser pura e simplesmente aquele que castiga”. 

Apesar de toda a evolução do modelo penal, a punição física ainda está muito presente na nossa psique nacional – “bandido bom é bandido morto” e congêneres a respeito dos direitos humanos aplicados a criminosos. No entanto, ainda que a punição física esteja sub-reptícia no modo como crimes são noticiados na nossa grande imprensa – e não tão velada nos programas “mundo-cão” televisivos, advogá-la em textos jornalísticos, e, principalmente, para os apenados do mensalão, seria absurdo. Então, nossa imprensa se alinhou ao conceito de Foucault:

“Desde então, o escândalo e a luz serão partilhados de outra forma; é a própria condenação que marcará o delinquente com sinal negativo e unívoco: publicidade, portanto, dos debates e da sentença; quanto à execução, ela é como uma vergonha suplementar que a justiça tem vergonha de impor ao condenado; ela guarda distância, tendendo sempre a confiá-la a outros e sob a marca do sigilo. É indecoroso ser passível de punição, mas pouco glorioso punir”.

Destaco: é a própria condenação que marcará o delinquente com sinal negativo e unívoco: publicidade, portanto, dos debates e da sentença; quanto à execução, ela é como uma vergonha suplementar …”.

No dia 23/10/2012, a Folha de São Paulo trazia, na primeira página, uma manchete sóbria sobre a condenação dos réus mais importantes do mensalão – o chamado núcleo político. Sugestiva era a manchete interna a respeito do assunto:

“Supremo condena Dirceu e mais nove por quadrilha”.

“EX-HOMEM FORTE DE LULA É CONDENADO JUNTO COM PETISTAS E OPERADORES DO ESQUEMA – STF COMEÇA HOJE A DEFINIR PENAS”

“Supremo condena Dirceu e mais nove por quadrilha”, parece com – “a seleção brasileira é Neymar e mais dez”. Ato falho? Dirceu é quem interessava condenar?

Mas o uso da publicidade como parte da condenação pode ser melhor percebido na própria Folha do dia seguinte, referindo-se a como a Rede Globo de televisão tratou do assunto:
 

“’JN’ dedica quase 20 minutos a balanço do julgamento

O “Jornal Nacional” da TV Globo, programa jornalístico mais assistido da televisão brasileira, dedicou ontem 18 dos 32 minutos de sua edição a um balanço do julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal.

O telejornal exibiu oito reportagens sobre o tema, contemplando desde o que chamou de “frases memoráveis” proferidas no plenário do STF às rusgas entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, respectivamente relator e revisor do processo na corte.

O segmento mais “quente” do telejornal, dedicado às notícias do dia (debate do tamanho das penas e a decisão de absolver réus de acusações em que houve empate no colegiado) consumiu 3min12s. O restante foi ocupado pelo resumo das 40 sessões de julgamento.”

Há, no entanto, um aspecto, novamente, da psique nacional que destoa do conceito de Foucault – É indecoroso ser passível de punição, mas pouco glorioso punir”.

Em relação ao julgamento do mensalão, nada parece ser mais glorioso que punir, se considerarmos a capa da revista Veja de 10 de outubro de 2012, referindo-se ao juiz relator do processo do mensalão, nas vésperas da condenação citada acima.

Sob uma foto do Ministro Joaquim Barbosa aos 14 anos de idade no “Colégio Estadual Antônio Carlos”, em Paracatu-MG, a chamada grandiloquente – “O MENINO POBRE QUE MUDOU O BRASIL”.

Algo da punição física, porém, ainda persiste no sistema prisional moderno, segundo Foucault:

“O sofrimento físico, a dor do corpo, não são mais os elementos constitutivos da pena. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos. … Porém, castigos como trabalhos forçados ou prisão – privação pura e simples da liberdade – nunca funcionaram sem certos complementos punitivos referentes ao corpo: redução alimentar, privação sexual, expiação física, masmorra. … Na realidade, a prisão, nos seus dispositivos mais explícitos, sempre aplicou certas medidas de sofrimento físico”.

Se não, como explicar esta manchete na Folha Online de 16/11/13 e o detalhado conteúdo sobre a vida na prisão que esperava os condenados do mensalão?

“Condenados do mensalão terão banho frio em prisões de Brasília”

“Os presos do mensalão que chegarão a Brasília neste sábado (16) terão de se adaptar a condições espartanas de acomodação na cadeia. As celas individuais que abrigarão os réus não têm mobília e comportam apenas uma cama, um lavatório e um vaso sanitário. O banho é frio e a comida é servida três vezes ao dia. De acordo com o subsecretário do Sistema Penitenciário (Sesipe), Cláudio Magalhães, as celas têm, em média, seis metros quadrados.

Cabe aos presidiários levar a sua própria roupa de cama e de banho, além das vestimentas. Pelas regras do sistema, todas as roupas têm de ser brancas ou em tons pastéis. Os detentos podem receber visitas de familiares a cada 15 dias. Nessas ocasiões, segundo Magalhães, as famílias podem levar comida para os detentos. Todos os alimentos são inspecionados pelos agentes penitenciários antes de serem entregues.”

Entramos, agora, na parte mais sombria da relação de poder e o suplício do condenado. Foucault nos faz ver que, no modelo penal moderno, o suplício do condenado não acabou, ele mudou de objeto mas ainda faz parte da punição.

“Se não é mais ao corpo que se dirige a punição, em suas formas mais duras, sobre o que, então, se exerce? A resposta dos teóricos  …  é simples, quase evidente. Dir-se-ia inscrita na própria indagação. Pois não é mais o corpo, é a alma.”

O suplício continua sendo parte da punição, porém, agora suplicia-se a alma do condenado. Como os meios de comunicação participaram desse novo modo de infringir sofrimento aos condenados, no caso do mensalão?

Durante todo o processo do mensalão e mesmo depois de preso, José Genoíno foi vítima de escárnio público por bufões travestidos de jornalista. O ponto mais baixo, com certeza, se deu em uma segunda-feira (25/03/2013), quando a TV Bandeirantes levou ao ar o programa CQC onde Genoíno é, durante longos minutos, perseguido pelos corredores da Câmara dos Deputados por um “jornalista” e constrangido por perguntas embaraçosas e de duplo sentido. Não satisfeitos com o constrangimento imposto, e diante do silêncio de Genoíno, os responsáveis pelo programa lançam mão de um ardil. Uma criança que se faz passar pelo sobrinho de um fictício admirador de Genoíno para assim conseguir dele imagens e declarações. O enredo todo é vil e, no entanto, a “vitória” é comemorada às gargalhadas pelo grupo CQC. Havíamos retroagido às humilhações em praça pública da Idade Média, mas o pessoal do CQC argumentava que fazia jornalismo.

Há, contudo, formas mais sutis de se supliciar a alma de um condenado. Destruindo ou desconstruindo sua imagem, por exemplo:

Eliane Cantanhêde na Folha de São Paulo de 17/11/2013 – De Collor a Dirceu.

Comenta as prisões de José Dirceu e Genoíno, reconhece a história de cada um, mas, a certo momento, eis a desconstrução dessa mesma história:

“Joaquim Barbosa, levado por Lula, foi o homem certo na hora certa da história. Negro e da maioria pobre que lota as cadeias, foi a estrela do julgamento que impõe penas e prisões para os da minoria rica, até então impune.”

Trata-se, agora, da vitória do bem contra o mal. Joaquim Barbosa, o negro, representante da maioria pobre encarcerando Dirceu e Genoíno, os representantes da minoria rica (Cantanhêde não usa o termo branca, nem cheirosa) e, até então, impune. Genoíno, que tudo que conseguiu acumular de patrimônio, durante sua vida, foi um sobradinho geminado em um bairro periférico de São Paulo, passa a ser representante dos exploradores dos proletários.

Continuando com o “De Collor a Dirceu” de Cantanhêde:

“Quando o PT entrou no vácuo do PRN, Dirceu aderiu aos métodos de Collor, a vitória subiu à cabeça de Lula e os fins –fossem quais fossem– justificaram todos os meios, tudo poderia acontecer. E aconteceu.

De Collor a Dirceu, uma evolução: só a punição política já não basta.”

Não há como, seriamente, comparar Dirceu a Collor. Até porque, se houve adesão a métodos, foi aos métodos do PSDB de Eduardo Azeredo. Além do que, havia contra Collor sérios indícios de locupletação, Collor foi absolvido pelo STF, por falta de provas. Não foi apresentado qualquer prova ou indício contra Dirceu. Dirceu foi condenado no STF pelo “domínio do fato”. No texto de Cantanhêde, contudo, ambos são indistintos. Note-se, ainda, que em “De Collor a Dirceu”, convenientemente, Cantanhêde não intermedia os governos FHC, nem a privataria tucana, nem a compra de votos para a reeleição.

Fernando Rodrigues na mesma Folha em 23/11/13 – Direitos e Privilégios.

“José Genoino teve um problema cardíaco grave em julho.

Alguém nessas condições deve receber tratamento adequado quando é preso? A resposta sensata é sim. Mas, para o senso comum, ninguém, exceto algum privilegiado, é tratado com a humanidade devida no sistema prisional brasileiro.

Genoino passou mal na quinta-feira devido à pressão alta. Foi para um hospital. Antes, teve tempo suficiente para dar uma entrevista e posar para uma fotografia -material publicado neste fim de semana pela revista “Isto É”. O título da reportagem: “Jamais deixarei a luta política”.

Ontem, telefonei para a assessoria do governo de Brasília. Queria conhecer dados sobre a administração da Papuda. Ou quantos presos por lá têm pressão alta. Não tive resposta.

Esses são os fatos. Fico aqui na torcida pelo pronto restabelecimento de José Genoino. E para que todos os presos da Papuda tenham o mesmo tratamento recebido até agora pelo deputado e ex-presidente do PT.”

Por certo, Genoíno deveria estar simulando a doença para fugir à dureza da prisão. Trata-se de um malandro. De qualquer sorte, é um privilegiado, foi tratado com humanidade. Submetê-lo à desumanidade reinante nas prisões brasileiras seria uma questão se justiça social. Ah, o recurso à demagogia.

Ainda na Folha, Reinaldo Azevedo – 22/11/2013. Puxa-sacos de ladrões!

Alguma dúvida de como são considerados, por ele, os solidários a Genoíno e a Dirceu?

Não vou me ater à diatribe com a qual Reinaldo pretende defender Joaquim Barbosa dos racistas que ele, aliás, não nomina quem sejam. Lembro alguma coisa das opiniões de Azevedo sobre Joaquim Barbosa, antes, deste, assumir a relatoria do mensalão. Tampouco acrescenta algo o seu jogo de palavras: “A doença do petista é real; a construção do mártir é uma farsa”.

Interessa sim o jogo cruel que ele estabelece entre o “de facto” e o “de jure” para se escarnecer com a inevitabilidade do cumprimento da pena, frente ao justo inconformismo dos que se acham injustiçados:

 “No Brasil, não há presos políticos, mas políticos presos. … Se, no entanto, houvesse, a carcereira seria Dilma Rousseff. Ela pode fazer o STF sair com a toga entre as pernas. Basta evocar o inciso 12 do artigo 84 da Constituição: “Compete privativamente ao presidente da República (…) conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”… Indulto já, presidente!”.

Aqui, há pouco o que comentar sobre o suplício imposto à alma dos condenados. Basta aprender com o Evangelho segundo Mateus, onde ele narra os últimos momentos do Cristo crucificado: “E os que passavam blasfemavam dele, meneando as cabeças e dizendo: Tu, que destróis o templo e em três dias o reedificas, salva-te a ti mesmo. Se és Filho de Deus, desce da cruz”.  Mateus 27:39-40.

Voltando a Foucault: “A alma do criminoso não é invocada no tribunal somente para explicar o crime e introduzi-la como um elemento na atribuição jurídica das responsabilidades; se ela é invocada com tanta ênfase, com tanto cuidado de compreensão e tão grande aplicação “científica”, é para julgá-la, ao mesmo tempo que o crime, e fazê-la participar da punição.”

O último lance do suplício da alma do condenado tem uma componente política. Trata-se de isolá-lo da comunidade a que pertencia antes da prisão, negar-lhe a solidariedade, abandoná-lo à solidão. Há algo mais doído para alma que a solidão?

Há três momentos, nos últimos poucos dias, onde essa tentativa de isolamento é praticada em matérias da Folha de São Paulo.

29/11/2013 – “Juízes do DF exigem igualdade entre presos

A Justiça de Brasília determinou ontem que os condenados do mensalão presos no Complexo Penitenciário da Papuda tenham tratamento igual aos demais detentos.

Uma das principais reclamações de familiares de presos foi que os condenados do mensalão -como José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino- receberam visitantes fora do dia estabelecido e que, nos dias de visita, não tiveram de esperar nas longas filas, formadas já na madrugada.

Parte dos condenados do mensalão também recebeu visitas de caravanas de deputados e senadores e do governador Agnelo Queiroz (DF).

Na semana passada, o MPDFT (Ministério Público do Distrito Federal e Territórios) havia criticado o “tratamento diferenciado” dado a internos do DF e recomendado à Secretaria de Segurança Pública que fosse observado o princípio da isonomia.”

Aqui, outra vez, o recurso à demagogia. Haveria um estado de animosidade entre os familiares dos outros presos e os “privilégios” dos “mensaleiros”. Realmente, as condições de recepção dos parentes de prisioneiros parecem ser desumanas, na Penitenciária da Papuda. Ocorre que, pela lógica defendida pela mídia, a pretensa “justiça social” seria rebaixar a condição “mensaleiros” e não melhorar a condição dos outros presos. O que os incomodava era a solidariedade demonstrada a Dirceu e Genoíno, veja o tratamento jocoso dado às visitas de parlamentares e do próprio governador do DF– “caravana”. Em outras matérias, “romaria”. Tratava se de impedir que essa demonstração de solidariedade fosse continuada.

Outro momento interessante foi em relação ao empresário que deu emprego a José Dirceu. Aqui, o recurso não é à demagogia, mas ao constrangimento, ao mesmo “vigiar e punir”. Até esse episódio, o empresário era um ilustre desconhecido, a partir dele:

28/11/2013 – “Emissora de TV do futuro chefe de Dirceu foi beneficiada pela Anatel

O futuro chefe do ex-ministro José Dirceu, o empresário Paulo de Abreu, foi beneficiado nesta semana com uma medida do governo aprovada mesmo contra relatórios elaborados por técnicos.”

Acautele-se todo aquele que de alguma maneira beneficiar os condenados. Terão suas vidas reviradas. Reparem que o destaque é dado ao “futuro chefe de Dirceu”. Um claro caso de favorecimento pelo favor prestado? Não. Vai-se ao texto e está lá:

“Na segunda, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), a pedido do Ministério das Comunicações, permitiu que algumas emissoras mudassem suas antenas para a capital, o que melhora a cobertura dessas TVs em São Paulo e aumenta o potencial de telespectadores.”

“Algumas emissoras”? Quais são as outras? Que importa que existam outras, as outras não são a do “futuro chefe de Dirceu”.

E, finalmente, o terceiro momento na tentativa de isolamento. Aqui, o recurso é inusitado. Recorre-se à estatística. É quase ridículo, se não ridículo mesmo. Lembrem-se do início deste post.

01/12/2013 – “Prisão de condenados pelo mensalão é aprovada por 87% dos adeptos do PT
 

Para 86% dos brasileiros, o presidente do STF agiu bem ao mandar prender os mensaleiros condenados no feriado de 15 de Novembro, dia da Proclamação da República. O mais interessante é quando esse dado é estratificado por preferências partidárias. Entre os simpatizantes do PT, 87% dizem que Barbosa agiu bem ao mandar prender os mensaleiros no feriado”.

Parece haver uns números um tanto estranhos, a porcentagem de aprovação atribuída aos petistas – (87%) é maior que a média (86%) da pesquisa, ou seja, os petistas aprovam quem mandou prender seus companheiros mais do que a população em geral aprova. A Folha explica, foi “empate técnico”. Tampouco a Folha nos informa como distinguiu quem era petista no meio da população consultada. Mas que importa, detalhes. Pobres condenados, nem seus antigos companheiros lhes prestam solidariedade. Ao contrário, dão razão a quem os mandou prender da maneira mais midiática que conseguiu.

Os condenados da AP 470 estão encarcerados, pelo menos, até aqui, os que interessavam estão, e sujeitos, além da privação de liberdade, às privações do sistema carcerário. Receberam multas. Tiveram seus direitos políticos cassados e, provavelmente, nunca mais assumirão um cargo eletivo.  Porém, isso só não basta.

A grande mídia cuidou de que os condenados tivessem suas condenações e penas apregoadas de modo a que não houvesse quem delas não tomasse conhecimento e que isso – a condenação, fosse motivo de vergonha. Não é à toa o uso do pejorativo “mensaleiro”. Foram humilhados em praça pública, tiveram desconstruída sua imagem e buscou-se privá-los de qualquer solidariedade; aliás, onde houvesse, pelo menos, dois níveis de tratamento, o mais baixo deveria ser reservado a eles.

Seria o caso de citarmos Jaucourt: “é um fenômeno inexplicável a extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade”? Não.

Cruel, sem dúvida, mas não bárbaro, muito menos inexplicável, neste caso. Tratamos, aqui, do exercício do poder. Como nos ensinou Foucault:

“O suplício penal não corresponde a qualquer punição corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do poder que pune: não é absolutamente a exasperação de uma justiça que, esquecendo seus princípios, perdesse todo o controle. Nos “excessos” dos suplícios, se investe toda a economia do poder”.

 

Referências:

“Vigiar e Punir” – Michel Foucault – tradução Raquel Ramalhete – 20ª edição – Editora Vozes.

http://oglobo.globo.com/pais/laudo-medico-diz-que-genoino-nao-precisa-ficar-em-casa-que-doenca-nao-grave-10884069#ixzz2mEIsWYeM

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/73562-supremo-condena-dirceu-e-mais-nove-por-quadrilha.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/73771-jn-dedica-quase-20-minutos-a-balanco-do-julgamento.shtml

http://www.biblioteca.itamaraty.gov.br/periodicos/v/veja/veja-o-menino-pobre-que-mudou-o-brasil/image_view_fullscreen

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/11/1372450-condenados-do-mensalao-terao-banho-frio-em-prisoes-de-brasilia.shtml

http://www.youtube.com/watch?v=ijlSiT_2Dak

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/139295-de-collor-a-dirceu.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/140285-direitos-e-privilegios.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/140141-puxa-sacos-de-ladroes.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/141260-juizes-do-df-exigem-igualdade-entre-presos.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/141090-emissora-de-tv-do-futuro-chefe-de-dirceu-foi-beneficiada-pela-anatel.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/12/1379018-acao-de-joaquim-para-prender-mensaleiros-no-feriado-e-aprovada-por-87-dos-adeptos-do-pt.shtml

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