Voto cerceado, por Marcelo Ribeiro Uchôa

Voto cerceado, por Marcelo Ribeiro Uchôa

Decidir se prefere julgar ou legislar é o maior problema do Judiciário brasileiro atualmente. Óbvio que o dilema afeta a aplicação da justiça. Não é fácil aceitar a decisão do STF, do último dia 26, de cancelar, a dez dias das eleições, cerca de 3,5 milhões de títulos de eleitores.

Quando define o direito de voto no art. 14, a Constituição não se refere a título de eleitor, muito menos a biometria, se refere a alistamento eleitoral e idade. Portanto, quem está dentro da idade e alistado eleitoralmente tem direito de votar. Não é razoável supor que alguém que tenha um título de eleitor na mão não esteja eleitoralmente alistado. O princípio mais importante em jogo não era o modelo de cadastramento a permitir a votação, se por papel ou biometria – o título por papel sequer já era necessário para votar, bastando ir-se à seção eleitoral correta, com documento de identificação oficial com foto. O princípio mais importante em discussão era a preservação do direito de voto, expressão maior da soberania popular num regime democrático.

Defender que alguém não possa votar por causa de uma irregularidade incidental é despropositado, inclusive porque é difícil precisar o quanto a população, sobretudo nas localidades mais distantes, teve acesso à informação de recadastramento eleitoral. O problema do Judiciário brasileiro é que ficou mecânico, com interpretações baseadas mais no acessório do que no principal. Existe, efetivamente, mais interesse em legislar do que encontrar a justiça.

É questionável sugerir que o STF tenha agido por motivação política na intenção de atingir uma candidatura específica pelo fato dos eleitores prejudicados serem maciçamente nordestinos. Porém, bem mais grave do que isso é considerar que, por causa de um detalhe, afrontou-se a dignidade cívico-eleitoral de 3,5 milhões de pessoas. Não de quaisquer pessoas, seguramente, as mais pobres, para quem a informação chega com maior dificuldade, ou sequer chega. É prova de que, no Brasil, há duas jurisdições em aplicação, uma que vale para alguns e outra, uma jurisdição de exceção, que vale para outros. Tem sido assim, seletivamente, a aplicação da justiça no país. Hoje, quem tem o direito de voto cerceado são os mais pobres. Amanhã, só o futuro dirá.

Marcelo Uchôa

Advogado e professor Doutor de Direito da UNIFOR

 

Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. A trolha da biometria estava
    A trolha da biometria estava flutuando há tempos…..causando sofrimento em eleitores e no funcionalismo…..

    Ora, políticos são os representantes do povo, deveriam questionar a trolha, ou no mínimo, exercerem o papel para o qual foram eleitos e legislar a respeito, decretando que basta o título de eleitor e um documento de identificação para votar não obstando o DIREITO do cidadão eleitor de exerce-,lo….

    É pedir muito?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador