A resistência e a criatividade estão no(s) miolo(s), por Sebastião Nunes

Foto divulgação da Feira Miolo(s) na Biblioteca Mário de Andrade

A resistência e a criatividade estão no(s) miolo(s)

por Sebastião Nunes

Apesar do horrível e do trágico em que mergulhamos, nem tudo está perdido.

Quando descemos do táxi na porta do hotel em São Paulo, eu e Maria Zélia, minha mulher, demos de cara com um sorriso luminoso que nos esperava.

Era Cecilia Arbolave, uma iluminada garota argentina/paulista que, com João Varella, um iluminado garoto paulistano (imagino), dirigem a editora “Lote 42” e organizavam, pela quinta vez, a Feira Miolo(s), reunindo mais de 150 editoras, artistas e coletivos que, esclarece o folder informativo, “estão repensando o que entendemos como livro impresso. O evento é um convite para descobrir livros, fanzines e impressões espalhados nos diferentes espaços da Biblioteca Mário de Andrade, segunda maior biblioteca pública do País”. Criações, constatei mais tarde, de todos os tamanhos, formatos, estilos, cores e texturas que for possível imaginar.

Um tanto torto e um pouco tonto – eu e Maria Zélia só conseguimos dormir à uma da madrugada do dia anterior depois de uma correria insana desde 5,30 da matina, para, de novo, acordar às 5,30 e perambular por estradas, corredores e nuvens até aterrissar em São Paulo e seguir rumo ao hotel onde Cecília nos esperava.

Nem tudo está perdido, foi o que percebi de cara. E um pouco torto e um tanto tonto, segui em frente, rumo à feérica feira. Não sem antes…

 

COMO TUDO COMEÇOU

Se você passou dos 75 anos poderá entender como funciona o cérebro de um quase oitentão: aos trancos e barrancos, torto e tonto em tempo integral.

Se não passou ou se está longe disso, esqueça: é impossível entender.

Acontece que recebi certo dia uma mensagem de certo Gustavo Piqueira, que eu não conhecia. Fiz o que faço com todas as mensagens via Facebook: deletei.

Dias depois recebi um email – essa ferramenta antiga que ainda uso – do mesmo Gustavo Piqueira. Resumindo: ele queria que eu participasse de um projeto gráfico-literário sobre minha obra que estava preparando.

Email para cá, email para lá, acertamos a parceria. Nesse meio tempo recebi pelo correio um tesouro inesperado e – acima de tudo – inestimável: parte da obra do próprio Piqueira, constituída de livros fantásticos, de uma criatividade quase impossível, quase como, perdoem-me a heresia, se o mundo gráfico-literário fosse de novo criado, a partir do nada, ou seja, a partir de um pós-Gutenberg delirante do século XXI, destruidor furioso de métodos, fórmulas, padrões, critérios e gostos.

Escreverei sobre Gustavo Piqueira e sua obra monumental um dia destes. Por agora basta citar Plínio Martins Filho, um dos maiores editores brasileiros, por 26 anos presidente da Edusp, atual diretor da Ateliê e da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, quando se refere a Piqueira como “meu designer favorito”.

Percebi, de novo, e acima de nossa tragédia atual, que nem tudo está perdido.

 

ENTÃO LÁ ESTAVA EU

Então lá estava eu na Banca Tatuí, uma banca que seria convencional se não abrigasse, mostrasse e vendesse parte da produção da “Lote 42” e de outros editores e autores independentes.

Em seguida, mergulhamos na festa que é a livraria da Lote 42, que atende com hora marcada, um luxo só possível em São Paulo, e que eu chamaria de uma editora sem preconceitos de qualquer tipo, exceto a natural ojeriza pela baixa qualidade.

E depois a Casa Rex, de Gustavo Piqueira, que funciona um andar acima, ou abaixo, ou ao lado, da Lote 42, pois a essa altura eu já estava mais do que tonto e torto.

Lá revi o grande Plínio Martins Filho, com seu olhar tranquilo e sem pressa, quem sabe amparado na certeza de ter feito quase tudo e mais um pouco, com o qual, além de Maria Zélia, Cecilia, João, Gustavo e a moçada da editora almoçamos, quase que ali mesmo, torta de rim, dobradinha à moda e um terceiro prato que não recordo.

A alegria contagiosa dos companheiros me lembrou que, apesar de nossa tragédia recente, nem tudo está perdido: o(s) miolo(s) velarão por nós.

 

ENTÃO LÁ FOMOS NÓS

De noite, conversamos com uns gatos pingados na varanda da biblioteca, mais de duas horas de papo, ladeado por Gustavo e João e sabatinado por Ademir Assunção e Luiz Roberto Guedes, entre outros delirantes curiosos e atentos.

No dia seguinte, brilhou a Feira e suas centenas de expositores e seus milhares de visitantes curiosos e atentos. Para ver fotos, dê um control+clique aqui.

Também notável na Feira Miolo(s) foi encontrar pessoas jovens, todas abaixo dos 30 anos e a maioria abaixo dos 25, interessadas em conhecer meu trabalho.

Sim meus amigos, nem tudo está perdido.

Obrigado, moçada! Vocês salvarão nosso futuro.

Sebastiao Nunes

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