A solução definitiva para vender, permutar ou arrendar o Rio de Janeiro
por Sebastião Nunes
Sérgio Sant’Anna, depois de degustar excelente e atochado baseado, exibiu a expressão típica dos santos e iluminados. Só faltava a auréola.
Ao apagar das luzes do derradeiro capítulo, o mesmo Sérgio solicitara do amigo Sancho Pança que abrisse o embornal de bondades e fizesse circular os alimentos dos deuses entre os amigos. Não se fez de rogado Sancho. De modo que, fartamente e a gosto servidos, espaireciam na eternidade os ex-viventes, contemplando o nada.
Ninguém olhou para o iluminado que, levemente despeitado ante a invejosa indiferença pela sua beatífica figura, pigarreou com força e determinação.
Nada aconteceu. Estava a turma excessivamente chapada. Novo e violento pigarro ressoou nos chapados tímpanos, despertando afinal de extraordinárias visões os até então videntes de maravilhas interiores.
– Qual é? – pronunciou aturdido Adão Ventura que, tendo mamado um litro de boa e saborosa Havana (da velha), recuperou-se da modorra diante do sonoroso pigarro.
– Que que foi? – engrolou Luís Gonzaga Vieira, depois de esvaziar meia dúzia de espumantes cervas.
E assim prosseguiram, ressurgindo do nada eterno, os sábios ex-mortais, sendo o derradeiro a emergir, ainda que nebuloso pelas pajelanças da ayahuasca, Otávio Ramos.
Diante afinal de atenta plateia, declarou um solene Sérgio:
– Tenho a solução definitiva para nossa penúria de soluções. A saber…
REINTRODUZINDO O QUADRÚPEDE
– Questão de ordem! – levantou o indicador Manoel Lobato que, pelo visto, andara acompanhando a CPI da Covid. – Tenho uma dúvida.
– Mas logo agora? – irritou-se o irritável Sérgio. – Não pode deixar pra depois?
– Não, não posso – teimou Lobato. – Trata-se de algo importantíssimo.
– Diga lá, e seja breve – tonitruou o retumbante Sérgio.
– É o seguinte: que tipo de quadrúpede herbívoro é Jair Messias? Jegue? Burro? Cavalo? Zebra?
– Ora, seu Lobato! – enfureceu-se o enfurecível Sérgio. – Desde o princípio concordamos que é um cavalo. Tem rabo de cavalo, orelhas de cavalo, cara de cavalo…
– Cara, não – discordou o ex-quase-veterinário Otávio. – Focinho.
– Focinho de cavalo, caralho de cavalo, patas de cavalo, pelo de cavalo, enfim, tudo aquilo que caracteriza um exemplar do gênero Eqqus, família Equidae, ordem Perissodactyla, ou seja, um mamífero terrestre ungulado, com número ímpar de dedos nas patas, ordem esta que inclui, além dos cavalos, os tapires e os rinocerontes. Claro que chupei do Google. Mas que importância tem isso?
– É que pensei que a gente podia botar uma ou duas corcovas nele e vender como camelo ou dromedário para os beduínos andarilhos.
Foi por essa última declaração que Sérgio percebeu os efeitos do crack na mente até então razoavelmente brilhante do farmacêutico-cronista-advogado. E achou melhor deixar o dito pelo não dito, isto é, passar por cima da desvairada inquirição.
VOLTANDO À SOLUÇÃO DEFINITIVA
Sérgio pigarreou com força. Franziu os sobrolhos. Fungou. Olhou de banda. Só quando percebeu que a plateia se mantinha atenta, decidiu falar. E disse:
– Até agora temos dado voltas em torno do rabo, como se a gente fosse da laia do quadrúpede Bolsonaro.
– Do genocida Bolsonaro – interpolou Adão, o grande mestre das interpolações.
– Tá certo – anuiu Sérgio. – Como se a gente fosse da laia do genocida Jair Messias. Precisamos, porém, passar uma borracha em nossos devaneios e recomeçar do princípio. Da ideia de vender, permutar ou arrendar, por no mínimo 500 anos, o estado do Rio de Janeiro.
– Mas é isso que estamos fazendo! – espantou-se Vieira.
– Não é não – discordou Sérgio. – Nós dividimos o estado em cidades e depois esquartejamos a cidade do Rio em pedaços. Até o último capítulo a discussão era sobre o Pão de Açúcar, e só ele.
– De fato – admitiu Otávio. – E qual é a maravilhosa solução definitiva?
– Pensem comigo. Se vendermos primeiro o Pão de Açúcar, quem depois vai comprar o morro Dona Marta? Se vendermos a praia do Leblon, quem depois vai querer a praia de Ramos? Se vendermos o Rio de Janeiro, começando pelas suas atrações mais valiosas, quem vai comprar São Gonçalo ou Vassouras ou Belford Roxo?
– Entendi – admitiu Lobato, o folclorista. – Se vendemos primeiro a lebre, quem vai comprar o gato?
Sérgio percebeu que o cérebro de Lobato voltara a funcionar. E decidiu expor a ideia que estava matutando, ou melhor, decidiu começar tudo de novo:
– Isso mesmo. A ideia então é vender, permutar ou arrendar, por no mínimo 500 anos, o estado – inteirinho – do Rio de Janeiro. Resta produzir o anúncio.
(No próximo capítulo: do delírio à objetividade.)
Sebastião Nunes é um escritor, editor, artista gráfico e poeta brasileiro.
Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN
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