Alta espionagem na República do Bananão – Capítulo I, por Sebastião Nunes

por Sebastião Nunes

A voz ao telefone tinha um tom ríspido e autoritário, mas não consegui entender muito bem o que dizia. Primeiro, porque eu não estava totalmente acordado; segundo porque empunhava o controle remoto e não o celular. Troquei os aparelhos, emitindo, bem baixinho, um palavrão dos mais cabeludos.

            – Você está me ouvindo? – repetiu a voz, agora de maneira audível. – Eu disse que meu nome é José Serrote, o diplomata.

            Até onde sei, José Serrote é apenas um político que não deu certo, a não ser como ex, pré, pós e quase. Mas talvez tenha sido nomeado cônsul no Alasca.

            – Sei – respondi, segurando um bocejo. – José Serrote, o diplomata. E o que é que tem isso?

            – Você é Sebastunes Nião, o famoso espião polivalente, não é?

            – Sim, talvez eu seja – respondi, bocejando de verdade.

            Olhei meu relógio atômico de pulso. Eram seis e meia da manhã, nem de longe minha melhor hora do dia.

            – Não banque o espertinho, rapaz – disse o diplomata.

            – Desculpe, senhor Serrote, mas há muito deixei de ser um rapaz. Estou velho, cansado e preciso urgentemente de uma xícara de café. Em que posso ajudá-lo?

            – Quero que você espione a reunião ministerial de hoje no Palácio. Entre lá, grave tudo disfarçadamente e depois mande pra mim. Fui claro?

            – Não.

            – Como não?

            – Não sei o suficiente para saber se posso aceitar o caso.

            – Escute aqui, rapaz. Sou José Ser…

            – Pare – interrompi. – Posso ter um ataque histérico. Atenha-se aos fatos. Talvez o senhor precise de algum outro espião. Nunca fui um desses caras da CIA.

            – Escute: minha filha, Verídica Serrote, estará em seu escritório em meia hora. Ela levará todas as informações de que você precisa. Ela é muito eficiente. Espero o mesmo de você. Fui claro?

            – Sou mais eficiente depois de tomar o meu café da manhã. Pode pedir que ela me encontre aqui, no meu esconderijo?

            – Tudo bem. Qual é o endereço?

            Passei o endereço e as indicações de como chegar até meu covil secreto.

            – Tá certo – ele grunhiu. – Mas quero que uma coisa fique bem clara. Nenhum participante da reunião deve perceber nada. Isso é muito importante. Nada pode vazar. Minha filha lhe entregará 250.000 dólares em dinheiro para as despesas miúdas e outros 250.000 dólares relativos a seus serviços. Depois falaremos de bonificações. Espero alto grau de eficiência. E basta de perdermos tempo nessa conversa fiada.

 

ESPIONAGEM A DOMICÍLIO

            Ele desligou e eu rastejei para fora da cama. Tomei um banho, fiz a barba e estava esvaziando minha terceira xícara de café com leite quando soou a campainha.

            – Olá! Sou Verídica Serrote – disse ela, numa voz um tanto cafona, arrastando uma pesada mala de rodinhas.

            – Entre, por favor – e abri a porta, ajudando-a com a mala.

            Ela era bastante atraente. Usava um par de olhos negros acinzentados, que me miravam como se eu tivesse dito algum tipo de sacanagem. Cheirava muito bem. Usava meias transparentes. Olhei-as atentamente.

            – Christian Dior – ela disse, lendo sem dificuldade minha mente. – Jamais uso outra marca. – Sorriu de modo bastante ácido, esvaziou o conteúdo da mala no carpete e me entregou três envelopes de papel manilha, dois grandes, muito grandes, e um pequeno, muito pequeno.

            – Creio que você vai encontrar tudo o que precisa nessas coisas.

            Virou-se e saiu rebolando. Rebolando um pouco demais para o meu gosto.

 

EXAMINANDO O TESOURO

            Levei os envelopes para a mesa da sala e comecei a tarefa de abri-los, bebendo mais uma xícara de café com leite, temperado com algumas gotas de cachaça. Dentro dos dois envelopes grandes encontrei o dinheiro: 2.500 notas usadas de cem dólares em cada um. Nada mau para algumas horas de espionagem, ainda que de alto risco. Caso sobrevivesse, saberia como usá-los.

            Despejei os envelopes grandes no interior do cofre-forte, que tranquei.

            Os objetos do envelope pequeno eram poucos, mas suficientes.

            I) Um celular minúsculo, do tamanho da unha de meu polegar, made in China, com o número de série 007. Imaginei que seria indetectável por qualquer dispositivo e mais poderoso do que qualquer outro já fabricado.

            II) Três comprimidos amarronzados, com pequena caveira preta impressa em cada um. Dissolvi um deles na pia do banheiro e aspirei de longe. O cheiro era de amêndoas amargas. Cianeto de hidrogênio, deduzi, veneno de extrema letalidade se aspirado de perto. Sorri. Era o último refúgio dos espiões, quando apanhados. Não seria o meu caso, é claro. Como sabiam que eu os testaria, mandaram três. Um deles bastava para me levar ao inferno. Esvaziei a pia, deixei escorrer bastante água, e guardei no bolso os outros dois, titular e reserva.

            III) Um envelope tipo sedex, almofadado, previamente endereçado para uma caixa postal em São Paulo. Dentro dele, um curto bilhete me informava que eu deveria usá-lo para devolver o celular logo depois de terminada a gravação.

            Simples e profissional. Não exigiam recibo pela grana nem duvidavam de que eu cumpriria o acordo informal.

            Botei as pernas em cima da mesa, me servi uma dose pura de cachaça, cruzei as mãos na nuca e comecei a planejar meus próximos passos.

            Não tive tempo. Tremenda explosão sacudiu o prédio. Levantei-me de um pulo e olhei pela janela, em direção ao Plano Piloto. Enorme massa de poeira avermelhada cobria a cidade. Meus olhos começaram a arder e a lacrimejar.

            (Continua na próxima semana)

 

NOTAS NECESSÁRIAS

            01) O início deste texto é um pastiche do romance policial “Playback” (1958), de Raymond Chandler.

            02) Não é todo dia que 500.000 dólares chovem na minha horta. Como espião profissional de alto nível, devo fazer jus aos honorários usando procedimentos similares aos dos advogados de bandidos milionários, isto é, evitando qualquer tipo de escrúpulo e, se for o caso, de piedade.

         03) A ilustração é uma colagem sobre nota de 100 dólares, com destaque para os múltiplos olhos espantados de Franklin. Mas espantados por quê?

Sebastiao Nunes

4 Comentários

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    1. Imagem perfeita do que está

      Imagem perfeita do que está acontecendo com o golpe e seus perpetradores. Precisamos de muita atenção e luta  para sabermos o que fazer   quando esta faixa cair.

  1. Protestar nas ruas é preciso, lamentar não é preciso….

    Acordei hoje de manhã e pensei pô estamos sob o signo das SS Moristas. Terrível. Fui às principais portais de notícias UOL e Globo como faço todas as manhãs e nada de notícias políticas a respeito do golpe, nadinha nem mesmo aquelas que destilam ódio contra os partdos de esquerda, de Lula e Dilma. Tudo consumado. O que sei é que em alguns Blogs alternativos ainda lemos as notícias em forma de choro e lamentações, nada mais do que isso. Mesmo a Paulista local símbolo da resistencia ao Moro e suas SS hoje está tristemente vazia. Os heróis verdadeiros aqueles que lá foram e certamente lá voltarão, devem estar preplexos com a covardia da imensa maioria que prefere ficar no aconchego do lar apenas lamentando e ainda gritando : Não Vai Ter Golpe! Assim é fácil, eu mesmo com meus sessentinha deixei minha casa e fui à Paulista desarmado, pacificamente gritando contra esses estado de exceção o qual nos encontramos. Quem sabe já faça partde de algum dossiê das “forças de segurança” e minha foto já faça parte de um arquivo de terrosristas? É bem provável. Meu medo é que Moro me encarcere. Logo eu que nunca pisei numa delegacia na minha vida, pago todos os meus impostos e respeitos as leis.

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