Aparece um guia aloprado para levar os três amigos ao novo mundo de 2084
por Sebastião Nunes
Sérgio Sant’Anna dava pulos de alegria, enquanto Luís Gonzaga Vieira e Manoel Lobato olhavam ressabiados o estapafúrdio guitarrista que tinham pela frente. Pois era um cara cabeludo, vestido à moda hippie, tererês caprichados no cabelo, botinas lustrosas, calças de veludo negro, blusa azul escuro marchetada, fios de ouro em profusão, babados mil e penduricalhos de dar calo no olho.
– Saravá, meusirmão – cumprimentou o recém-chegado. – Tudo im riba?
Vieira e Lobato, que eram escritores calejados, sofridos, eruditos e castiços, torceram os narizes para aquele linguajar destrambelhado.
– Vem, cá, Sérgio – conclamou o velho lobo, enquanto Vieira só espiava de banda, fiscalizando o ignóbil visitante. – Quer me explicar de onde conhece e por que admira tanto esse capiau maluco?
Antes de qualquer explicação, porém, eis que surge, seguindo o guitarrista qual sombra, um cara de pernas mais que tortas, transportando, nas costas, gigantesco farnel de vitualhas variegadas, que eram: anfetamina, cocaína, heroína, ópio, haxixe, LSD em pó, em pasta e líquido, mescalina, curare, GHB, crack, RH-34, ecstasy, cogumelos bravos, poppers, DMT, merla, oxi, uísque, cachaça e vinhos diversos etc.
– Vixi! – estatelou o velho Vieira, abestalhado. – Ora, se não é Garrincha, maior driblador do mundo, que faz-que-vai-mas-não-vai-e-foi, rei das peladas e dos gramados, senhor de nossas alegrias.
Nem bem falou, viram que seguindo o guitarrista e o craque, adentrou o hall de entrada do portão do Paraíso, ciceroneadas pela voz miraculosa e pela cara feia de Janis Joplin, as nove filhas do craque – das quais nenhuma virou mula-sem-cabeça.
O guitarrista arrotou e torceu o nariz.
Lobato arregalou o olho direito.
Vieira coçou a calva, que brilhava.
Sérgio olhou, reolhou, e perguntou:
– Mas, vem cá, meirmão Jimi. Que palhaçada é essa?
EU SOU O SAMBA…
Não era palhaçada.
Jimi, o guitarrista miraculoso, vindo a saber de certo país de samba e futebol, e estando ali de bobeira também à espera, decidiu-se por brincar um pouco, ele que era, o mais das vezes, ou doidão ou triste.
Então, entre seus equivalentes em outras artes maravilhosas, e não disposto a pôr nas costas os tarecos de seu uso cotidiano, convocou de entre a multidão de basbaques que ali esperavam, um de dons extraordinários, um tal Mané. E para que não ficasse de mãos bobas e só a segui-lo bestamente, deu-lhe por incumbência transportar-lhe o farnel de pertences. Sendo que a cachaça vinha por conta do dito Mané, que não vivia sem.
Por que Miss Joplin? De intrometida certamente, aventou Jimi, não sem razão. E por que as molecas? Porque eram, do Mané, a razão de viver, tanto quanto a birita e a bola com que fazia misérias, e bota miséria nisso.
Pois então, como se chamadas à razão de existir, as molecotas puseram-se a dar no pé de samba, gingando as cadeiras, desfraldando as bandeiras, rebolando as bundas, revirando os olhos, contorcendo-se em risos. Tudo isto ao som que se fazia ouvir, ali diante do portão do Paraíso, de cuícas, agogôs, chocalhos, pandeiros, tamborins, caixas, repiques e surdos.
O GUITARRISTA VIRA GUIA
Por estranho que pareça, São Pedro, o Santo Guardião, demudado de durão em boa praça, largou os acintes, desarmou os arcanjos, ressuscitou os imortais-mortais-imortais, e ordenou que todos sambassem e jogassem bola.
Como na porta do Paraíso tudo era possível, milagre ali era mato. Surgiram do nada quaquilhões de guitarras, cuícas, agogôs, chocalhos, pandeiros, tamborins, caixas, repiques e surdos. De graça e sem patrocínio.
Mas você não perde por esperar. Quaquilhões de bolas Nike e Adidas, que ganharam a licitação celestial como patrocinadores oficiais, entupindo o rabo de São Pedro de dólares, foram lançadas no agora Sambódromo, em que o hall de entrada do Paraíso havia se transformado.
E o pau quebrou, no bom sentido. Convidados especiais, foram instalados em cadeiras especiais alguns dos mais odiados personagens da cena mundial, entre mortos e infelizmente ainda vivos, tipo Hitler, Stalin, Mussolini, Franco, Salazar, Putin, Trump, Bolsonaro, Benjamin Netanyahu, Boris Johnson e inúmeros outros canalhas, dos pequenos aos grandes, que não tenho espaço para nomear todos.
Diante daquilo tudo e fervendo de raiva, os três amigos se entreolharam, até que Sérgio fez a pergunta que não queria calar:
– Mas, Jimi, você não está aqui só de bobeira. O que veio fazer de verdade?
Jimi se aplicou, cafungou, mascou, engoliu, bebeu, durante duas ou três horas, servido por Garrincha, que entornava uma birita da boa, até que respondeu:
– Fui incumbido por São Pedro, de levar vocês a 2084, para conhecer a versão atual de 1984. Estão preparados?
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