Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Benditas Cartas de Joaquina, por Maíra Vasconcelos

Escreverei a fôrma da palavra acertada, forma com “^”, vinda dos pés num caminho com letras endireitadas. Mas meu pé esquerdo é torto, aviso. Como seja, estou aprendendo a sair da própria palavra. Escamoteada em. Hoje vou pelo esforço de ajuntadas letras que não são minhas, simplesmente porque o que tenho de melhor ainda não foi escrito. Talvez nunca será, para ser mantida em segredo, sendo esta palavra que nunca a desvelo, e pela esperança de vê-la desinibida: escrevo. Não quero expor a minha melhor escrita!, poderia assim ficar muda. Prossigo na tentativa eterna. Gosto de mudar e renovar, mais cedo tirei um objeto do lugar, e minha mão continua passeando. Por isso hoje escreverei uma crônica, e não serei nenhuma a-crônica, se quero. Estou mudando também a palavra de lugar. Despir-me-ei do prefixo: a. Abandono minha tão estimada negação de reverência pela verdade, serei afirmativamente insustentável, mas dona do espaço exterior do mundo, positiva a explanar.

A história dessa crônica é assim:

Ela nunca mais escreveu cartas. Tal prática sentimental a levou a descobrir o dia da sua morte. Viu o dia certinho, e é esse: 17 de janeiro. Joaquina ficou sábia antes do tempo e chegou adiantada naquilo que era o diálogo com os dias. Depois de saber o seu tal-dia, passou a relacionar-se com a vida de forma certeira. Com a certeza do seu fim. Até seu avô fugia do fato, enquanto ela estava tarimbada. Armava as cartas distraída demais, preparando comida, depois do jantar e até mesmo na mesa do café – fazia feizia fuzia faziava são palavras que inventou sem querer, apenas por gostar de cartas. Passou a não lembrar o que dizia em cada uma. Escrevia desimportando-se consigo mesma. Entregava tudo. Deixava no endereço alheio um pedaço mastigado da sua vida. Desleixada. Descobrindo o corpo eriçado no sereno da madrugada; escrever pressupõe ter essa severidade consigo mesmo. De ficar sem o couro. Da vida faz-se um monte de gado matado para ver secar a pele no fundo do quintal. Ela era muito ingênua para saber que estava caçando a si mesma em cada carta mandada. E tanto caçou até que arrebatou. Thum! A sua vida era mesmo, assim, bravia. A fazenda onde morava era realmente grande, e havia caça de animais, sim!, como também o cultivo do berro dos bezerros e dos porcos. Ela queria contar a todos como era a sua relação com a terra. Sair da terra e alcançar a palavra. Deparou-se com a tirania íntima e nunca mais brincou de cartas. Ficou apenas com a alegria palpável de cada dia, com o berro-berrado dos animais, com o curtir do couro e o jeito de tirar leite da vaca. Esqueceu que algum dia escreveu cartas, e apenas vivia, sabiamente.

E acabou.
 

Amor

-Onde está o amor?
-Ninguém viu.
-Por quê?
-Amor tem preguiça de se gastar.
-Nãããão…
 

O Cravo Brigou com a Rosa

Cravos são cheios de significado, mas cientificamente são denominados: Dianthus Caryophyllus. Na Grécia Antiga, faziam coroas de cravos para representar a fidelidade matrimonial. Será com quantos cravos se faz uma coroa? Desconheço. Outro dia, comprei apenas três cravos: branco, vemrelho e rosa claro. Tinha que ser três para rimar com aquele dia, quando tudo estava coincidido no número três. Regra: três. Os escolhi sem saber que eram cravos, ainda não entendo de flores e plantas e em espanhol se diz clavel. Comprei porque pareceram-me humildemente bonitos, diferente das rosas vermelhas que as vi e estavam espantosamente desabrochadas sem nenhum pudor. 

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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