Como manter na ignorância um país inteirinho – diálogo com dona Coruja Sabichona

Por Sebastião Nunes

Dona Coruja Sabichona, doravante denominada Corjasab, organizou colóquio na República das Bananeiras para discutir assuntos importantes. Foram convidados o presidente interino (Presinter), o chefe da casa civil interino (Checavilint), o ministro da educação interino (Minieducint), o guardião da chave do cofre interino (Guachacoint), o chefe da torcida organizada interino (Cheforgint) e o diretor especial para assuntos estratégicos, políticos e sociais da Rede Bananão de Televisão (Direbetê), além dos aspones sempiternos 01, 02, 03, 04 e 05.

            Assim que chegaram ao Palácio Imperial de Bananópolis, puseram-se os convidados a provar diversos tipos de cachaça em copitos de folha de bananeira-nanica.

            Centro das atenções, dona Corjasab não queria perder tempo e começou:

            – Para que serve um Presinter?

            – Para bem governar o povo, respondeu o próprio Presinter.

            – Para ser ovacionado em praça pública, respondeu o Checavilint.

            – Para deseducar o povo, respondeu o Minieducint.

            – Para receber prefeitos em busca de ajuda, respondeu o Guachacoint.

            – Para recusar pedidos de ajuda de prefeitos, respondeu o Cheforgint.

            – Para desfrutar do poder e compartilhá-lo com os amigos, responderam a uma voz os aspones sempiternos 01, 02, 03, 04 e 05.

            Só o Direbetê ficou mudo. Mudo como um bacalhau.

DIÁLOGO BANANÔNICO

            Não gostou dona Corjasab. Um verdadeiro colóquio não acontece assim, com todos falando e opinando em cascata. É preciso um pouco de ordem no caos. Explicou aos convidados como deveriam se comportar, e recomeçou:

            – Para que serve um Presinter?

            – Para bem governar o povo, respondeu o Presinter.

            – E o que significa bem governar o povo?

            – Tirar com a mão esquerda o que foi dado com a direita.

            – Mas não será preciso também dar-lhe educação?

            – Certamente, quando for impossível deseducar.

            – E, dando-lhe educação, não é necessário dar-lhe a melhor educação possível?

            – Sim, a melhor possível, quando não se contentar com a pior.

            – Para dar-lhe a melhor, não será preciso dar-lhe os melhores professores?

            – Com certeza, não havendo outra saída.

            – Sendo assim, como escolher os melhores professores?

            – Através de concursos públicos.

COMPLICANDO O BANANÓLOGO

            Fez uma pausa dona Corjasab, provou um pouco de cachaça, e recomeçou:

            – Todos os cargos públicos são preenchidos através de concurso?

            – Nem todos, só os cargos desimportantes, respondeu o Presinter.

            – E como são preenchidos os cargos importantes?

            – Por indicação de padrinhos despudoradamente importantes.

            – E quem são esses padrinhos?

            – Políticos de alto escalão, juristas de alto escalão, empresários de alto coturno, enfim, figurões de altíssima extração. Só eles podem indicar.

            – Quer dizer, sem padrinho, só através de concurso público?

            – Exatamente.

            – Isso significa que os apadrinhados não participam de concurso público?

            – Exato, porque concurso público oferece baixa remuneração. Só em alguns casos, para inglês ver, existem concursos que oferecem alta remuneração, mas aí também os apadrinhados passam a perna nos desapadrinhados.

            – Se os professores são escolhidos através de concursos públicos, que oferecem remuneração baixa, como ter os melhores professores?

            – São aprovados os melhores dentre os piores, ou seja, dos que sobraram.

ENFEITANDO A BANANALOGIA

            Calou-se pensativa dona Corjasab. Refletia, os grandes olhos fixos. Moveu a cabeça de lá para cá, examinou atentamente a plateia, e continuou:

            – Sei, os melhores dentre os piores. Mas como se faz essa seleção ao contrário?

            – É muito simples. Os que têm padrinho, os que puderam estudar no exterior, os que vêm de famílias ricas e poderosas, esses ocupam os melhores cargos, em todas as instâncias, sejam públicas ou privadas, como se fosse herança, sendo que muitas vezes é herança mesmo. Para os demais sobra o resto: milhares de cargos inferiores.

            – Então os professores, escolhidos em concurso público, ganham sempre pouco pelo seu trabalho de educador?

            – Isso mesmo, já que não servem para cargos superiores.

            – Não servem ou não tiveram padrinhos?

            – Não servem porque têm educação de pobre e não tiveram padrinhos.

            – Nesse caso, não é possível proporcionar à população a melhor educação, já que os professores não têm padrinhos?

            – Exato, pois não é possível que milhares de professores tenham padrinhos. Os que têm padrinho são poucos, uma minoria.

            – Assim, professores são apenas profissionais mal remunerados como a maioria da população, incluindo trocadores, balconistas, garis, pedreiros, garçons, operários, ambulantes, secretárias monoglotas, recepcionistas e tantos outros?

            – Exatamente. Os professores estão em um dos mais baixos patamares.

            – Devemos então concluir que os professores responsáveis por educar as crianças na República das Bananas são despreparados e mal remunerados?

            O Presinter olhou para os companheiros de simpósio e respondeu com prazer:

            – Creio que é assim mesmo, sempre foi assim mesmo.

            O Checavilint olhou para os companheiros e respondeu satisfeito:

            – Creio que é assim mesmo, sempre foi assim.

            O Minieducint olhou para os companheiros e respondeu com uma risadinha:

            – Creio que é assim mesmo, sempre foi.

            O Guachacoint olhou para os companheiros e respondeu feliz:

            – Creio que é assim mesmo.

            O Cheforgint olhou para os companheiros e respondeu satisfeito:

            – Creio que é assim.

            O Direbetê olhou para os companheiros e disse com voz doce:

            – Da educação na República das Bananas cuidamos nós.

            Os aspones sempiternos 01, 02, 03, 04 e 05 comemoraram alegremente:

            – Amém!!!

            Dona Corjasab lavou as mãos com sabão de banana em pó, deu por encerrado o simpósio e, voando pesadamente, foi cantar em outra freguesia.

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Ilustração: Retrato de dona Corjasab (óleo de banana-de-são-tomé sobre tela)

Sebastiao Nunes

1 Comentário

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  1. Manter o interino! kkkk

    Para conservar o estado de ignorância, basta manter o governo interino, até torná-lo permanente!

    Assim se confirmam as histórias dos povos com governos provisórios!

    Ah! Registre-se: em sua maioria, golpistas!

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