Da série Biografias Requentadas: Alberto Santos Dumont

Por Sebastiao Nunes

Filho de engenheiro culto e milionário, nasceu na fazenda Cabangu, no estado de Minas Gerais, em 20 de julho de 1873. Estudou em Campinas, Rio de Janeiro e Ouro Preto. Emancipado pelo pai (1891), que lhe deu ainda parte da considerável fortuna, chegou a Paris jovem e rico, sonho de faustos, dom-joões e playboys.

Apaixonou-se, no entanto, pela ideia de voar, como tantos ícaros em tantos séculos, e à paixão dedicou a riqueza, a juventude e as fantasias.

Em 1899, logo após resolver na prática o crucial problema da dirigibilidade dos balões, acidentou-se com o de n0 3 (que murchou, dobrou-se ao meio e se fechou, caindo depois, verticalmente, de 400 metros de altura), tendo morte instantânea. Nenhum jornal parisiense noticiou a tragédia, pois se tornara comum esse tipo de desastre. No Brasil, a imprensa divulgou em poucas linhas o doloroso acontecimento. O pai ordenou que o corpo fosse embalsamado e devolvido à pátria. Enterrou-se o frustrado inventor na mesma fazenda em que vira a luz.

O balão n0 5, construído em 1900, no qual tentava solucionar diversos problemas de estabilidade, chocou-se violentamente contra um prédio no centro da cidade, ficando o jovem cientista horrivelmente queimado. Morreram na tragédia, soterradas sob os escombros, uma jovem mãe e sua filha recém-nascida, que mereceram da frívola imprensa parisiense muito maior destaque do que o infeliz aeronauta, transformado em chaga viva pelas dolorosas feridas, às quais não resistiu, vindo a falecer cinco dias depois. Quando o corpo chegou ao Brasil, recebeu verdadeira consagração post-mortem de nossa imprensa, que não regateou elogios a seu talento, brilhantismo e coragem. Foi sepultado na fazenda de Cabangu, sua terra natal.

Em 1901, ganhou Santos Dumont 50.000 francos de prêmio, após contornar a Torre Eiffel em 29,30 minutos, numa prova em que haviam fracassado 25 balões de vários tipos, em 180 tentativas. Para comemorar o feito, encheu o balão de amigos íntimos, mulheres bonitas e vinhos caros, passando a sobrevoar a cidade até que, embriagado, perdeu o controle do delicado mecanismo, precipitando-se no Sena, onde boa parte daquela juventude alegre morreu afogada. O desditoso inventor só foi resgatado, do fundo lamacento do rio, quatro horas depois. Todos os jornais de Paris dedicaram várias páginas ao jovem cientista e à sua notável carreira. O presidente francês enviou telegrama de pêsames à família enlutada, assim como ministros, intelectuais e diretores de órgãos científicos. Depois de feroz disputa em relação ao corpo, ganhou seu pai o direito de devolvê-lo à pátria. Foi extraordinária a cobertura da imprensa brasileira, que durante toda a semana se dedicou a esmiuçar – desde os mais remotos antepassados até as mínimas anedotas – a vida do genial inventor. A comoção popular, quando aportou o navio que trazia o esquife, foi tão intensa que as autoridades viram-se obrigadas a enviar tropas ao cais. Infelizmente, contra todo o bom senso, a multidão, insuflada por anarquistas, quase destruiu o palanque em que militares, civis e eclesiásticos se preparavam para recepcionar condignamente o corpo. Abriram fogo os soldados, morrendo cerca de 20 pessoas, entre homens, mulheres e crianças. Nada mais se noticiou a partir de então, com o claro objetivo de evitar que o conflito se transformasse em revolta.

Em 1906, já pilotando seu famoso 14-Bis, ganhou Santos Dumont dois importantes prêmios, sem qualquer dificuldade. Para conquistar o primeiro, fez um percurso de 200 metros a seis metros de altura (o regulamento exigia 100 metros a qualquer altura); no segundo, elevou-se a 50 metros, quando o regulamento estabelecia um mínimo de 25. Tornou-se famosíssimo em Paris e em todos os países civilizados. Brasileiros, norte-americanos e franceses passaram a disputar, nos almanaques, nas repartições, nos cafés e nas escolas a primazia do invento (1). Surgiram, da noite para o dia, chapéus, gravatas, colarinhos, botinas e perfumes com o seu nome. Na rua, as mulheres o perseguiam, os homens o bajulavam. Recebia a cada semana milhares de cartas de todo o mundo. Mas o inventor não se mostrava satisfeito, evoluindo, em suas pesquisas, até o Demoiselle, que os franceses chamavam carinhosamente de La Libellule. A partir de 1909, no entanto, e sem que se soubesse a razão, começou a ficar com a mente perturbada, até se enforcar usando uma gravata.

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(1) A maior coleção de cérebros do mundo está no Tokyo Brain Museum, com 132 exemplares, dos quais 95 são humanos. Entre os três cérebros de chimpanzés destaca-se o de Wilfred Z (Wilfred X e Wilfred Y foram macacos medíocres), que aprendeu a dirigir automóveis, fumar charutos, fazer contas de dois dígitos e assinar o nome com perfeição.

Entre os humanos, o destaque é o do político japonês Inejiro Asanuma, assassinado num atentado terrorista. Grande e gordo, ele ergue as mãos como se implorando, curva-se sobre o estômago, os óculos despencando do rosto, pessoas próximas se agitam como baratas tontas – e diante dele o escritor Yukio Mishima, aos 35 anos, empunhando a espada ritual dos samurais, prepara-se, com ar feroz e músculos tensos, para novo golpe contra o já mortalmente ferido adversário, como se vê na página 31 do volume Photojournalism, da Life Library of Photography, em foto de 1960. O enorme cérebro de Asanuma pesa 1,618 kg.           Em seguida, aparece na mostra, mais importante do que muitos outros porque mais antigo e bem conservado, o cérebro do aeronauta Santos Dumont, vindo logo depois o de Orville Wright, outro aviador pioneiro. Espantoso: enquanto o cérebro do primeiro pesa 1,445 kg, o do segundo alcança 1,442 kg, diferença absolutamente desprezível. Segundo o catálogo, talvez essa ínfima porção de matéria cerebral tenha sido responsável pelos dois meses de antecedência com que o brasileiro voou no mais pesado que o ar. Mas é cauteloso, ele, o catálogo: sugere que tal diferença minúscula possa ser devida à poeira acumulada na superfície das circunvoluções cerebrais, esclarecendo, porém, que nenhuma limpeza, mesmo nos mais sofisticados laboratórios japoneses, conseguiu jamais remover, ou mesmo detectar, tal poeira.

Os visitantes, quase todos estrangeiros, costumam ficar largos minutos diante das redomas contendo os cérebros dos primeiros homens que imitaram, com êxito, os pássaros. Dentro delas, sob cúpulas de vidro finíssimo, permanecem incorruptíveis aqueles dois cérebros paradigmáticos do bom desempenho humano, nota 10 nas atividades biológicas superiores, sucesso total entre os contemporâneos de viagem espiritual. Em seu diário, publicado apenas depois de praticado o seppuku, em 1970, Mishima anotou uma visita ao museu, cinco anos após o mortal atentado, escrevendo esta mensagem enigmática: “Fiz uma reverência diante do cérebro de Asanuma; cuspi nos cérebros dos aviadores”.

Sebastiao Nunes

9 Comentários

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  1. Se beber, não leia…

    Tomei duas caipiroskas antes de ler este texto e acho que à noite, sóbrio, tentarei lê-lo novamente pra ver se faz sentido…

    1. Por que o narrador insiste em pronunciar errado o nome de Dumont

      A pronúncia em protuguês é DU e em Francês seria DÛ, jamais DIUMont. Tá ruizinho este vídeo.

  2. Na verdade eu ia beber,

    Na verdade eu ia beber, coloquei no copo, sentei, me interei e continuei lendo, desistir da caipirinha e repousei um poco na cama, mais tarde  bebo e volto a ler.

  3. Fantástico! Estão matando

    Fantástico! Estão matando Santos Dumont até hoje.  Se suicidou, cansado de ser morto aos poucos em vida.

    A Embraer é a nova morte de Santos Dumont…

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