Diante do túmulo materno

Obra de Portinari

Enviado por Felipe A. P. L. Costa

Diante do túmulo materno

por F. Ponce de León, do blogue Poesia contra a guerra

Elegia (do grego, ελεγεία) é um termo usado em alusão a poemas líricos melancólicos, cujo tema é habitualmente a perda de alguém ou de alguma coisa. Ainda que em seus primórdios as elegias adotassem uma métrica particular, tal critério foi deixado de lado e já não tem relevância. O que as caracteriza é o conteúdo, e não a forma (ver ‘A morte do desventurado’, ‘Três sonetos vivos sobre a morte’ e ‘Elegia a um haitiano’).

Dito isso, e aproveitando a semana em que estamos, reproduzo a seguir dois poemas elegíacos tratando de uma mesma situação. As vozes, no entanto, diferem.

A voz do primeiro poema é de alguém mais velho (v. 3, “Este ser usado, batido”), cuja perda teria ocorrido há muito tempo (v. 19, 22-23, “É o mesmo ser a quem deixaste na adolescência”; “A quem não reconhecerias, tão mudado ficou/ Desde que o viste pela última vez”), a ponto de estar agora se conformando com a iminência de ter sua própria sepultura (v. 9, “Este homem no seu outono”).

O segundo poema é menor (21 versos, contra 32 do primeiro), mas muito mais febril. A voz é de alguém mais jovem, inconsolado (v. 6-7 da terceira estrofe, “Que fizeste do teu sangue,/ como foi possível, onde estás?”) e que parece pronto a enfiar as mãos na terra, desenterrando e, quem sabe, restituindo a vida a um corpo ainda não decomposto (v. 6-7 da primeira estrofe, “Em que difere/ a minha da tua carne?”).

Ambos os poemas foram extraídos do blogue Poesia contra a guerra. (Entre parêntesis, ao lado dos títulos, consta o ano de publicação em livro.)

 

Visita ao túmulo materno (1964)

Augusto Frederico Schmidt (1906-1965)

 

Este homem parecendo distraído

Que está ao pé de teu leito de pedra,

Este ser usado, batido e contraditório,

É a mesma criatura que trouxeste a este mundo

E foi ferida e feriu e foi injustiçada

E praticou injustiças nesta inglória existência.

Este homem inconsciente e incerto,

Discutido e incompreendido,

Este homem no seu outono,

Cujos olhos perderam o brilho e o calor

E se tornaram apagados e tristes,

Este desconhecido que aqui está

E que, por um breve momento, procurou um abrigo junto à tua ausência,

E que, para disfarçar o seu medo

Procura apoiar-se nos seus pobres e terrestres interesses,

Este homem inqualificável, insaciável e insatisfeito

É aquele mesmo filho teu, aquele tonto filho a quem embalastes quando saiu da materna sepultura,

É o mesmo ser a quem deixaste na adolescência

Só o poeta – o que vale dizer duas vezes só.

É o teu filho, o teu filho

A quem não reconhecerias, tão mudado ficou

Desde que o viste pela última vez;

É a tua caixa de ressonância, Mãe, que aqui está,

Convencional e estúpido, com o ar de quem cumpre um dever.

A fronte que se curva, num gesto comum,

Diante de tua lousa, é a mesma fronte

Em que pousaram as tuas inquietas mãos

Para medir as febres da infância.

É o teu filho que desejaria que o embalasses nos teus braços de morta,

Mas não ousa pedir-te, porque é um homem,

Um homem acabado, mas um homem assim mesmo.

*

Mãe que levei à terra (1978)

António Osório (nascido em 1933)

 

Mãe que levei à terra

como me trouxeste no ventre,

que farei destas tuas artérias?

Que medula, placenta,

que lágrimas unem aos teus

estes ossos? Em que difere

a minha da tua carne?

 

Mãe que levei à terra

como me acompanhaste à escola,

o que herdei de ti

além de móveis, pó, detritos

da tua e outras casas extintas?

Porque guardavas

o sopro de teus avós?

 

Mãe que levei à terra

como me trouxeste no ventre,

vejo os teus retratos,

seguro nos teus dezenove anos,

eu não existia, meu Pai já te amava.

Que fizeste do teu sangue,

como foi possível, onde estás?

*

Redação

2 Comentários

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  1. caro Nassiff

    Querido Nassiff, 

     

    Sou uma adminradora do seu trabalho, leio sempre que posso suas noticias em seu blog,mas ando precebendo que a cupula do Partido dos Trabalhadores, esta alhures da real situação do Pres Lula, essa semana houve uma negativa sumaria do STF sobre a liminar de Lula,entretanto Gleise continua com a enfadonha ideia de que a vigilia (que ao meu ver eh inutil) continue em Curitiba na frente da PF, ora companheiro, eu lhe pergunto, o que a PF pode fazer pela soltura do Presidente?Absolutamente nada! E nao me parece muito saudavel, posso dizer que eh ate penoso, ver que todos dizem bom dia do lado de fora enquanto nosso querido amargura do lado de dentro do carcere! Ora que especie de estrategia torpe é essa? Candidatar uma pessoa que corre o risco de se tornar nos 45 min do segundo tempo inelegivel pelos seus algozes? Isso me parece ma fe? Haja visto que eh impossivel crer a essas alturas que os detentores dessa escabrosa justiça partidaria e mentirosa nao vai novamente passar por cima de 275 processos para inviabilizar a candidatura no nosso Presidente, creio eu na minha humilde observancia, que nao ha uma unica alma dentro dessa conjectura petista que esta relamente interessada em sua soltura, e vou mais, estao sim tentando se locupletar as custas do nosso preso politico!

    Espero ter explanado minha opiniao! 

    E meu sincero lamento por tudo que vejo.

     

    Abraços

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