Enviado por Cris Kelvin
A ENGUIA
A enguia, a sereiados mares frios que deixa o Báltico para alcançar nossos mares,nossos estuários, os rios que sobe pelas profundezas, contra a enxurrada,de braço em braço e depois de veio em veio, cada vez mais delgados, sempre mais dentro, sempre mais perto do coração da rocha, filtrando-se por regos de lama até que um dia uma luz desfechada dos castanheiros acende sua chispa num poço de água parada, nas valas que se despejam dos flancos do Apenino, na Romagna; a enguia, torcha, açoite, flecha de Amor na terra que só as nossas ravinas ou os ressecados regatos pirenaicos reconduzem a paraísos de fecundação; a verde alma que procura a vida onde só reina a aridez e a desolação, a centelha que diz tudo começa quando tudo parece carbonizar-se, galho enterrado; breve arco-íris, íris gêmea daquela que teus cílios encastoa e que fazes brilhar intacta entre os filhos do homem, afundados no teu lamaçal, podes tu não crê-la irmã?
Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti
OS LIMÕES
Escuta-me, os poetas laureados
circulam apenas entre plantas
de nomes pouco usados: buxeiros alienas ou acantos.
Eu, por mim, prefiro os caminhos que levam às valas
cheias de mato onde em lamaçais
já meio secos meninos apanham
alguma esquálida enguia:
as trilhas que bordejam os taludes descem por entre os tufos de caniços
e se metem nas hortas, entre os pés de limão.
Tanto melhor se a algazarra dos pássaros
se dissipa engolida pelo azul:
mais claro se escuta o sussurro
dos galhos amigos no ar que mal se move,
e as sensações deste cheiro
que não se larga da terra
e faz chover no peito uma doçura inquieta.
Aqui se cala por milagre
a guerra das desencontradas paixões,
aqui até a nós, os pobres, toca uma parcela de riqueza
e é o cheiro dos limões.
Vê, neste silêncio no qual as coisas
se entregam e parecem prestes
a trair o seu último segredo,
às vezes esperamos
descobrir um defeito da Natureza,
o ponto morto do mundo, o elo que não prende,
o fio a desenredar que enfim nos leve
ao centro de uma verdade.
O olhar perscruta em volta,
a mente indaga concerta desune
em meio ao perfume que se espalha
enquanto o dia enlanguesce.
São os silêncios em que se vê
em cada sombra humana que se afasta
alguma Divindade surpreendida.
Mas a ilusão se desfaz e o tempo nos devolve
à cidade ruidosa onde o azul mostra-se
apenas por retalhos, no alto, entre as cimalhas.
Castiga a chuva a terra, então; se espessa
o tédio do inverno sobre as casas,
a luz torna-se avara — a alma, amarga.
Quando um dia de um portão malfechado
entre as árvores de um pátio
nos surge o amarelo dos limões;
e no coração o gelo se dissolve,
e no peito estalam
suas canções
as trombetas de ouro da solaridade.
Trad. de Geraldo H. Cavalcanti
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e no coração o gelo se dissolve
Que bonito. Parece ter um pouco de Guimarães Rosa e de Manoel de Barros. Ou seria o contrario?
Poesia
Basta sorver e amar, amar, amar.
Escrita em chiarooscuro…
…me parece, sinalizando a dicotomia entre sonho/realidade’, encanto/desencanto, abundante/precário, algo como a insistência e resistência da vida ante as forças de dissolução do tempo ou constatação de um mundo divino abandonado pelos deuses. Se pudesse comparar, guardadas as singularidades, seria com alguns aspectos da poesia de Hölderlin e de Drummond.