Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Dominó de Botequim, por Rui Daher

Palhaço Piolim

Guiados pela Caixa Econômica Federal, que afirma seu “Penhor” servir “a quem precisa de dinheiro imediato e sem burocracia”, nosso último domingo trouxe certeza de que o Dominó de Botequim seria em breve reaberto. Se fecharia mais tarde, somente nós, penhoradamente, lamentaríamos.

Mesmo considerando as adesões etilicamente improváveis somadas às demais e à disposição da Santa Igreja – uso aqui termo do Buqué – confirmavam a “Visão Francisco” como garantia da viabilidade do projeto.

Tudo seria providenciado na próxima semana. Ao seu final, prometo revelar valores obtidos e cronograma de providências para a grande abertura. Levantados os recursos, decidimos que as operações seriam gerenciadas pelo próprio Serafim com ajuda do Netinho. Nós seríamos apenas coadjuvantes, no que peço sugestões e ajuda à minha zaga de leitores.

Para evitar que o Dr. Teodoro Toledo tivesse que voltar a Engenheiro Marsilac para dar alta ao Serafa, fomos eu, Osório e o Netinho na direção, buscar o atestado do médico, o que nos propiciou mais uma rodada canavieira na Botecaria de Piracicaba.

Foi naquela madrugada que a situação atual do Brasil quase veio nos incomodar.

“Boazinha”, chopes e mandiocas fritas na mesa, conto sobre amigo ribeirão-pretano que visitou Colíder, no Mato Grosso, e Paragominas, no Pará.

Antes terras voltadas à pecuária e ao garimpo, hoje em dia, mobilizam-se para lavouras. Assim, pelo menos, suas autoridades as apresentam, mas sem usar a lupa que o amigo me trouxe.

– Caros, Colíder é mais um fruto da expansão atrás de terras baratas da década de 1970, patrocinada pelo Estado, aquele que acham sem função.

– Aposto que algum gaúcho ou paranaense sobrevoou a região, viu o quanto poderia ajudar a população local, e comprou extensa área de terras, falou o Dr. TT.

– Em 1973, um paranaense vendo que o 9º Batalhão de Engenharia de Construção do Exército abria a BR-163, aproveitou e pediu que fizessem a demarcação de sua área que, mais tarde, viria a ser Cafezal e, em 1979, o município de Colíder.

– Deve estar rico.

– Já era rico, mas sem dúvida o valor das terras aumentou muito.

– E quem perdeu?

– Os sempre invisíveis, meu caro, respondeu Osório.

– Os indígenas da região, por certo.

– Por esses, ninguém se interessa. Curioso entrei no site da Prefeitura Municipal e não há única referência a eles. As informações fazem de Colíder uma Campinas paulista, com foto e extensa biografia da Divindade do Município, o prefeito Nilton José dos Santos (PMDB).

– Quantos habitantes?

– Uns trinta mil. Parece que na contagem eles pulam os índios: “chega mais perto … abre a boca e fecha os olhos … com esse nariz, não, Pula!”

– Contou-me o amigo que eles passam o dia quebrando castanhas para vendê-las nas estradas a três reais o quilo. Na cidade, onde não podem se aproximar, o quilo é vendido a 30 reais.

– E Paragominas?

– Tá numa de diminuir a pecuária e entrar nas lavouras. Palma, dendê, sempre teve, agora, plantam bananas.

– É exatamente o que faço para vocês neste sacal momento, uma banana! Chega! Corta o papo! Aqui, no Villinha, proíbo vocês falarem deste Brasil de hoje, transformado em merda por Cunhas, Renans, Mendes, Levy, e as folhas e telas cotidianas de que o Rui conhece tão bem.

– Mas TT, tão destruindo um país que estava no caminho de ser o que sonhávamos antes da ditadura.

– E por ao menos um segundo você chegou a pensar que eles iriam deixar quebrar um acordo de séculos que enche o rabo patrimonial deles?

– Eu achei, disse Osório.

– Eu ainda acho, acrescentou o Neto.

– Se for pra continuar, caio fora, assino o atestado e fui. O que tinha de fazer para tornar isto um País já fiz e por isso sofri o que não precisava. Quero é falar do Piolim.

– Qual? O bar e restaurante no começo da Augusta, tempo de nossas boemias paulistanas. Eu estudava na GV, você na Santa Casa. Não era longe.

– Não. Quero falar do palhaço. Do seu circo. Na semana passada, antes de voltar para Piracicaba, passei na frente de onde ficava o Circo do Piolim, embaixo do Minhocão, entre a praça Marechal Deodoro e o largo Padre Péricles.

– Lembro bem. Passa a garrafa dessa tal “Cachaça Alegria de Garanhuns”. Deve ser do Lulinha.

– Piolim, o artista de circo Abelardo Pinto, mestre do “teatro do povo”. Nasceu em 1897, Ribeirão Preto, e morreu aos 76 anos, em São Paulo.

– O circo dele ficava perto de onde morava minha namorada com quem estou casado até hoje. Passávamos lá, mas nunca entrei. Me arrependo.

– Não sabe o que perdeu. Era cômico, ginasta, equilibrista. Quando morreu, um ídolo, foi enterrado no cemitério da Quarta Parada, de pobres e sonhadores.

– Você sabia dele, Netinho, perguntou Osório.

– Não.

– Também não.

– Depois de passar em frente ao local onde era o circo, não parei mais de pensar nele e fui pesquisar sobre sua vida. Numa frase dele, encontrei este Brasil, que vocês não se cansam de discutir.

– Conta.

– Em 1957, entrevistado pela Folha de São Paulo, revelou: “meu sonho era ser engenheiro, queria construir casas, pontes, estradas e castelos. Construí apenas castelos de sonhos de muita gente. Sou, de qualquer maneira, um engenheiro e estou feliz com isso”.

– E o que é o Dominó de Botequim, se não a construção de um sonho?

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

6 Comentários

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  1. Meu querido Rui

    Somos umas pedras danadas de quererem rolar, rolar, sem parar, não é não?

    Pinduca merece uma salva de palmas, com gritos de viva, bravo, mais um.

    E a alegria e a pureza de um palhaço de circo não se consegue nem de longe imitar, nem em verso, nem em prosa.

    O Dominó de Botequim enriquece a gente. Aguardo domingos, às vezes a função é transferida pra segunda. Mas eu espero. Ah, eu espero.

    Até a semana, que a gente gosta é de uma galhofa de palhaços.

    A gente adora é arquitetar sonhos mesmo ! 

  2. Engenheiros de Sonhos

    “- E por ao menos um segundo você chegou a pensar que eles iriam deixar quebrar um acordo de séculos que enche o rabo patrimonial deles?”

     

    Até quando, Rui, estaremos a bordo desta nave tentando construir sonhos, diuturnamente sepultados?

    Continuaremos caminhando como Engenheiros de Sonhos, a bem desta Pátria Amada, Salve, Salve Brasil?

    Acho teu texto um primor.  A realidade é que nos avilta, nos fere, nos desanima.

    Como a brava Odonir pontuou, alegria e pureza não podemos imitar.  E, na verdade, nem queremos.  Pois, onde então a função balsâmica de um Piolin?

    Estou no aguardo de um Dominó que nos restitua um pouco mais – além da já ofertada por tuas crônicas pretéritas – de esperança e de força; preciso de um horizonte, de um farol!

    Obrigada!

    Grande Abraço!

     

    1. Anna querida,

      você não imagina como andam fracas as baterias de meu farol da esperança. Ando com medo de estar sendo contaminado pelo clim a que as folhas e telas cotidianas disseminam e as pessoas em minha volta compram como barganhas de 1,99. Mas, com você e Odonir, viraremos nossos sonhos, nem que eles tenham que se restringir a um pequeno boteco de bairro ou ao imenso pensamento humanístico de Francisco. Abraço.

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