Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Dominó de Botequim, por Rui Daher

Fulgêncio Batista

– Impressionante a persistência desses chineses.

Serafim se referia aos 30 quilômetros de serra vencidos pelo EFFA, de Itanhaém a Marsilac.

Brinquei:

– E isso que eles estão a 7,5 e não mais a dois dígitos.

Na volta da praia, contei ao português meus planos para acelerar a abertura do Botequim do Dominó, ordem que ele preferia, alfabética, na esperança de compreensão do Manoel Vieira.

Serafa se mostrou descrente e pessimista. Falso, o lusitano. Repetia as conversas das folhas e telas cotidianas, vomitadas em todos os restaurantes chiques de São Paulo ou gaseificadas nos interiores dos carros de luxo trazidos pelos manobristas.

Mas não pra cima de moi, certo Baden e Paulinho? Vou deitar e rolar, garanti ao amigo.

No dia seguinte, reuni a “diretoria”. General Prudêncio, Netinho, Padre Luís, Osório e Buqué.

A ausência do casal Virgínia e Nonato João foi justificada por incidente corporal que ela causara ao dar uma garrafada na cabeça de um gajo, no Rei da Batida. Estudante da Academia Militar, o cara revidou mesmo sabendo Virgínia grávida. Mais tarde, disse que “recebera ordens de cima”.

Ah, Virgínia, precisava tanto? Terrível. O pobre coitado, ao iniciar uma discussão com ela, garantia que a cocaína encontrada em helicópteros e aviõezinhos por aí, só poderia ser diabrura do ET da mineira Varginha ou comércio do Zé Dirceu.

Comecei a reunião contando os papos com Serafim. Para motivá-los fui detalhista. Seu ceticismo exacerbado não passava de ansiedade em ter o botequim de volta. O quanto nos amava. Como gosto de mentir um pouco, obrigação ficcional, falei que ele queria recuperar algum dinheiro e trazer Maria Amélia, a garota da pensão em Viana do Castelo, para morar com ele no Brasil.

– Padre Luís, inclusive, ele cogitou a possibilidade de o senhor ser o celebrante do casamento, na igreja São José de Belém. Nós todos como padrinhos.

– Seria uma honra, felicidade imensa, como a que tive ontem ao ver Sua Santidade Francisco aclamado em Havana.

– Sabe que até eu me emocionei, disse o militar Prudêncio. O Vaticano abençoando uma ditadura sangrenta.

– Sangrenta o cacete, “General”. Maravilha foi até 1959, não? Quando se esfolava os pobres para os ricos frequentarem os cassinos e bacanais do coronel Fulgêncio Batista.

– E olha, que o nome até rima, disse Osorinho.

Na ausência de Virgínia, eu acabara entrando de sola no reaça.

– Bem, vocês querem ou não ouvir o plano que tenho para abrirmos logo o Dominó de Botequim? Perceberam que fugi das questões alfabética e semântica? Não era hora.

– Assim como gente séria diz que o futebol brasileiro somente se acertará quando a CBF e os principais clubes tiverem administração profissional, creio que também a Operação Dominó precisa um “profissa” do ramo para tocá-la.

– Miremos o exemplo da Lava Jato, do Moro, o Gilmar.

– Prudêncio, outra vez? Nada a ver. Aquilo é operação de treino em octógonos judiciários e políticos para ensinar a aplicar golpes. E não pense em MMA ou UFC. O buraco é bem mais em cima.

Desta vez, a resposta veio do Buqué, cada vez mais politizado depois que deixou o emprego na fábrica.  

– Além de termos outros afazeres, somos desorganizados, cheios de opiniões divergentes, como gente que papeia em botecos, e o pior, talvez melhor, temos ligação afetiva com a empreita. É como se tudo isso não fosse apenas para o Serafim, mas pra nós.

– E, por acaso, não é mesmo?

– Claro, Osorinho. Temos as mesmas vontade e ansiedade do Serafa, acabamos nos afobando, sem direção, saber aonde ir, quem procurar, como priorizar etapas. Enfim, somos uns merdas.

– Meus filhos, eu estava para falar sobre isso com vocês.

– Que somos uns merdas, padre Luís?

– Nunca! É que não poderei continuar a controlar a parte financeira, conta no banco, despesas. Meus superiores acharam estranho. Dizem o Brasil estar habitado por milhões de más-línguas. Principalmente, nas redes digitais. Há grupos religiosos sem espírito ecumênico. Se puderem enrabar a igreja católica, o fazem.

– Padre! Olha os termos.

– Desculpem-me. Que Deus me perdoe por ser humano e vez ou outro ficar puto da vida.

– Padre …

– Enfim, não posso fazer nada, além de continuar cedendo a paróquia e o salão de festas.

– Entendemos.

– Ah, e podem confirmar ao Serafim que aceito realizar aqui o casamento dele com Maria Amélia.   

 – Rui, você conhece alguém bom para assumir a Operação?

– Sim, um especialista. Experiência de longa data no ramo. E o melhor: não como proprietário, dono, sócio. Nada disso. Usuário, freguês, com capacidade de recriar o clima que tínhamos antes. Se modificações houver, serão para melhor.

– Quem tamanha raridade?

– Um amigo. O Fernando.

– De onde o conhece?

– De “Andanças Capitais”. Domina administração, finanças, foi gerente do Banco do Brasil, em várias regiões do Brasil. Hoje em dia, milita e birita na esquerda, como eu.

– Será que topa?

– Já o convidei. Quer nos conhecer. O padre Luís já sabia disso e tem uma revelação.

– No próximo sábado, a Paróquia São José de Belém vai promover uma feijoada beneficente. Seria o melhor momento para ele ser apresentado e nos conhecer.

– Porra, esse padre é do …!

– Buqué, pega mais leve!

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

3 Comentários

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  1. Seu Rui, seu Rui

    Pelo que conheço do Fernando aí que vc arrumou, a experiência maior dele é do lado de fora do balcão, ocasião em que presenciou e participou de um sem húmero de histórias em exatos 45 anos de militância birítica.

    1. Fernando, Fernando

      Pois é justamente isso! Estamos na maior modernidade. Tem um trololó novo aí que chamam de “User Experience” (sim, tinha que vir de lá). Dizem que dá o maior certo. O Botequim será um sucesso!

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