“e não escrevi esse poema do outono”, de Juan Gelman

Enquanto as cores das folhas enchem de presença todos os lados da cidade, todos os lados que estão fora das casas.

“e não escrevi esse poema do outono”, de Juan Gelman

Enquanto questiono qual voz será escrita aqui, mais uma vez. Penso que poderia traduzir alguns poemas. Enquanto busco essa voz para escrever hoje no jornal, e não a encontro. Enquanto as folhas do outono estão caídas e fixas no chão das ruas, pregadas com as águas da chuva que colore os céus da cidade de branco e cinza. Enquanto revolução é uma palavra em estado de museu, até que saibamos readequá-la aos dias atuais. Devo buscar essa voz, dizer como quem viu as cores pela primeira vez. Enquanto as cores das folhas enchem de presença todos os lados da cidade, todos os lados que estão fora das casas. Enquanto dentro das casas não há folhas do outono, claramente, não há. Enquanto não sabemos desfolhar coloridamente e o corpo humano não tem ressoado cores em harmonia. Enquanto dentro das casas uma paleta de cores ordenada e monótona pinta as paredes que nos vestem. Enquanto isso, penso que poderia traduzir alguns poemas de Juan Gelman.

31 de março*

Terminou o mês
e o filho sem vir
e meu irmão sem voltar.

Terminou o mês e não te amei pelas pernas
e não escrevi esse poema do outono em Ontário
e penso penso penso
se foi outro mês
e ainda não fizemos a revolução.

 31 de marzo

Ha terminado el mes
y el hijo sin venir
y mi hermano sin volver.

Ha terminado el mes y no te amé las piernas
y no escribí ese poema del otoño en Ontario
y pienso pienso pienso
se fue otro mes
y no hicimos la revolución todavía.

Outono**

Aparto o amor com a direita, a loucura com a
esquerda, para que não se misturem por sua culpa.

Outono, grande promovedor da doçura: não me
mate assim, que ainda não mereço.

Morreram de ternura um bandoneón, seu tango,
o que se movimenta puro muito além.

Mas eu não, eu não. Ainda não mereço.
Quando volte a ser criança morrerei por causa
de sua aventura. 

Otoño

Aparte el amor con la derecha, la locura con la
izquierda, para que no se mezclen por tu culpa.

Otono, gran patrón de la dulzura: no me
mates así, que aún no lo merezco.

Han muerto de ternura un bandoneón, su tango,
lo que se mueve puro más allá.

Pero yo no, yo no. Aún no lo merezco.
Cuando vuelva a ser niño me moriré a raíz
De tu aventura.

*do livro Gotán (1962)

**do livro El juego en que andamos (1956-58)

Redação

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