E para não dizer que não falei das flores (apesar dos horrores)
por Dora Incontri
Há momentos em que as coisas são tão desanimadoras, as notícias tão tenebrosas, que a análise dos fatos se esgota e então costumo optar pela poesia. Ela ainda pode nos salvar da desesperança.
Tenho às vezes de escrever
E a prosa morre na garganta.
E então só me resta tecer
A poesia que sempre reencanta.
Escrever sobre a natureza amortalhada
Sobre a criança metralhada
Ou sobre a criança armada?
Escrever sobre o capital
Nos cofres imaginários
De canalhas perdulários
Ante a fome de milhões?
Sobre o Brasil desigual
E esta pátria retalhada
Vendida e enlameada?
Escrever…
Sobre a justiça que escolhe
Sobre a injustiça que tolhe?
Sobre a vida acinzentada
Da labuta esvaziada
De sentido e de prazer?
Sim, poetar é preciso
Apesar do prejuízo
De todo esse tempo atrasado,
De todo o suor amargado
Para plantar mera flor.
Sim, poetar a esperança
De desbotada utopia
De uma réstia de alegria
Seja em que tempo for.
Há resistência no ar
Há humanidades com brio
Há navegantes valentes
Que singram o mar bravio…
Há estrelas em noites escuras
Há canções e corações
Apesar de nossas torturas.
E há para mim que acredito
A eternidade sem tempo
E um caminho infinito.
Dora Incontri
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