Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Entrevista de Rui Daher a CartaCapital, Parte 2

Entrevista de Rui Daher a CartaCapital, Parte 2, Dominó de Botequim, por Rodrigo Martins

Esta é uma parte da entrevista que dei a Rodrigo Martins, um dos editores do site de CartaCapital, onde publico artigo semanal sobre agronegócios, sempre reproduzido neste GGN.

Os citados na entrevista me ajudaram muito na realização dessa produção independente, assim como o fizeram Luís Nassif (prefácio), Márcio Alemão (bondosas e fraternas palavras na contracapa), Luiz Fernando Juncal Gomes (capítulos deliciosos sobre botecos) e Manoel Mendes Vieira (sobre o dominó). 

A entrevista

CC: Vamos falar um pouco sobre o seu livro de crônicas, Dominó de Botequim. Como surgiu a ideia dessa aventura pela literatura?

RD: Por um bom tempo, publiquei crônicas no Terra Magazine, do Bob Fernandes, e no GGN, do Luís Nassif. As histórias se passavam no botequim de um português, onde se jogava dominó e conversa fora. Percebi que essas histórias tinham começo, meio e fim. Primeiro, os causos do narrador até o fechamento do estabelecimento, quando o português decidiu abandonar o negócio e correr atrás de uma herança. A segunda parte do livro trata do movimento dos amigos do botequim, que queriam reabrir o local. Por fim, há uma hipotética e magistral reinauguração, que abre caminho para uma nova série de crônicas.

A obra traz uma série de situações e personagens muito típicos do Brasil, de um militar reformado à estudante de Letras da USP. Sempre procurei explorar bastante o humor nessas narrativas. Tivemos um lançamento na Livraria da Vila, em São Paulo. Agora vou ao Rio de Janeiro e Curitiba. Estou adorando a experiência, a minha primeira aventura pela literatura.

CC: E essa nova série de crônicas vem para o site de CartaCapital?

RD: As novas crônicas virão, sim, com certeza. Tenho a CartaCapital como grande referência de leitura, uma boa conselheira para todas as horas. E também tenho um grande apreço pelo pessoal da redação que me ajudou na publicação do livro, como Sergio Lirio (diretor-executivo), Pilar Velloso (diretora de arte), que fez a capa, e o Ali Onaissi, coordenador da revisão. Uma turma muito bacana e competente.

Um dos textos de Luiz Fernando Juncal Gomes para o livro

O botequim e a sua alma

Afinal, quais as razões e os motivos para o sucesso do Deck Sousas? Por que fazíamos daquele local o nosso segundo lar? Essa momentosa questão surgiu numa tarde modorrenta de sábado e se prolongou por horas, levantada por um dos sócios-fundadores da mítica e lendária Mesa 1.  O Deck Sousas foi um bar que marcou época no bucólico distrito de Sousas, em Campinas, localizado exata e paradoxalmente na margem direita do rio Atibaia, logo na entrada do distrito.
 
Estacionei por ali entre 2001 e 2009, de terça a domingo, devotando ao segundo lar uma assiduidade e fidelidades caninas. Por vários motivos: Pela localização, pela amizade com o dono do bar, o músico Elder, do Grupo Bons Tempos, pelas amizades que se formaram, pelos amigos garçons, pelo drinque exclusivo da casa, o brasileirinho, e pela música ao vivo que rolava de quarta a domingo. Era mais do que um bar, tinha virado uma confraria. A única mesa redonda do bar recebia o número 1 na comanda, e por isso assim ficou batizada, mais pela confraria que se formou ao seu redor. Para usar uma expressão atual: “ocupávamos” o dia inteiro, forma ininterrupta. Sem querer, praticávamos o lema dos estudantes secundaristas de São Paulo atualmente, “ocupar e resistir”.
 
A ocupação consistia em chegar nos sábados e domingos na abertura do bar, entre 11h00 e 12h00, jogar na mesa a Carta Capital, a Caros Amigos e a Folha de São Paulo (naquele tempo ainda era possível) para demarcar território. Líamos e debatíamos. Na época, chamava esse hábito de “montar escritório no bar”. Resgatava assim um costume que iniciei nas minhas andanças fronteiriças, em Ponta Porã (MS), entre 1975-1977, naquele tempo usando o Pasquim, e a IstoÉ, já nas mãos do Mino Carta. Dali a pouco chegavam os amigos Dom Cidón (Cido Galvão), e o Zé Preto (José Carlos de Paula), e estava composto o trio fundador da Mesa 1.
 
Os amigos iam chegando e se revezando ao longo da tarde e noite, de modo que a mesa estava sempre cheia. Porém, o “núcleo duro” permanecia sempre o mesmo. A questão levantada naquela tarde movimentou a mesa. Comparávamos com as outras casas de Campinas e todos apontavam virtudes e defeitos, para alguns lugares não encontrávamos explicação aparente para o insucesso. Está certo que o grande trunfo do Deck Sousas era a música impecável que rolava de quarta a domingo, os melhores músicos da cidade se apresentavam no local. Sábado, duas atrações, uma para a tarde, outra para a noite. Não era difícil, portanto, com tantos atributos, permanecer ali por 12 a 14 horas ininterruptas. Mas ainda faltava a explicação definitiva e consensual que justificasse nosso entusiasmo em frequentar aquele bar. O que ele tinha de diferente?
 
Para isso, vamos recorrer a dois experts no assunto, e verificar o que ambos têm a dizer. Jaguar, na sua obra seminal “Confesso que bebi. Jaguar de bar em bar. Memórias de um amnésico alcoólico”, procura responder a transcendental questão: “Afinal, o que é um botequim? “. E define: “Pra mim, todo lugar onde se bebe é um botequim. (…) um botequim deve ser, de preferência, razoavelmente limpo, mas não a ponto de a gente pensar que está bebendo numa enfermaria. Ninguém morre de infecção contraída em bar. E quantos já morreram de infecção hospitalar? (…) E, é claro, seu santo tem de cruzar com o do garçom. É como um casamento, conheço boêmios que passam mais tempo com o garçom do que com a mulher. ”
 
Martinho da Vila, no prefácio de outra obra seminal, “Manual de sobrevivência nos butiquins mais vagabundos”, do Moacyr Luz, não fica atrás: Bar, um lugar sagrado. Bom para se fazer amizade, o bar é realmente um lugar sagrado onde um amigo quase oculto dá ótimas dicas para a solução de problemas materiais ou de ordem sentimental. Funciona também como um consultório de terapia democrática, em que ora se é paciente, ora se é analista. Botequim é um templo onde os solitários se sentem acompanhados com seus copos, pensando…pensando…pensando…ou padreando com um amigo, ou numa roda de camarada de copos. Nada melhor do que uma amizade de boteco porque os amigos não se visitam nas respectivas casas e nenhum pede para assinar fiança ou dinheiro emprestado. Só falam de mulher, futebol, samba e política, sem discutir de forma tensa, visto que ninguém vai a um boteco para esquentar a cabeça. Amigos de bar são como amantes recentes, um quer agradar o outro e não discordam nunca. Como é bonito ver duas jovens ou senhoras sentadas frente a frente bebericando alegremente um chope num bar, antes exclusividade dos homens”(…)
 
Definições e conceitos irretocáveis, de dois mestres insuspeitos no assunto. Mas…ainda ficou faltando. Com o devido respeito, naquela tarde a Mesa 1, após acalorado debate, fechou questão e proclamou o resultado resultado: O Deck Sousas era um sucesso porque tinha alma.  Em 2015, passando por Campinas, encontro advogado amigo daqueles tempos. Pergunto do Deck. “Tristeza, diz ele. Trocou de mão três vezes desde 2010, os garçons debandaram, sobrou o Dirlei (que chamávamos de “Delay”). Acabou, perdeu a alma daqueles tempos. Em outubro, sucumbiu de vez e fechou as portas. O Dominó de Botequim, indiscutivelmente, tem alma. 
 
Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

3 Comentários

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  1. Caríssimo Rui,

    Na próxima semana, levarei exemplares do Dominó de Botequim para entregar em mãos do  Alfredinho, do Bip Bip, sede do mais famoso – e único – bunker de esquerda de Copacabana, e personagem de um dos capítulos “O dia em que o espírito de Natal baixou no Alfredinho, do Bip Bip”. Com a sua devida vênia, iniciarei as tratativas visando ao lançamento do Dominó em terras cariocas, em noite de gala no Bip. 

    PS.: uma das medidas contracíclicas de combate à recessão é adquirir vários exemplares do Dominó de Botequim,na Livraria da Vila, da Fradique Coutinho, ou diretamente com o autor. A injeção de recursos permitirá a troca das cortinas da redação do BRD – Blog e Boteco Rui Daher, a geração de empregos e impostos na indústria de cortinas, e a manutenção dos empregos dos repórteres Nestor e Pestana. 

    1. Obrigado amigo co-autor

      Muita gente do Rio me perguntando se haverá lançamento lá. Uma amiga até conversou com a Livraria Prefácio, mass nada superaria o Bip-Bip e o Alfredinho.

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