Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Escrevi um poema, por Maíra Vasconcelos

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Escrevi um poema, por Maíra Vasconcelos

Escrevi um poema, enquanto tento decifrar as maneiras de se falar
sobre este primeiro livro escrevi 
enquanto entendo que a coluna deve estar ereta, o peito cheio
e todo o conjunto do corpo atento. Escrevi um poema
para não esconder minha poética mirada
escrevi  
enquanto percebo os modos do corpo-que-fala
sobre o próprio trabalho, escrevi um poema, enquanto reúno enchimentos e ares
para continuar essa desnudação das coisas que vão embora do interior de mim. Escrevi um poema para o livro chegar aos outros
também a mim mesma e assim poder perguntar: quanto do livro é material e quanto
é espiritual?
Escrevi um poema
porque não posso ter talento para excessos de discrição
ou para ser invisível no exterior das coisas escrevi
para que meus pés e mãos não parem as andanças do próprio livro: voar.
Escrevi um poema para continuar em movimento
escrevi
enquanto penso o trabalho de sustentar o que já está escrito
e longe das minhas mãos, mas perto do caminhar escrevi um poema
porque não basta escrever e apenas escrever: devo vir ao jornal contar a novidade:
quem deseja visitar Um quarto que fala? escrevi
para não fugir e deixar de inventar um não-estar-presente.
Escrevi um poema porque a alegria do livro é impossível de permanecer 24 horas
e todos os dias escrevi um poema
para dizer a mim mesma que é preciso publicar os outros livros e, mais uma vez,
não esquecer o livro completamente, apenas uma parte, apenas esse tanto
de cada página que já não é do escritor. Escrevi
para lembrar-me que os livros são como o sangue das veias,
senão posso murchar e ficar amassada igual planta no asfalto quente escrevi
para saber ver o círculo que se forma e faz o livro girar mais-e-mais.
Escrevi um poema
porque o ato da escrita é isolado, silencioso e quieto. Escrevi
porque preciso virar um ser-falante do próprio livro e isso é como:
pegar jeito e movimento de sanfona. Escrevi para saber
o que depende de mim e da minha fala para que o livro seja mais visitado
escrevi
para levantar as sobrancelhas e molhar um pouco os lábios
enquanto penso no livro:
Escrevi outro poema.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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