Lula Livre/Lula Livro – Palavras contra a farsa, por Sebastião Nunes

Foto com Lula em 1989

 

por Sebastião Nunes

Em projeto coordenado por Ademir Assunção e Marcelino Freire, acaba de ser lançada uma coletânea de 90 textos e cartuns (190 páginas) contra a prisão arbitrária do presidente Lula e pela sua libertação. Inicialmente numa tiragem de 200 exemplares, o livro deverá ser reproduzido extensivamente e vendido a preço de custo. Apenas para dar uma ideia de seu conteúdo, selecionei alguns textos que reproduzo aqui.

 “O propósito deste livro”, escreveram os organizadores, “é o de unir as vozes destes autores aos movimentos nacionais – e até mesmo internacionais – contra a farsa da prisão do ex-Presidente Lula, e contra a continuidade do golpe antidemocrático representado por sua exclusão do processo eleitoral de 2018”.

Infelizmente não pude incluir cartuns, textos ou poemas longos, afinal é apenas uma amostra . A foto foi retirada da página 11 do livro, é de Juvenal Pereira e data de 1989.

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CHICO BUARQUE

 

– Eu nunca tive nada contra o Lula. Eu inclusive estive com ele naquela casa lá de pobre em São Bernardo. Depois eu e a Ruth convidamos o Lula para passar um fim de semana em Ubatuba com a Marisa. Aí ele reclamou que não tinha água quente no chuveiro da casa. Imagina! O Lula!

 Era o Fernando Henrique, sempre simpático, em reunião com artistas às vésperas das eleições de 1994. Naquele tempo ainda se podia achar graça numa anedota assim. Era um deboche, era um comentário preconceituoso, mas não havia um pingo de ódio naquelas palavras. Lula ainda não era o chefe de organização criminosa, o ladrão, o comunista, o cachaceiro, o nine, o boneco vestido de presidiário enforcado ao lado de Dilma num viaduto de São Paulo. Ainda não tinha sido condenado sem provas, por imprensa, televisão, procuradores esquisitões e juízes deslumbrados, com proprietário deum tríplex, ou tríplex, no Guarujá.

O ódio ao Lula é o ódio aos pobres. Tivesse ele imóveis na praia e dinheiro no exterior, talvez fosse mais bem tratado pelas autoridades que o trancaram e o mantêm isolado numa cela da Polícia Federal. Lá de dentro ele mandou dizer que já não confia na Justiça. Nem eu. Só espero que ele tenha água quente em Curitiba.

 

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ERIC NEPOMUCENO

POR QUE PRENDERAM LULA?

 

A última vez em que estive com o presidente Lula foi na sexta-feira, 16 de março, num ato em São Paulo. Três semanas depois ele foi preso.

Naquela sexta-feira foi lançado o livro A verdade prevalecerá, uma minuciosa e contundente entrevista feita a Lula pela editora da Boitempo, Ivana Jinkings, uma dupla luminosa de jornalistas, Juca Kfouri e Maria Inês Nassif, e o professor de relações internacionais Gilberto Maringoni.

A pedido da editora, escrevi um perfil de Lula para o livro, e por isso fui a São Paulo para o lançamento, no Sindicato dos Químicos, no bairro paulistano cujo nome não poderia ser mais apropriado: Liberdade.

Lula tinha se comprometido a autografar cem exemplares do livro quando o lançamento terminasse. Haveria um sorteio para escolher quem levaria o autógrafo.

Como não poderia deixar de ser, aquele não foi um lançamento convencional. Lula falou para um auditório abarrotado. Afiadíssimo, comoveu a plateia com um discurso contundente e emocionado.

Para os autógrafos foi reservada uma sala ampla, no segundo andar do Sindicato. Findo o ato, Lula tomou meu braço na saída do palco e disse: “vem comigo, depressa”. Passamos por um labirinto de corredores e escadas e chegamos ao tal salão.

Lula, então, pediu café, água e disse que precisava de quinze minutos para relaxar, enquanto fora da sala os cem sorteados eram organizados em fila indiana.

Quando fiz menção de sair para deixá-lo sossegado, me disse: “Não, não, você fica, quero apoio para essa questão de autógrafo.” Respondi, surpreso, que ele com certeza tinha dado autógrafos um milhão de vezes mais que eu. Rindo, Lula rebateu: “Em livros, não”.

Durante os tais minutos pudemos conversar a sós. Sabia eu, sabia ele, que a ordem de prisão viria logo. Perguntei o que faria: se apresentar na Polícia Federal, para evitar a imagem dele sendo preso, evidente sonho de consumo dos adversários? Esperar ser preso e dar a imagem de presente para a Globo?

Com o mesmo sorriso pícaro que eu havia visto muitas vezes ao longo dos anos, a resposta foi típica de Luiz Inácio Lula da Silva: “E se eu der a imagem de presente para mim?”

Três semanas depois, no sábado 7 de abril, quando faltavam treze minutos para as sete da noite e haviam se passado quase duas horas do ultimato disparado pela Polícia Federal, Lula – depois de dois dias dentro do Sindicado dos Metalúrgicos de São Paulo, em São Bernardo do Campo, cercado por milhares de apoiadores que impediam a entrada dos agentes federais – se entregou.

Antes, porém, negociou. Queria um ato religioso em memória de sua companheira Marisa Letícia.

Sabia, claro, que era uma oportunidade única de se despedir antes da prisão. Falou para umas vinte mil pessoas. A Globo não teve essa imagem. Aliás, nem chegou perto do Sindicato: apropriou-se da imagem pela TVT, a Televisão dos Trabalhadores.

Depois de ter retornado para dentro do Sindicato, Lula enfim apareceu para ser preso. Passou por um corredor de correligionários caminhando como sempre: de cabeça erguida.

A fotografia do ato de horas antes, quando ele tinha acabado de falar para a multidão, feita do alto por um jovem chamado Francisco Poner, de 18 anos, mostra Lula sendo carregado em ombros anônimos. O que se vê é uma figura apenas reconhecível flutuando num mar de gente. Essa imagem foi publicada e republicada mundo afora. Nas redes sociais, foi vista milhões de vezes. Ganhou a capa do jornal mexicano La Jornada e meia página do The New York Times, e apareceu em revistas, jornais e noticiários de televisão de dezenas de países.

Era a imagem que a Globo queria ter e não teve. A imagem que Lula quis e soube ter.

É por causa dessa intuição, essa sensibilidade, essa capacidade de traçar estratégias, de negociar, que, na presidência, Lua fez o que fez para mudar parte substancial deste país perverso, de mazelas e abandonos, de desigualdades de abismo.

É também por essa intuição, essa sensibilidade, por tudo isso, que ele foi preso.

Porque solto, Lula é um perigo para os tratam este país como feudo próprio. E uma esperança concreta e iluminada para os abandonados de sempre, que com ele viram que é possível alcançar uma outra realidade, que lhes foi negada ao longo dos tempos.

 

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MAURÍCIO ARRUDA MENDONÇA

JUSTIÇA TELECATCH

 

Com a toga atolada na lama

a excelência pede um aparte

e parte pro raio que os parte.

 

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RAIMUNDO CARRERO

E SE LULA SAIU DE UMA PÁGINA DE GRACILIANO RAMOS?

 

Tal a força do personagem e de seu carisma político que me pergunto seguidas vezes e “se Lula saiu de uma página de Graciliano Ramos? E se ele se chamasse Fabiano a enfrentar o soldado amarelo com seu facão enferrujado? Como um matuto valente a enfeitiçar inimigos do povo para fazer triunfar a justiça? Não esqueço, por exemplo, que Fabiano também foi preso pelo dragão da maldade naquele dia de festa no povoado que o acolheu por causa da seca… Mas foi solto quando a justiça triunfou em todas sua plenitude para devolvê-lo à família que é, enfim, o seu povo.

“Agora Fabiano conseguiu arranjar as ideias. O que o segurava era a família. Vivia preso como um novilho, amarrado a um mourão suportando ferro quente. E se não fosse isso, soldado amarelo não lhe pisava os pés.”

O fogo que estalava, o toque dos chocalhos, e até zumbido das moscas lhe davam a sensação de repouso.”

“No dia 3 de outubro de 1960, houve as últimas eleições para presidente da República, eu tinha quinze anos de idade, estava para começar, iniciar minha atividade de estudante no Senai, para fazer o curso de torneiro mecânico. Eu jamais imaginei chegar onde cheguei. Eu jamais sonhei poder disputar as eleições para presidente da República, porque nós, que pertencemos à classe trabalhadora, sabemos perfeitamente bem que a nossa luta titânica é para escapar da fome, é para escapar do desemprego, é para escapar da favela, de debaixo da ponte.” (Declaração de Lula publicada no romance A Cobrança, de Mário Rodrigues).

Sem dúvida, Graciliano precisaria de um personagem assim para apresentar a grandeza do humano. Sobretudo um sertanejo empurrado pela seca e pela sede. Sem dúvida, algo que transcende o convencional e quer atingir a transcendência do herói. E este é o verdadeiro herói da literatura brasileira. O herói que saiu da miséria para empunhar o estandarte da justiça e do humano.

Sebastiao Nunes

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