Mafalda, atual e cinquentenária, por Eliana Rezende

Por: Eliana Rezende

Como uma boa ideia com humor e crítica ácida à mistura podem render bons anos de vida?

A resposta em uma única palavra é: Mafalda. Contestatória, politizada, insatisfeita com o mundo. Sempre cheia de questões e inquirições. Uma ardorosa aversão às sopas.

Niña esperta, espontânea, sabida, verborrágica: sempre com muito a dizer.

Mas a garota apesar de manter-se uma menina nas tiras é agora uma cinquentona.
Sim! Mafalda fez 50 anos. 

Parabéns a criador e criatura!

Mafalda nos dá a metáfora mais bem acabada de que o tempo não precisa ser tirânico e nem amedrontador. Basta apenas estar em sintonia com seu tempo.

A coisa mais interessante no caso da personagem é sua sobrevivência no tempo a partir de uma boa ideia e doses de “realidade”. A atualidade está exatamente em explorar as vivências e angústias de todos,  independente de onde ou como vivem. É um questionamento para um mal-estar que nós latinos entendemos tão bem.

Penso também sobre sua estabilidade e permanência em um mundo feito de tantas obsolescências e descartes.

O que a torna ainda tão factível?

Creio que é exatamente essa inteligência ingênua, antenada e bem humorada que lhe confere tanto sucesso e permanência até hoje.

A politização com crítica mordaz dão um tom todo especial e, independente do país e da idade, nos identificamos com seus pensamentos.

Mafalda dentre tantas coisas não é apenas e tão somente um personagem de tirinhas. Nasce como personagem de campanha publicitária e emancipa-se pelas tirinhas. Ela representa toda uma sociedade (no caso a argentina) dos anos 1970. Uma sociedade que vive em ditadura de suas fronteiras, e que vê os países vizinhos vivendo a mesma situação.
Assiste a uma guerra em andamento no Vietnã e os EUA em plena expansão imperialista.

A sociedade é confusa para seu olhar: não sabe bem porque há uma guerra no Vietnã, se preocupa com a presença dos chineses, não sabe o porque de tantos pobres em volta, desconfia da mídia (jornais, revistas, TV) e do “Estado” (militar) e só consegue ter clareza de que não se conforma!

O mundo, sob sua ótica, está doente e ela anda às voltas com a busca para solucionar o que está errado. Cercada de adultos, não consegue compreender como os pais e todos os outros permitem e estragam o mundo.  Nada fazem.

Os colegas não lhe trazem maiores respostas e aparecem como sínteses de visões pequeno-burguesas: Manolito, que apesar de coroinha, tem como principal valor o dinheiro. Felipe é o sonhador romântico de plantão e Susanita convertida ao espírito de um consumismo burguês. A convivência com estes já não era fácil, mas chegam os dois mais novos integrantes de sua turma: Libertad responsiva mas muito pequeninha e o Guille (irmão caçula de Mafalda) capaz de dormir ouvindo rock e se deslumbrar por Brigitte Bardot.
Era o fim para Mafalda!

Diante de tantas contradições, talvez seja simples compreender o porque de tantas inquietações e verborragias trazidas por ela.

Imagino o quanto Mafalda se indisporia com o mundo em conexão e redes ditas sociais, os conflitos que ainda alimentam a fome imperialista americana e como direitos humanos continuam sendo violados. Não é mais só o Vietnã! Proliferaram países, guerras, lutas e motivações. Temos a Síria, Palestina, Croácia, Coréia, Irã, Iraque e por aí segue. Os pobres e desvalidos pela fome, pela guerra, pela discriminação de todas as ordens e faces (religiosas, étnicas, culturais, de gênero, sociais), doenças convertidas em verdadeiras epidemias aumentam dia a dia.

O planeta geme de muitas formas: há tempestades, tufões, furacões, tsunamis, secas prolongadas, queimadas. A política cada vez mais corrupta e sem limites éticos, morais, valores. Uma incompreensão sem fim.

Sim, é há a mídia. Agora não apenas impressa ou televisiva. Chega de todas as formas. Uma explosão de sentidos e significados, e a desinformação cada vez mais usada como tática para atingir seus fins.

Ao final das contas, ela tornou-se cinquentenária, mas quem ganhou o presente fomos nós! Afinal, Mafalda chegou numa bagagem trazida pelos adolescentes dos anos 70 e apresentada aos adolescentes atuais pelos sessentões de hoje. O ideário da personagem não envelheceu e se mantém tão moderno como quando foi apresentado pela primeira vez nos anos 70. As aspirações, angústias e questionamentos continuam os mesmos.

E aí vejo uma outra metáfora para a nossa Mafalda. O tempo pode ser sim generoso e estimulante. Basta simplesmente saber viver o seu tempo. O vigor não precisa ser por botox e outras plásticas, que em verdade só cuidam do que é externo. Sua juventude vem de uma mente sã, perspicaz, concatenada com a atualidade do seu tempo e suas complexidades.

Da minha parte, partilho com Mafalda a inquietude, questionamentos, politização com a existência e uma necessidade imensa de troca. Talvez por isso, goste tanto dos Grupos, de Debates e da escrita. Me dão combustível para alimentar e saciar minha sede por perguntas e busca de respostas. 

Assim sigamos, pensando, trocando e buscando argumentos e quicá consigamos a longevidade e perenidade de Quino e Mafalda: criador e criatura!

Parabéns!!!!

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Dica de Leitura:

Mafalda e a televisão: a comunicação de massa nos quadrinhos de Quino [link]

Mafalda e Quino [link]

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Publicado originalmente no Blog Pensados a Tinta

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Redação

4 Comentários

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  1. Mafalda foi uma das primeiras

    Mafalda foi uma das primeiras tirinhas latino-americanas que gostei. Tinha algumas outras, mexicanas principalmente.
    Mas para entender a ‘piada Mafalda’ por completo, precisaria entender um pouco da história do povo onde ela nasce. Como ele é. Se prestarmos atenção veremos que, tais piadas que chamamos infantis, são de um maniqueísmo pendular, que abstrai tudo quanto não é necessário, vai à essência. E por mostrar a essência acaba, quase que, nos mostrando a nudez do Rei. Ou a cara da guarnição enviada para prender o autor da peça grega no Tuca.
    Uma forma de crítica que até hoje continua sendo feita na Argentina, no Brasil e nos outros países latinos também. Apesar de ser ‘internacional’ os outros países latino-americanos aproveitaram muito mais a Mafalda, na sua essência, por sentirem ou até acharem que poderia haver uma Mafalda no ‘vencindário’ (o bairro). Nós passamos pelo que ela passou. Ou quase todos nós, a exceção da Costa Rica.
    Adorava ler a Mafalda, ainda tenho a coleção original, um dos poucos livros que trouxe comigo da adolescência.
    E sim Guille, os Beatles são tão clássicos quanto Beethoven, Satie ou Gomes e Lecuona.
    Viva Mafalda!
    Obrigado Eliana.

    Abs

  2. Niña esperta

    A Poesia,

    niña esperta,

    espontânea,

    sabida,

    verborrágica:

    sempre com

    muito a dizer.

     

    Por isso,

    deixo isto:

     

    ESCADA ROLANTE

    by Ramiro Conceição

     

    No sonhar do meu Jardim dos Castanhos, vi

    o Quixote, ante a sua Dulcineia del Toboso,

    a abandonar o seu pangaré…    Inocente.

    Mas, com uma nova bicicleta de carbono,

    começou a combater esses moedores, esses

    novos liquidismartphones AU entretenimento.

    Sancho?  Ora, como é de costume,

    ficou estático na escada rolante do

    Shopping Center.

     

     

    PS.: “Jardim dos Castanhos” é um livro que irei publicar.

     

  3. Suzanitas

    Infelizmente, estes tempos parecem estar mais para Suzanitas do que para Mafaldas.

    Tivesse Mafalda tomado suas sopas, talvez estivesse mais fortificada para a parada que está muito difícil para ela.

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