O país dos canalhas – Capítulo 24 – Aécio Neves e os subterrâneos do poder, por Sebastião Nunes

Colagem do autor sobre fotos diversas

O país dos canalhas – Capítulo 24 – Aécio Neves e os subterrâneos do poder

por Sebastião Nunes

Conforme narrei no capítulo 23, num belo fim de semana o deputado participou de uma dessas festanças que tornam tão deliciosa a vida dos poderosos em Brasília: muita bebida, muito sexo e muita droga.

Foi quando aconteceu o desastre: o deputado apagou.

Não era para menos: tinha bebido 10 doses de uísque, 12 taças de vinho, cheirado 11 carreirinhas de cocaína e transado com três mulheres: uma modelo, uma artista de televisão e, como sobremesa, a filha de um deputado do seu partido.

Acordou numa luxuosa suíte que não conseguiu localizar.

Levantou com a cabeça explodindo e abriu uma janela. Respirou o ar fresco do crepúsculo, pois era tarde e o dia acabava.

Uma fileira de carrinhos de mão passava entre as aleias do jardim. No da frente, pequenos sacos brancos, decerto cocaína recém-chegada (via-se no jardim um helicóptero parado). No carrinho seguinte, restos ensanguentados de um cidadão careca e gordo, que foram desovados, com blocos de cimento na cintura, no grande lago. Num terceiro, duas mulheres jovens, bonitas e desgrenhadas, que foram largadas peladas no gramado. Pareciam drogadas. Num quarto carrinho, outro cidadão ainda novo, vestido apenas de cueca, tinha um punhal enterrado no peito, um bloco de cimento amarrado na cintura, sendo igualmente desovado no lago. Era com certeza pelas desovas frequentes que o lago fedia tanto.

Muito lentamente chegou ao banheiro e vomitou até sentir que a cabeça deixara de rodar. Dentro da banheira vazia uma mulher nua e desconhecida dormia. Voltou para a cama e apagou de novo.

 

PESADELO FAMILIAR

Sonhou com a avó materna, que adorava quando criança. Ela estava no mesmo jardim, velhinha e enrugada, sorrindo para ele. Enquanto ela sorria, e ele a olhava pela janela, começou a desfilar entre eles enorme quantidade de carrinhos de mão recheados de crianças mortas. Não uma criança por carrinho, mas várias, amontoadas em pilhas, jogadas ao acaso como se não passassem de lixo.

Ela sorria, ele olhava, e os carrinhos de mão cheios de crianças mortas passavam sem parar. A maioria, ele reparou, era de crianças negras e mestiças bem pequenas, mas havia também crianças brancas, em menor quantidade.

A interminável procissão de carrinhos continuava até o lago, no qual as crianças eram despejadas como o lixo que eram, mas agora sem blocos de cimento. Nuas, caíam no lago e, de tão magras, só pele e osso, permaneciam flutuando, umas empurrando as outras, cobrindo aos poucos toda a superfície do lago. Urubus rondavam.

– Está vendo, meu neto? – perguntou a avó. São as crianças que você matou com sua indiferença, com sua ganância, com as propinas arrecadadas, com sua falta de olhos para ver o que se passava à sua volta, enquanto subia os degraus do poder.

– Não, minha avó – respondeu o deputado. – Eu não matei ninguém. Nunca matei ninguém.

A avó, sempre sorrindo, balançou a cabeça discordando.

O deputado soluçou. A avó desapareceu. O pesadelo acabou.

 

REVIRAVOLTA ÉTICA

O deputado entrou no banheiro e tomou uma ducha fria. Tremendo, deixou que a água o limpasse até que se sentiu livre da ressaca.

Voltou à janela. Os caminhos estavam vazios, apenas jardineiros trabalhavam entre as plantas. Nenhuma carcaça de criança no lago. Tinha sido um pesadelo.

O deputado lembrou então de Aécio Neves, que seguira carreira parecida com a sua. Mimado, de família rica, nunca fizera nada. Trepado nas costas do avô aprendeu todas as malandragens e subiu como foguete: virou deputado, conseguiu dezenas de parceiros para suas tramoias e se viu famoso, paparicado e governador.

Realmente é fácil, pensou. Quando a família é poderosa e dá uma mão, quando se tem padrinhos de peso, é fácil subir e impossível descer. Aconteceu com Aécio, está acontecendo comigo.

Num canto da parede ressurgiu a avó. Sorrindo.

Não vale a pena continuar, pensou ele. Posso até chegar a presidente, mas que tipo de presidente? Um Temer? Um canalha vendido?

Olhou para a avó, que continuava sorrindo.

– Obrigado, vó – disse ele em voz alta. – Acho que entendi.

Saiu do quarto, trancou a porta, e foi para casa. Daquele dia em diante mudou. Abandonou todas as comissões, minadas pela corrupção. Seus discursos despertavam ódio. Seus apartes, ferocidade.

Politicamente parecia um leproso. Até que não aguentou mais e largou até a família, como se fosse um eremita, como se fosse um Buda.

Virou mendigo. A aparência ainda era de rato, pois a aparência é a última que desaparece, mas tinha esperança de se tornar em breve um mendigo humano.

– Hoje tenho a consciência limpa, meu caro Marlowe – disse ele a nosso detetive encerrando sua história de rato mendigo. – Num país de canalhas, isso não tem preço.

No congresso, os outros ratos continuavam ditando as regras.

 

(Continua na próxima semana)

Sebastiao Nunes

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Não estava presente

    uma certa apresentadora, esposa do amigo do partido da massa cheirosa?

    Um fenômeno futebolista, parça do outro narigudo gavião?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador