o que restou
por Zê Carota
restaurante, almoço.
chega um casal, ela, desanimada, sugere que ele se sirva primeiro, enquanto ela vai garantir uma mesa.
entediado, ele nada diz, pega o prato, vai às gôndolas do self, serve-se, pesa, dirige-se à mesa que ela garantiu, bem à frente da minha, rente à parede, senta-se, diz “vai”, ela se levanta, vai.
servida, pesa o prato, volta à mesa, para por um segundo para responder “tudo indo” à vizinha que saudou-a de fora do recinto, senta-se, vê o homem chupar um osso de costelinha, respira quase fundo, começa a comer também.
ela tem modos elegantes, partindo ou juntando as comidas com vagar, o mesmo que mantém ao mastigar e repete a cada porção levada à boca, o que faz fitando a parede verde de alto a baixo, qual estivesse mergulhada num rio que, sereno na superfície, mas intenso nas profundezas, ela pudesse chamar irmão.
ele termina sua refeição, olha para ela tal como ela olha para a parede verde, detidamente, mas logo se pronuncia:
– vai ficar olhando pra parede o tempo todo?
– vou – rebate, lacônica, olhando a parede verde.
– divertido, né? – ele ironiza.
– não, Clayton, não é divertido, mas me acalma, ao contrário de quando a parede é você, ou seja, sempre.
– bom, desculpe atrapalhar, então, vou embora.
– obrigada.
ele se foi.
mergulhada na parede verde, ela continuou sua refeição.
só o que lhes resta de comunhão é o silêncio.
a pior forma de solidão é a dois.
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.