OAB-RJ age em defesa dos advogados em estatais contra abuso de autoridade

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Agência Brasil

Por Eduardo Sarmento

Da OAB-RJ

Em maio deste ano, a Comissão de Prerrogativas da Seccional atou na defesa de um grupo de advogados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que havia sido conduzido coercitivamente durante operação da Polícia Federal. A flagrante violação de prerrogativas na ocasião acendeu um sinal de alerta na OAB/RJ. Desde então, multiplicaram-se relatos de colegas que atuam em empresas estatais em relação a abusos cometidos, desde demissões injustificadas até perseguições políticas. Para o tesoureiro da Seccional e presidente da Comissão de Prerrogativas, Luciano Bandeira, a situação é grave e inspira os maiores cuidados. “Estamos acompanhando de perto, em um trabalho conjunto com a Comissão de Advogados Estatais [CAE], e não vamos esmorecer”, afirma.

Entre as prerrogativas violadas com mais frequência em empresas públicas estão o não pagamento de honorários e o estabelecimento de controle de ponto eletrônico para advogados. No entanto, muito do que acontece é feito de maneira velada, como explica o presidente da CAE, Ademar Arrais. “As empresas estatais vêm sendo vítimas de sucateamento. O processo, se não é novidade, intensificou-se de forma clara após a posse do atual presidente [da República, Michel Temer]. Atacar os advogados é a forma mais efetiva de enfraquecer as estatais e justificar a futura privatização, uma vez que um corpo jurídico forte contribui, por exemplo, com a luta contra a corrupção. É preciso mais política e menos politicagem”, enfatiza.

Dos casos atendidos pela Seccional nos últimos meses, o mais emblemático é o de João Paulo Leão, advogado concursado da Dataprev demitido após procurar a Comissão de Prerrogativas. A direção da estatal alega que ele fez acusações falaciosas, mas Leão conta que procurou ajuda após receber suspensão devido a uma falha em um procedimento interno de acompanhamento de prazos.

“O que aconteceu comigo foi absurdo. É mais do que normal procurar meu órgão de classe ao me sentir atingido. É preciso entender que, ainda que empregado, o advogado está sujeito ao Estatuto da Advocacia e ao Código de Ética e Disciplina. Continuamos tendo a independência que a legislação nos garante. Um advogado não pode fazer algumas coisas, mesmo que sob a ordem de seu empregador, assim como um médico, por exemplo”, considera.

Ao tomar conhecimento da iniciativa do funcionário junto à Comissão de Prerrogativas, a empresa optou por demiti-lo, o que gerou uma ação de reintegração, na qual a OAB/RJ tomou parte. Leão voltou ao trabalho em julho, devidamente indenizado por danos morais.

Leão explicou que, dentro do ambiente político que envolve as estatais, até mesmo colegas cometem abusos uns contra os outros. “A maior parte dos advogados empregados trabalha em empresas estatais. Como há um jogo de disputas internas, muitas vezes, para assumir um cargo gerencial o colega tem que agradar à diretoria e, para isso, emite até pareceres que sabe que estão errados. Pareceres políticos, antijurídicos”, conta.

Em outra situação ocasionada por problemas administrativos internos, mais um colega foi desrespeitado, desta vez Marcio Lemos, advogado da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). O caso envolve a responsabilização pelo não pagamento de indenização, pensão e prótese em favor de uma vítima de acidente, conforme ele esclarece. “Recebi a decisão judicial e tramitei com urgência para o imediato cumprimento. Fiz vários expedientes, até ser informado de que cumpririam a decisão judicial na forma determinada. Anos depois, a área de pensão localizou a pasta de documentos sem movimento físico posterior e verificou no sistema que durante esse período os valores não haviam sido pagos. Após inventarem questões para justificar o não cumprimento da decisão, ratifiquei que a mesma deve ser cumprida integralmente sem questionamento, e aí começaram meus problemas”, descreve. Depois de saber do caso, um dos gestores pediu a abertura de sindicância alegando que Lemos teria sido um dos responsáveis pela situação.

Segundo ele, a própria sindicância foi repleta de irregularidades. “Desrespeitaram o manual disciplinar da empresa, não me deram o contraditório e os sindicatos não foram notificados para assistência. A sindicância não apurou e não ouviu todas as chefias por onde tramitou o documento, não averiguou a última aparição da pasta com a falta de documentos do beneficiário, entre outras questões”, critica.

No mesmo sentido do posicionamento de Arrais, Lemos constata o sucateamento da estatal. “Na situação, é claro o problema de estrutura administrativa, sistemas falhos que impedem o empregado de trabalhar com precisão. São documentos com vários números de protocolo, falta de folhas, sumiço da pasta de documentos do beneficiário e outras questões”, enumera. Após sofrer rebaixamento de cargo e perda de remuneração, ele responde, atualmente, a processo administrativo.

Conflitos entre empregados concursados e contratados tampouco são incomuns dentro das empresas estatais. É o que acontece no Conselho Federal dos Representantes Comerciais (Confere), segundo a advogada Vanessa Oliveira. Ela reclama de situações que envolvem violações de prerrogativas, desrespeito à legislação e até assédio moral.

“Tudo é direcionado, acham que estamos ali para defender os interesses do gestor, e não do cidadão. Temos uma tremenda dificuldade de acesso a documentos, temas normais ao nosso trabalho não passam por nós, como licitações”, descreve. De acordo com Vanessa, advogados da confiança dos gestores são contratados sem concurso para cargos com nomenclaturas diversas. “É difícil até precisar quantos colegas trabalham lá, já que alguns entram como assessores da presidência e outros nomes”, detalha. Ela conta que, ao sugerir a criação de um portal da transparência, com o intuito de dar publicidade aos gastos, foi informada pelo presidente da empresa de que “tinha um espírito muito forte e deveria prestar concurso para o Ministério Público [MP]”.

Após alguns problemas no mesmo sentido e sem ter voz na empresa, Oliveira efetivamente levou ao MP algumas irregularidades que detectou. Ao tomarem conhecimento das denúncias, os gestores iniciaram uma série de represálias contra ela. “Chegaram a criar um ‘departamento’ para mim. Uma sala isolada dos demais funcionários, onde eu ficava sem ter atribuição alguma”.

Ademar Arrais considera que atitudes como essa são estratégias bem definidas para minar os departamentos jurídicos das empresas públicas. “A combinação de baixos salários com a falta de independência e poucos advogados para uma demanda excessiva é pensada com o único objetivo de enfraquecer nossa categoria”, afirma.

O procurador de prerrogativas da Seccional Ramon Teixeira acompanha todos os casos de perto e garante que a Ordem vai endurecer ainda mais seu posicionamento. Ele explica que o primeiro passo em todas as situações é oficiar à empresa pedindo esclarecimentos. Em seguida, cada caso tem uma medida específica a ser tomada. Segundo Ramon, apesar de serem mais comuns as denúncias referentes ao controle de ponto eletrônico e ao não pagamento de honorários aos advogados, com frequência cada vez maior surgem casos mais graves. “Os advogados estatais têm um papel fundamental. É preciso difundir a compreensão de que o profissional está ali para apontar erros, não para agradar os gestores. O compromisso do advogado estatal é com o cidadão”, diz.
 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

3 Comentários

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  1.  
    Entendo que o advogado é

     

    Entendo que o advogado é para a defesa da estatal ou órgão público, e não do cidadão.

    Defesa do cidadão é com a defensoria pública, enquando a defesa da sociedade cabe (ou cabia) ao ministério público. 

  2. Não bater ponto é prerrogativa?

    Fiquei chocado com isto: “estabelecimento de controle de ponto eletrônico para advogados”. Bater ponto é humilhante para advogados?

    1. Pelo o que eu entendi o

      Pelo o que eu entendi o controle de ponto eletrônico vem sendo utilizado para perseguir advogados, que precisam se ausentar para fazer audiências, despachar com magistrados e ainda tem que fazer as peças processuais dentro do prazo, independente do horário registrado no ponto. 

      Tanto que não fala em não ter controle de horário, fala em não ter controle eletrônico do horário. 

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