Ora, quem diria: a ministra Tereza Cristina prepara-se para viajar à Amazônia!, por Sebastião Nunes

– Sabe de uma coisa, Ricardo? – disse a ministra. Matar bicho, destruir floresta, desaparecer com índio, nada disso me incomoda. Chato mesmo é ter de viajar. Imagina só eu, no meio da floresta amazônica com joias e casaco de vison… pode isso?

Ora, quem diria: a ministra Tereza Cristina prepara-se para viajar à Amazônia!

por Sebastião Nunes

Enquanto Brasília pegava fogo e os condenados (os quatro Cavaleiros do Apocalipse, o escudeiro-Moro e os oito seguranças) marchavam penosamente pela floresta amazônica, elegantíssima senhora indagava de seu espelho mágico:

– Espelho, espelho meu, existe ministra mais elegante e bonita do que eu?

“Essa é fácil”, pensou o espelho, que era mágico mas não era bobo.

– Não, ministra. A senhora é a mais bonita e elegante!

Claro que o espelho tinha pensado na Dusmales Alves, aquela que atendia no ministério do… do… do quê mesmo? Mas não vacilou: a Dusmales era feia de doer, portanto, bingo! Nem precisava mentir.

Madame usava um casaco de vison legítimo, importado da Inglaterra, ao custo de 1.999 libras. Ajustado sob medida, possuía dois bolsos laterais, colarinho xaile, fechado por três grandes botões pretos. Comprimento: 150 cm. Largura do ombro: 42 cm. Largura do peito: 48 cm. Forro costurado nas axilas etc.).

Com as mãos na gola macia e gostosa, desfilava para cá e para lá, deliciando-se com a flexibilidade do agasalho, quando foi interrompida pelo mordomo paranaense:

– Perdão, ministra – disse ele, metido em elegante terno de pelo de cabra-da-caxemira. – Está a esperá-la o ministro do meio ambiente, que gostaria de trocar duas palavrinhas com a senhora.

– Para o que me quer o ministro Ricardo Salles? – indagou Tereza Cristina, ao mesmo tempo em que revoluteava em torno do espelho.

– Desconheço-o, ministra – disse castiçamente o mordomo, recolhendo as abas da madame, de modo a impedir que pudessem sujar-se nos móveis não muito bem espanados pela criada-de-quarto cearense.

– Faça-o entrar – concedeu Tereza Cristina, com um suspiro do mais legítimo tédio. – O que não tem remédio remediado está. E manda servir chá com torradas pela criada-de-mesa mineira.

 

ADENTRA O SENHOR MINISTRO

Adentrar é um verbo tão feio que deveria ser banido da língua portuguesa. Mas como aqui se trata de poder, tudo é válido, de vocabulário a porte quádruplo de arma.

Adentrou, portanto, o ministro.

No que adentrou, adiantou-se lépido, apressando-se em beijar a mão, recamada de joias, de tão augusta senhora, que sorriu satisfeita, enquanto um leve rubor de tesão tentava destacar-se na pesada maquiagem do rosto.

“Pois não é gostosão o Ricardo?”, pensou ela, do alto de seus 64 (quase 65) mal-amados anos. “Cabelos ondulados… Óculos redondos… Esse meio sorriso maroto… Meu Deus! Ainda perco a cabeça e abro as pernas qualquer dia desses!”

– Desculpe-me interrompê-la em seus afazeres, senhora ministra – declarou respeitosamente o recém-chegado, evitando encarar as rugas da senhora. E acrescentou, rindo: – Vison legítimo? Mas a ministra não tem pena dos bichinhos?

– Ora, ministro – ripostou Tereza Cristina. – Que diferença faz uns bichos a mais ou a menos? Pra que serve vison a não ser pra fazer casaco?

– Concordo, ministra – respondeu Ricardo Salles. – Foi para isso mesmo que o cavaleiro Messias nos nomeou ministros: pra acabar com florestas, rios, índios, negros, gays, meio ambiente. O Brasil será o paraíso da soja, do agrotóxico e da vaca!

– Sabe de uma coisa, Ricardo? – disse a ministra. Matar bicho, destruir floresta, desaparecer com índio, nada disso me incomoda. Chato mesmo é ter de viajar. Imagina só eu, no meio da floresta amazônica com joias e casaco de vison… pode isso?

– Tem razão, Cristina – concordou Ricardo. – Lugar de ministro é no ministério, botando pra foder. Quem viaja é assessor, técnico, gente do patamar de baixo.

– De pleno acordo, Ricardo. Ministro é pra brilhar, não pra se meter no mato!

Bateram na porta. A ministra mandou entrar. A criada-de-mesa mineira entrou e colocou na mesa, delicadamente, um bule de prata e uma travessa de torradas.

Com um derradeiro olhar de autoadmiração para o espelho, a ministra começou a servir o lanche ao distinto colega de destruição nacional.

Sebastiao Nunes

1 Comentário
  1. CUIDADO!
    “Bico calado, toma cuidado, que o homem vem aí.”

    Passaredo – Chico Buarque (no dia do seu niver, quis mas não pude fazer uma playlist ou uma homenagem, como agradecimento por esse semideus em forma de música, corpo e alma; mas me dei de presente, em sua homenagem, rs, uma corrente com uma clave de sol para marcar dia tão especial, e me vesti de verde e rosa para aproveitar o dia especial. Chico merece uma floresta em sua homenagem, tombada pelo patrimônio histórico, cultural e natural – que ele representa tão bem. Seu único defeito é ser geminiano, rs.)
    https://www.youtube.com/watch?v=pec2KWx2yJM

    Passarim – Tom Jobim
    https://www.youtube.com/watch?v=P6BihqBdBAA

    Sampa/SP, 23/06/2019 – 19:41

Comentários fechados.

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