Ora, quem diria! – a natureza resolveu se divertir com a babaquice humana, por Sebastião Nunes

Até que um dia, bocejando, entediado e levemente irritado, Odin, o pai de todos, chamou seus fiéis corvos Hugin e Munin e perguntou: – O que temos de malfeitos contagiosos no depósito das desgraças?

Ora, quem diria! – a natureza resolveu se divertir com a babaquice humana

por Sebastião Nunes

Milhares de aviões cruzavam os céus diariamente, transportando para cá e para lá milhões de turistas em busca de – do quê, mesmo? De preencher o oco da vida com babaquices variegadas. E torrando rios de dinheiro pelo mundo afora.

Enormes navios de vários andares zanzavam pelos mares levando milhões de turistas a cidades costeiras em busca de praias, cassinos, sexo barato, bebida farta, comida exótica e todo o resto que o dinheiro pode comprar.

Trens e ônibus de turismo trafegavam lotados em direção ao nada. Milhões de carros atravessavam estados, países e continentes levando milhões de criaturas ociosas em busca de diversão e de motivo para continuarem vivas.

Destruindo monumentos, destruindo paisagens, destruindo cidades, destruindo a natureza, destruindo tudo a ferro, fogo, curiosidade, falta do que fazer – e grana.

Até que um dia, bocejando, entediado e levemente irritado, Odin, o pai de todos, chamou seus fiéis corvos Hugin e Munin e perguntou:

– O que temos de malfeitos contagiosos no depósito das desgraças?

– Temos varíola de gente e varíola das vacas – respondeu Hugin.

– Mas a varíola é uma doença extinta – lembrou Odin.

– Extinta nada – retrucou Munin. – Sua fórmula está guardadinha, só esperando o momento de ressuscitar e botar pra quebrar.

– Ah – fez Odin, espetando o queixo na palma da mão direita. – Mas a varíola é uma doença terrível e já existe vacina contra ela. E a das vacas é um tanto devagar.

– Mas temos lepra, peste, tuberculose, dengue, HIV, Caxumba, todas firmes e fortes – declarou Hugin.

– E também Pólio, ébola, gripes variadas, malária e tétano – acrescentou Munin.

 

NÃO É NADA DISSO

Pouco satisfeito, Odin chamou as valquírias, suas filhas, que se ocupavam, como é sabido, de recolher guerreiros mortos em campos de batalha e conduzi-los ao Valhalla, para que fossem curados, consolados e paparicados.

– Minhas filhas – disse carinhosamente Odin, mas o que a boca dizia negavam os olhos. – Estou profundamente infeliz. Não suporto mais a babaquice humana.

– Mas a babaquice é privilégio humano, pai – disse a mais velha e sensata das valquírias, que era também profetisa e linda como a lua cheia –, nenhum dos outros animais é babaca. Só os humanos alcançam a babaquice. Isso será amplamente provado no futuro, por um tal Charles Darwin, colecionador de bichos e de plantas.

– Sei disso, minha filha – desculpou-se Odin. – Mas os humanos superaram tudo o que se pode imaginar em termos de estupidez, ganância, egoísmo, violência, maldade e ignorância. Tornaram-se absolutamente insuportáveis. É preciso parar com isso. Será preciso dar um basta definitivo. Para isso preciso de ajuda.

– Que tipo de ajuda, pai? – perguntou a mais nova e curiosa das valquírias, que era linda como o pôr-do-sol.

– Preciso de alguma coisa que os mantenham preocupados com a própria vida e assustados diante da possibilidade de morrer. Com Hugin e Munin, passei em revista nossa reserva de desgraças, mas nenhuma serve. Umas são terríveis demais, outras de fácil erradicação, principalmente levando em conta os recursos médicos de que dispõem os humanos atualmente. Recursos médicos para os ricos, é claro, pois os pobres que se fodam.

 

REMEDIANDO A BABAQUICE

– Que tal um vírus novo? – perguntou a segunda valquíria, a mais inteligente das três e bonita como a alvorada. – Podemos criar um vírus novo.

– Gostei da ideia – aprovou Odin. – Podemos criar um vírus novo, que preencha algumas condições: altamente contagioso, de rápida propagação, letal, mas não muito, e, principalmente, desconhecido até agora.

– Exatamente, pai – concordou a esperta valquíria. – Será um vírus capaz de manter os humanos acovardados, separados uns dos outros por medo de contágio, até que consigam criar uma vacina eficaz.

– Enquanto isso – e Odin esfregou as mãos satisfeito –, a natureza terá condições de se recuperar. Sem turismo, indústria e comércio predadores. Com um pouco menos de ignorância, maldade, violência, egoísmo, ganância e estupidez.

– Será assim mesmo – disse a valquíria mais velha. – Será assim que cidades, mares, rios, florestas, flora e fauna terão tempo de se recuperar. Ou, pelo menos, terão tempo de mostrar como seriam se mantidos limpos e bem cuidados.

Assim foi criado o coronavírus, que se espalhou pelo mundo inteiro e isolou os humanos em suas casas, como se estivessem condenados e presos.

(…)

Em vez de Odin, você pode escolher entre Zeus, Shiva, Jeová, D’us, Krishna, Kali, Têmis, Theom, Adonai, Shakti, Brahma, Vishnu ou qualquer outro dos milhões de deuses que existiram e existem. Ou pode chamar só de Natureza mesmo.

Sebastiao Nunes

4 Comentários

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  1. É óbvio que a gente não quer só comida nessa Sonífera Ilha mas também

    Panos et Circenses (Bozos)
    (Os Mutantes)

    Eu quis cantar minha canção iluminada de sol
    Soltei os panos sobre os mastros no are
    Soltei os tigres e os leões nos quintais
    Mas as pessoas na sala de jantar
    São ocupadas em nascer e morrer

    Mandei fazer de puro aço luminoso um punhal
    Para matar o meu amor e matei
    Às cinco horas na Avenida Central
    Mas as pessoas da sala de jantar
    São ocupadas em nascer e morrer

    Mandei plantar folhas de sonhos no jardim do solar
    As folhas sabem procurar pelo sol
    E as raízes procurar, procurar
    Mas as pessoas da sala de jantar
    Essas pessoas da sala de jantar
    Mas as pessoas da sala de jantar
    Mas as pessoas da sala de jantar
    São ocupadas em nascer e morrer
    Essas pessoas da sala de jantar
    Essas pessoas da sala de jantar
    Essas pessoas da sala de jantar
    Essas pessoas da sala

    Me passa a salada, por favor
    O pão, por favor, só mais um pedacinho

  2. Há coisas que precisam ser perdidas ou serem ameaçadas de perda a fim de que lhe demos o valor que realmente elas têm.

    Dá-se muito mais valor à saúde quando se está doente e muito mais valor aos alimentos quando se está com fome ou mais valor à pessoa amada quando ela se foi.

    Pode ser tarde demais, um dia a casa e a ficha do Toquinho caem.
    Deixa a garrafa por perto
    Pois vc pode estar certo que vai chorar

    St Victu’s Dance

    A versão da Banda Grega é tão sublime quanto a versão Black

  3. Devemos nos congregar nos templos para suplicarmos o auxílio de Deus contra Sars-Cov-2?

    Com a palavra, Jó:

    “Porventura receberemos de Deus apenas o bem que desejamos e não também o infortúnio que ele nos permite?”

    Portanto, $ilas, o Senhor também é Senhor do sábado. Não é preciso, portanto, fazer orações contra o Corona. Ele é vontade de Deus, segundo Jó.

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