Presente do indicativo, por Vasco Graça Moura

Depositphotos

Enviado por Felipe A. P. L. Costa

Presente do indicativo

Por Vasco Graça Moura [1]

 

entro na cozinha. ela está no meio dos legumes,

lava e enxuga folhas tenras de alface, endívias

de oblonga contextura, corta a cebola às

rodelas, pica um ramo de coentros,

hesita um pouco sobre o roquefort, é certeira no vinagre e no sal,

 

e prudente no azeite, o ovo cozido espera a sua vez e a

saladeira aguarda na mesa junto aos azulejos brancos.

ela procura os talheres de madeira na gaveta,

pede-me qualquer coisa, a lâmina reluz sobre a tábua, perto do pão.

a preparação da salada requer vários gestos precisos

 

e uma poética discreta nos brilhos frisados, nos

paladares, pela janela chegam os ruídos da rua,

campainhas de bicicleta, ressaltos de uma bola.

o cão dormita no sofá. uns versos populares comparam

os olhos dela a azeitonas pretas.

*

Nota

[1] Vasco [Navarro da] Graça Moura (1942-2014). Extraído do blogue Poesia contra a guerra, o poema acima foi publicado em livro em 1987.

Redação

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador