Sexo, drogas e literatura: Mário de Andrade, Drummond e os livros de colorir

  

 

” NÃO DEVEMOS REDUZIR MÁRIO DE ANDRADE À SUA SEXUALIDADE”, afirmou na Flip, essa semana, a professora da USP e crítica literária Eliane Robert de Moraes.

Sabe-se que toda a obra poética, narrativa, ensaística de Mário de Andrade- leitor de Freud-  é repleta de temas do erotismo. Assim em trechos de Macunaíma, produto de sua arte e das pesquisas que fez sobre folclore; ‘Amor e medo”, análise da concepção de amor de nossos poetas ultrarromânticos, do século XIX; em seus contos, tão modernos quanto novos para a época, O peru de Natal e principalmente no seu romance em “Amor, verbo intransitivo“, no qual fotografa a iniciação sexual dos rapazes paulistanos burgueses no início do século XX. 

Ocorre que o mercado editorial futricou, futricou, (a meu ver, aproveitando-se dessa onda moralista, retrógrada e policialesca dos últimos tempos em que todos querem olhar pelo buraco da fechadura a vida alheia para expô-la em praça pública , com notas complementares e edições revistas e ampliadas: com quem dorme um, o que fuma outro, o que bebe ainda outro, e banalizar o que de produtivo cada um traz como contribuição social, seja na literatura, nas artes plásticas, na dramaturgia e mais.) a fim de incrementar, aquecer a venda de livros do homenageado na FLIP em 2015. Resultado: vendas das obras de Mário de Andrade têm superado a onda dos “livros para colorir”.

Não sou coloridora de livros, embora tenha assistido a reportagens e lido artigos em que se aponta essa “tendência” do mercado editorial atualmente- quase um fenômeno. Sinal de tempos rasos, preconceituosos, produzidos por gente que não lê textos mais densos em linhas e em conteúdos, que critica uma produção escrita porque foi “escrita’ por quem fuma maconha, é alcoólatra, ou ainda, pasmem, por não ser conhecido.

Drummond, poeta tradicionalmente reconhecido por sua estética e seu conteúdo, sempre manteve, por exemplo, seus poemas eróticos escondidos, por saber o que ocorreria quando fossem divulgados, quem dirá se fossem publicados. Entregou-os, em confiança, ao genro, marido de sua filha, como se, em consignação moral. Foram publicados após sua morte apenas e, ainda assim, causaram e ainda causam aos mais pudicos (em 2015 !) certa indignação e repúdio. “O meu Drummond não é esse”, já ouvi. Como se poetas devessem ser assexuados.

Dessa forma, fosse hetero ou homossexual, ou tivesse qualquer orientação de gênero, o tabu do sexo- frustração da humanidade- sempre causou e causa desconforto em quem traz seu currículo oculto para as leituras. Conhecer a sexualidade de nossos autores, quanto a de todos os outros estrangeiros, em nada denigre o valor do que produziram. Ao contrário, pode desvelar seu aspecto humano, tornando-os ainda mais parecidos com a gente, dessacralizando-os, coisa que só gente muito atrasada costuma fazer com artistas em geral.

Sobre versos dos ultraromânticos, Casimiro de Abreu, por exemplo, M. de Andrade aponta que os poetas ” … transformavam a mulher, em seus versos, em anjo, virgem, criança, santa, denominações que como diz o autor “a excluem (a mulher) de sua plenitude feminina”. Esse “respeito à mulher” seria uma das facetas do medo do amor nos românticos, pois como relata Álvares de Azevedo numa carta ao amigo Luís Antonio da Silva Nunes em 1848, “às santas adora-se, mas não se ama”. O tema do “amar sem ser amado” é uma outra forma de manifestação do amor e do medo na poesia, através de que os rapazes “se afastam da experiência do amor, criando o amor irrealizável por ingratidão, não correspondência, infidelidade, e outras escapatórias assim” .

 

                                                                                                                                                

 

 

AMOR e MEDO

 

– “Meu Deus! que gelo! que frieza aquela!”

 Como te enganas! meu amor é chama

 Que se alimenta no voraz segredo,

 E si te fujo é que te adoro louco…

És bela – eu moço; tens amor – eu medo!…

 

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,

Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,

Das folhas secas, do chorar das fontes,

 Das horas longas a correr velozes.”

 

(Amor e medo, de Casimiro de Abreu)           

 

O título do ensaio de Mário de Andrade “Amor e medo” alude a este poema de Casimiro de Abreu, de mesmo nome, cujas primeiras estrofes são citadas pelo autor do ensaio. Nele, Mário trata do medo do amor nos poetas românticos brasileiros, especialmente no sentido do amor como realização sexual .Destaca o amor dos nossos românticos pela mãe e pelas irmãs, as mulheres proibidas para o sexo, e por isso idealizadas. Nenhum deles parece ter expressado com maior intensidade o “prestígio romântico da mulher” como criação sublime, divina e intangível como Álvares de Azevedo, segundo o autor. A prostituta aparece, consequentemente, como contraste relativamente àquela, como mulher desprezível.

Mário afirma, por exemplo, afirma que em Gonçalves Dias há uma fuga sintomática da realização do amor, chegando este, em sua poesia, a preferir morrer de amor do que encontrar sua realização, quando a amada lhe corresponde. a prostituta aparece em contraposição à mulher idealizada, superestimada dos românticos.

A questão da idealização da mulher e a impossibilidade da realização amorosa, nos poetas românticos, nos remete à poética do amor cortês surgida no sul e norte da França, estendendo-se até à Alemanha, abarcando os séculos XI, XII e início do século XIII. Na retórica do amor cortês, os trovadores exaltavam o amor à margem do casamento, pois o casamento significa apenas a união dos corpos, enquanto o ‘Amor’, o Eros supremo, é a projeção da alma para a união luminosa, para além de todo amor possível nesta vida. Eis porque o amor

 “… o amor à margem do casamento, pois o casamento significa apenas a união dos corpos, enquanto o ‘Amor’, o Eros supremo, é a projeção da alma para a união luminosa, para além de todo amor possível nesta vida. Eis porque o amor pressupõe a castidade (…) O amor pressupõe também um ritual: o domnei ou donnoi, vassalagem amorosa. O poeta conquistou sua dama pela beleza de sua homenagem musical. De joelhos, jura eterna fidelidade, tal como se faz a um suserano. Como garantia de amor, a dama oferecia ao seu paladino-poeta um anel de ouro, ordenava-lhe que se levantasse e beijava-lhe a fronte. Doravante, esses amantes estarão unidos pelas leis da cortesia: o segredo, a paciência, a moderação, que não são exatamente sinônimos de castidade, e sim de retenção… E, sobretudo, o homem será o servo da mulher .”

Já a personagem de Amar, verbo intransitivo, Fräulein, a professora, ainda que se sentisse ofendida pela explicação do Sr. Sousa Costa à sua esposa, de que estaria ali para satisfazer as primeiras “fomes amorosas” do rapaz, é também mulher da vida, aquela que iniciaria Carlos no amor sexual.

 

DRUMMOND e O AMOR NATURAL

 

 

 

AMOR — POIS QUE É PALAVRA ESSENCIAL

 

 

Amor — pois que é palavra essencial

comece esta canção e toda a envolva.

Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,

reúna alma e desejo, membro e vulva.

 

Quem ousará dizer que ele é só alma?

Quem não sente no corpo a alma expandir-se

até desabrochar em puro grito

de orgasmo, num instante de infinito?

 

O corpo noutro corpo entrelaçado,

fundido, dissolvido, volta à origem

dos seres, que Platão viu contemplados:

é um, perfeito em dois; são dois em um.

 

Integração na cama ou já no cosmo?

Onde termina o quarto e chega aos astros?

Que força em nossos flancos nos transporta

a essa extrema região, etérea, eterna?

 

Ao delicioso toque do clitóris,

já tudo se transforma, num relâmpago.

Em pequenino ponto desse corpo,

a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

 

Vai a penetração rompendo nuvens

e devassando sóis tão fulgurantes

que nunca a vista humana os suportara,

mas, varado de luz, o coito segue.

 

E prossegue e se espraia de tal sorte

que, além de nós, além da própria vida,

como ativa abstração que se faz carne,

a idéia de gozar está gozando.

 

E num sofrer de gozo entre palavras,

menos que isto, sons, arquejos, ais,

um só espasmo em nós atinge o clímax:

é quando o amor morre de amor, divino.

 

Quantas vezes morremos um no outro,

no úmido subterrâneo da vagina,

nessa morte mais suave do que o sono:

a pausa dos sentidos, satisfeita.

 

Então a paz se instaura. A paz dos deuses,

estendidos na cama, qual estátuas

vestidas de suor, agradecendo

o que a um deus acrescenta o amor terrestre.

 

 

A MOÇA MOSTRAVA A COXA

 

                                          Visu, colloquio

                                          Contactu, basio

                                              Frui virgo dederat;

                                                  Sed aberat

                                          Linea posterior

                                               Et melior

                                                    Amori.

                                                               (Carmina Burana)

 

A moça mostrava a coxa,

a moça mostrava a nádega,

só não me mostrava aquilo

— concha, berilo, esmeralda —

que se entreabre, quatrifólio,

e encerra o gozo mais lauto,

aquela zona hiperbórea, 

misto de mel e de asfalto,

porta hermética nos gonzos

de zonzos sentidos presos,

ara sem sangue de ofícios,

a moça não me mostrava.

E torturando-me, e virgem

no desvairado recato

que sucedia de chofre

à visão dos seios claros,

sua pulcra rosa preta

como que se enovelava,

crespa, intata, inacessível,

abre-que-fecha-que-foge,

e a fêmea, rindo, negava

o que eu tanto lhe pedia,

o que devia ser dado

e mais que dado, comido.

Ai, que a moça me matava

tornando-me assim a vida

esperança consumida

no que, sombrio, faiscava.

Roçava-lhe a perna. Os dedos

descobriam-lhe segredos

lentos, curvos, animais,

porém o máximo arcano,

o todo esquivo, noturno,

a tríplice chave de urna,

essa a louca sonegava,

não me daria nem nada.

Antes nunca me acenasse.

Viver não tinha propósito,

andar perdera o sentido,

o tempo não desatava

nem vinha a morte render-me

ao luzir da estrela-d’alva,

que nessa hora já primeira,

violento, subia o enjôo

de fera presa no Zôo.

Como lhe sabia a pele,

em seu côncavo e convexo,

em seu poro, em seu dourado

pêlo de ventre! mas sexo 

era segredo de Estado.

Como a carne lhe sabia

a campo frio, orvalhado,

onde uma cobra desperta

vai traçando seu desenho

num frêmito, lado a lado!

Mas que perfume teria

a gruta invisa? que visgo,

que estreitura, que doçume,

que linha prístina, pura,

me chamava, me fugia?

Tudo a bela me ofertava,

e que eu beijasse ou mordesse,

fizesse sangue: fazia.

Mas seu púbis recusava.

Na noite acesa, no dia,

sua coxa se cerrava.

Na praia, na ventania,

quanto mais eu insistia,

sua coxa se apertava.

Na mais erma hospedaria

fechada por dentro a aldrava,

sua coxa se selava,

se encerrava, se salvava,

e quem disse que eu podia

fazer dela minha escrava?

De tanto esperar, porfia

sem vislumbre de vitória,

já seu corpo se delia,

já se empana sua glória,

já sou diverso daquele

que por dentro se rasgava,

e não sei agora ao certo

se minha sede mais brava

era nela que pousava.

Outras fontes, outras fomes,

outros flancos: vasto mundo,

e o esquecimento no fundo.

Talvez que a moça hoje em dia…

Talvez. O certo é que nunca.

E se tanto se furtara

com tais fugas e arabescos 

e tão surda teimosia,

por que hoje se abriria?

Por que viria ofertar-me

quando a noite já vai fria,

sua nívea rosa preta

nunca por mim visitada,

inacessível naveta?

Ou nem teria naveta…

 

QUANDO DESEJOS OUTROS É QUE FALAM

 

Quando desejos outros é que falam

e o rigor do apetite mais se aguça,

despetalam-se as pétalas do ânus

à lenta introdução do membro longo.

Ele avança, recua, e a via estreita

vai transformando em dúlcida paragem.

 

Mulher, dupla mulher, há no teu âmago

ocultas melodias ovidianas.

 

 

A BUNDA, QUE ENGRAÇADA

 

A bunda, que engraçada.

Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

 

Não lhe importa o que vai

pela frente do corpo. A bunda basta-se.

Existe algo mais? Talvez os seios.

Ora — murmura a bunda — esses garotos

ainda lhes falta muito que estudar.

 

A bunda são duas luas gêmeas

em rotundo meneio. Anda por si

na cadência mimosa, no milagre

de ser duas em uma, plenamente.

 

A bunda se diverte

por conta própria. E ama.

Na cama agita-se. Montanhas

avolumam-se, descem. Ondas batendo

numa praia infinita. 

 

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz

na carícia de ser e balançar.

Esferas harmoniosas sobre o caos.

 

A bunda é a bunda,

redunda.

 

 

BUNDAMEL BUNDALIS

BUNDACOR BUNDAMOR

 

Bundamel bundalis bundacor bundamor

bundalei bundalor bundanil bundapão

bunda de mil versões, pluribunda unibunda

                      bunda em flor, bunda em al

                      bunda lunar e sol

                      bundarrabil

 

Bunda maga e plural, bunda além do irreal

arquibunda selada em pauta de hermetismo

                        opalescente bun

                        incandescente bun

meigo favo escondido em tufos tenebrosos

a que não chega o enxofre da lascívia

e onde

a global palidez de zonas hiperbóreas

concentra a música incessante

do girabundo cósmico.

 

Bundaril bundilim bunda mais do que bunda

bunda mutante/renovante

que ao número acrescenta uma nova harmonia.

Vai seguindo e cantando e envolvendo de espasmo

o arco de triunfo, a ponte de suspiros

a torre de suicídio, a morte do Arpoador

                  bunditálix, bundífoda

bundamor bundamor bundamor bundamor.

 

Fontes: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/85888/205737.pdf?sequence=1

https://prosaempoema.wordpress.com/2010/02/26/o-amor-natural/

imagens da internet

Redação

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  1. Mário de Andrade desbanca livros para colorir na livraria

      oficial da Flip

    Rodrigo Casarin
    Do UOL, em Paraty

    02/07/201513h01  – Rodrigo Casarin/UOL

    Interior da Travessa, livraria oficial da Flip

    Interior da Travessa, livraria oficial da Flip

     

    Logo em uma das entradas da Travessa, a livraria oficial da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), está uma imensa baia repleta de livros para colorir. São opções já bastante conhecidas do público, como “Floresta Encantada” e “Jardim Secreto”. Contudo, diferente do que está ocorrendo em outros pontos de venda, nos quais essas obras dominam a relação dos mais comercializados, no principal evento de literatura do país os números desses títulos são mais modestos.

    No primeiro dia de Flip, apenas oito unidades de “Jardim Secreto” e quatro de “Floresta Encantada” foram vendidas. “Percebemos que a febre deu uma baixada. Esses livros já não vendem tanto quanto há dois meses. Isso já melhorou”, diz Guta Magalhães, gerente da Travessa.

    Dos cinco livros mais vendidos na livraria até aqui, dois são de Mário de Andrade, o homenageado desta edição da festa e tema da mesa de abertura que aconteceu ontem:  “Box de Mário de Andrade” (19 unidades) e “O Melhor de Mário de Andrade” (15 unidades). Os outros são “Gomorra” (17 unidades), de Roberto Saviano, jornalista que cancelou sua ida à Flip, “Micróbios” (15 unidades), do argentino Diego Vecchio, que nesta quinta (2) divide uma mesa com o bósnio Sasa Stanisic, e “Brasil, Uma Biografia” (13 unidades), de Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Starling.

    Objetos oficiais da festa, como canetas, cadernetas, lápis e sacolas também vêm tendo uma boa saída. No entanto, segundo a gerente, as vendas do primeiro dia deste ano foram 25% menores se comparadas ao dia de abertura de 2014. Apesar disso, Guta não se queixa. “Foi bom até, nós achávamos que iria ser pior”.

     

     

  2. Elegia

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=ICJugjDnq0I%5D

    ELEGIA

    Deixa que minha mão errante adentre
    atrás, na frente, em cima, em baixo, entre
    Minha América, minha terra à vista
    Reino de paz se um homem só a conquista
    Minha mina preciosa, meu império
    Feliz de quem penetre o teu mistério
    Liberto-me ficando teu escravo
    Onde cai minha mão, meu selo gravo
    Nudez total: todo prazer provém do corpo
    Como a alma sem corpo, sem vestes
    Como encadernação vistosa
    Feita para iletrados, a mulher se enfeita
    Mas ela é um livro místico e somente
    A alguns a que tal graça se consente
    É dado lê-la

    Eu sou um que sabe, um…

    Compartilhado por JNS e reproduzido aqui, com meus agradecimentos a ele por me apresentar a esta peça belíssima. Este é um exerto, usado livremente para a canção, do poema de John Donne – Elegia (tradução de Augusto Campos).

    John Donne (1572-1631)  Poeta inglês, nascido em Londres, de formação católica e posteriormente anglicana, John Donne viveu e representou em seu estilo o maneirismo vigente à época-ponte entre a extinta renascença e a nova ortodoxia na forma do barroco-utilizando-se em suas obras-poesias e poemas-teatralidade, movimento, linguagem coloquial e direta cheia de ironia, trocadilho, paradoxo, sensualidade, de predominância de palavras monossilábicas, poucos adjetivos, de métrica não convencional e qualidades sonoras (rimas, assonâncias, aliterações).

    Quando vivo sua obra circulou apenas em manuscritos fazendo um relativo sucesso, e vindos a se tornarem públicos em 1633, dois anos após a sua morte.

    Fonte: http://sonsepoesias.blogspot.com.br/2010/12/john-donne-elegia-indo-para-o-leito.html

    1. Mário e a sensualidade pretendida

      Vestida de Preto

      Mário de Andrade

      Tanto andam agora preocupados em definir o conto que não sei bem se o que vou contar é conto ou não, sei que é verdade. Minha impressão é que tenho amado sempre. Depois do amor grande por mim que brotou aos três anos e durou até os cinco mais ou menos, logo o meu amor se dirigiu para uma espécie de prima longínqua que freqüentava a nossa casa. Como se vê, jamais sofri do complexo de Édipo, graças a Deus. Toda a minha vida, mamãe e eu fomos muito bons amigos, sem nada de amores perigosos.

      Maria foi o meu primeiro amor. Não havia nada entre nós, está claro, ela como eu nos seus cinco anos apenas, mas não sei que divina melancolia nos tomava, se acaso nos achávamos juntos e sozinhos. A voz baixava de tom, e principalmente as palavras é que se tornaram mais raras, muito simples. Uma ternura imensa, firme e reconhecida, não exigindo nenhum gesto. Aquilo aliás durava pouco, porque logo a criançada chegava. Mas tínhamos então uma raiva impensada dos manos e dos primos, sempre exteriorizada em palavras ou modos de irritação. Amor apenas sensível naquele instinto de estarmos sós.

      E só mais tarde, já pelos nove ou dez anos, é que lhe dei nosso único beijo, foi maravilhoso. Se a criançada estava toda junta naquela casa sem jardim da Tia Velha, era fatal brincarmos de família, porque assim Tia Velha evitava correrias e estragos. Brinquedo aliás que nos interessava muito, apesar da idade já avançada para ele. Mas é que na casa de Tia Velha tinha muitos quartos, de forma que casávamos rápido, só de boca, sem nenhum daqueles cerimoniais de mentira que dantes nos interessavam tanto, e cada par fugia logo, indo viver no seu quarto. Os melhores interesses infantis do brinquedo, fazer comidinha, amamentar bonecas, pagar visitas, isso nós deixávamos com generosidade apressada para os menores. Íamos para os nossos quartos e ficávamos vivendo lá. O que os outros faziam, não sei. Eu, isto é, eu com Maria, não fazíamos nada. Eu adorava principalmente era ficar assim sozinho com ela, sabendo várias safadezas já mas sem tentar nenhuma. Havia, não havia não, mas sempre como que havia um perigo iminente que ajuntava o seu crime à intimidade daquela solidão. Era suavíssimo e assustador.

      […]

      Continue lendo aqui: http://www.releituras.com/marioandrade_vestida.asp

    1. Mário e Rachel chegaram por aqui de noitinha pra cantarolar

      o Brasil.

      Que linda contribuição, Luciano.

      Por meses, dei um curso na Casa de Mário de Andrade, na rua Lopes Chaves, em São Paulo.

       

            

       

       

       

      Inclusive no quarto em que dormira. As sensações eram particulares, visto que conversávamos sobre literatura e cultura brasileiras.

       

       

      Por muitas daquelas tardes e noites, imaginava Mário ali, deitado.

       

       

      Depois, na parte de baixo, que a casa é um sobrado, imaginava-o escrevendo em sua escrivaninha, por vezes citada nos poemas.

       

        

       

      Na sala , ora reformado o piso e pintadas as paredes, imaginava-o recebendo alguns companheiros, tocando piano e CANTANDO.

       

        

       

      Eis que você completa a cena imaginária e o traz para cantar para nós.

      ARLEQUINAL !!!

      E A SEXUALIDADE DE MÁRIO ?

      O que temos a ver com ela?

      NADA !

       

       

  3. Cadernos

    Odonir, acho que é a primeira vez que discordo de você. Não em relação ao grande Mario de Andrade. Mas tenho visto tantas críticas aos “livros de colorir” como se eles fossem concorrentes da literatura. Talvez o nome engane e melhor seria serem chamados de “cadernos de colorir”. Em resumo, o que quero dizer é que ninguém que goste de ler vai trocar um bom livro pelos lápis de cor. São coisas diferentes. Uma é LITERATURA e a outra uma brincadeira, um instrumento lúdico de voltar à infãncia e relaxar, sei lá. Se com isso as editoras estão ganhando muita grana a ponto de poderem investir em títulos interessantes, melhor ainda! Bom domingo.

     

    1. Entendi, Emma

      Mas é um objetivo para eles. Não precisa concordar não.

      Eu não gosto deles. Peguei-os outro dia nas mãos em um supernercado daqui, olhei, olhei, ia dá-los de presente a uma prima acamada que nunca leu os outros livros que lhe enviei de SP, por correio, ou até fui a lançamentos para pedir que lhe fizessem dedicatórias nos livros. Nada.

      Aí pensei melhor e devolvi os “de colorir” à gôndola.

      Ademais, creio que existam outros trabalhos que relaxem bastante também. E falo até de trabalhos manuais mesmo.

      Além de outras atividades  que relaxam bastante também !

      E não enriqueçam editoras.

      Mas é ponto de vista.

      Obrigada pelo seu comentário, Emma. 

  4. Drumonndavara é “ô Melhor”

                 Bom é assim: sem larga me deixa e sem mimimi

                

                  Vai a penetração rompendo nuvens

                  e devassando sóis tão fulgurantes

                  que nunca a vista humana os suportara,

                  mas, varado de luz, o coito segue.

    1. Então, jns, a vida é simples. Quem complica é o homem e a mulher

      Enquanto a frustração da humanidade for o sexo, mais que tudo, ver-se-á o ato de se fazer amor como algo regrado, policiado, documentado, religioso e cheio de mil outros adjetivos, também nomeados pelas instituições.

      Xico Sá outro dia escreveu uma frase, alegando pertencer ao artista pernambucano Fernando Peres, que ele vira em uma camiseta: “Deu é amor “. Essa afirmação pode, por incrível que pareça, em 2015, chocar, causar polêmicas, entretanto falava o artista plástico de um conceito de amor, que Drummond aborda aqui nesses versos, por exemplo.

      O resto me parece ser muita religião. E como dizia meu terapeuta querido Roberto Freire “SEM TESÃO NÃO HÁ SOLUÇÃO”.

  5. Pois é, cada dia que passa e leio e escuto

    mais absurdos moralistas e reacionários, fico com a impressão de viver tempos medievais, para citar um ministro do STF…

  6. Mais Drummond

    O MINUTO DEPOIS

     

    Nudez, último véu da alma

    que ainda assim prossegue absconsa.

    A linguagem fértil do corpo

    não a detecta nem decifra.

    Mais além da pelo, dos músculos,

    dos nervos, do sangue, dos ossos

    recusa o último contato,

    o casamento floral, o abraço

    divinizante da matéria

    inebriada para sempre

    pela sublime conjunção.

     

    Ai de nós, mendigos famintos:

    Pressentimos só as miglhas

    desse banquete além das nuvens

    contingentes de nossa carne.

    E por isso a volúpia é triste

    um minuto depois do êxtase.

     

    Um abação para todos.

    1. “inebriada para sempre pela sublime conjunção.”

      “E por isso a volúpia é triste

      um minuto depois do êxtase.”

       

      Lindas imagens, Lenita.

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