Um cego, por Jorge Luis Borges

Enviado por Gilberto Cruvinel

Um cego

Jorge Luis Borges

tradução de Augusto de Campos

.

Não sei qual é a cara que me mira
Quando olho minha cara em um espelho;
Em seu reflexo não sei quem é o velho
Que me olha com cansada e muda ira.

.

Lento na sombra, com a mão exploro
As invisíveis rugas. Eis que assoma
Um lampejo. Vislumbro a tua coma *
Que hoje é cinza ou ainda é de ouro.

.

Repito que perdi unicamente
A aparência superficial das cousas.
O consolo é de Milton e é potente,

.

Mas penso nas palavras e nas rosas.
Penso que se pudesse ver-me a cara
Saberia quem sou na tarde rara.

.

Un ciego

.

No sé cuál es la cara que me mira
Cuando miro la cara del espejo;
No sé qué anciano acecha en su reflejo
Con silenciosa y ya cansada ira.

.

Lento en mi sombra, con la mano exploro
Mis invisibles rasgos. Un destello
Me alcanza. He vislumbrado tu cabello
Que es de ceniza o es aún de oro.

.

Repito que he perdido solamente
La vana superficie de las cosas.
El consuelo es de Milton y es valiente,

.

Pero pienso en las letras y en las rosas.
Pienso que si pudiera ver mi cara
Sabría quién soy en esta tarde rara.

.

* coma: cabelo crescidogrande

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  1. BORGES, Jorge Luis. Quase Borges. 20 poemas e uma entrevista. Traduções de Augusto de Campos. São Paulo: Terracota, 2013.

 

  1. publicado no Facebook de Elizabeth Lorenzotti

 

 

Redação

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  1. Jorge Luis Borges – O Punhal

    Borges poeta, é excelente, contista, soberbo.

    O Punhal

    Numa gaveta há um punhal. Foi forjado em Toledo, em fins do século passado; Luis Melián Lafinur deu-o a meu pai, que o trouxe do Uruguai; Evaristo Carriego teve-o uma vez na mão. Os que o vêem têm de brincar um pouco com ele; percebe-se que a muito o buscavam; a mão se apressa em apertar o punho que a espera; a lâmina obediente e poderosa folga com precisão na bainha. O punhal outra coisa quer. É mais que uma estrutura feita de metais; os homens o pensaram e o formaram para um fim muito preciso; é, de algum modo, eterno, o punhal que na noite passada matou um homem em Tacuarembó, e os punhais que mataram César. Quer matar, quer derramar brusco sangue. Numa gaveta da secretária, entre borradores e cartas, interminavelmente sonha o punhal seu singelo sonho de tigre, e a mão se anima quando o dirige porque o metal se anima, o metal que em cada contato pressente o homicida para quem os homens o criaram. Às vezes, dá-me pena. Tanta dureza, tanta fé, tanta impassível ou inocente soberba, e os anos passam, inúteis. 
    (Borges, Jorge Luís, Nova antologia pessoal, São Paulo: Difel. 1986)

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