Enviado por Felipe A. P. L. Costa
Uma joia violeta rara
por F. Ponce de León
Se o conteúdo do livro 26 poetas hoje (Aeroplano, 2001, 4ª ed.; a 1ª ed. apareceu em 1976), organizado por Heloísa Buarque de Hollanda, é uma amostra representativa da poesia que prosperou nos anos 1970 (a chamada ‘poesia marginal’), arrisco dizer que alguns dos nomes mais interessantes ali presentes são pouco ou nada conhecidos do público. É bom lembrar que vários autores estão vivos e em plena atividade.
Entre os nomes que mereceriam maior destaque citaria os de Zulmira Ribeiro Tavares (autora, por exemplo, de ‘Um estado muito interessante’ e ‘Meio metro’) e Isabel Câmera (‘Lençóis’). Todavia, se tivesse de escolher o ‘melhor’ poema da coletânea, talvez ficasse com este:
SONHO DO VESTIDO VIOLETA
Vera Pedrosa
Descobri o cadáver muito mais tarde
no meio de uma viagem.
Passava por regiões
de passado futuro
o trem atacado por índios atarefados
ruínas negras de megalópolis de concreto.
E tendo achado o cadáver
soube que me haviam enterrado
com meu vestido de seda violeta
um vestido precioso anunciador
da precognição da morte.
Então determinei
que desencarnassem o cadáver
e enterrassem a ossada límpida, polida
numa cova de terra úmida
enquanto a multidão de índios
sem real perigo
cercava o cemitério
mas depois se dedicava à tarefa muito mais séria
de destroçar as vigas que sustentavam nosso teto.
E mais: em termos comparativos, ouso dizer que a ‘vaga’ que caberia a esta pequena joia rara em coletâneas mais recentes, tais como Os cem melhores poemas brasileiros do século (Objetiva, 2001), organizada por Ítalo Moriconi, e Os cem melhores poetas brasileiros do século (Geração, 2004, 2ª ed.), organizada por José Nêumanne Pinto, foi imerecidamente ocupada por outros poemas (e seus autores).
[Nota: F. Ponce de León organizou e publicou Poesia contra a guerra (2015), coletânea de 100 poemas extraídos do blogue homônimo; para detalhes, inclusive sobre a aquisição por via postal, ver aqui.]
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