Visitando um megahipermercado virtual sociopolítico no ano de 2099, por Sebastião Nunes

Colagem de autor sobre imagens de manequins

Visitando um megahipermercado virtual sociopolítico no ano de 2099

por Sebastião Nunes

Minha boneca da Emma Watson parou de funcionar. Inerte na cama, fez com que eu me sentisse viúvo. Desesperado, telefonei para o centro de manutenção da Apple na Califórnia, mas tudo o que consegui foi o telefone da revenda em São Paulo.

Liguei para lá.

– Minha boneca da Emma Watson parou de funcionar – disse eu. – Não fala, não anda, não toma banho, não cozinha, não lava, não passa, não beija, não trepa, não faz nada. Até parece uma daquelas bonecas japonesas vendidas em 2017. Que devo fazer?

– Infelizmente, meu caro senhor, as peças de reposição de sua boneca deixaram de ser fabricadas. Mas tenho ótimas notícias.

E antes que eu abrisse a boca continuou:

Os novos chips desenvolvidos no Vale do Silício, e que acabam de ser lançados mundialmente, clonam com absoluta fidelidade qualquer pessoa de qualquer época.

– Gostei. Posso ver uma demonstração?

– Basta acessar nosso megahipermercado virtual sociopolítico. Uma visita de 10 minutos sai por US$ 10,000.00. Antes o senhor precisa se cadastrar. O pagamento é antecipado e pode ser feito por cartão de crédito.

– E se eu não gostar? Recebo meu dinheiro de volta?

– Claro que sim. Nosso lema é satisfação garantida ou seu dinheiro de volta. Ou o senhor pensa que isto aqui é o Brasil?

 

O AMOR FICA PARA DEPOIS

Fiz o cadastro, inseri login e senha, passei os dados do cartão, concordei com os termos do novo contrato, esperei a confirmação e, tudo pronto, lá fui eu.

Fantástico! Mesmo com todas as novidades reais e virtuais surgidas de 2025 para cá, eu mal acreditava nos meus olhos.

A princípio fiquei preocupado: só havia, num expositor comum, bonecos tipo manequim: rosados, pelados, sem cabelos ou órgãos sexuais. Só aquela textura suave de plástico fosco, imitando pele de branco. Você não queria que num país de brancos como o Brasil os manequins fossem negros, queria? Ora, deixa de ser besta!

Enfim, continuo este relato fidedigno. Logo apareceu um painel multifuncional em volta dos manequins, com dezenas de frases, nomes e teclas.

Imediatamente, um demonstrador, vestido como apresentador de programas de auditório, passou a explicar ao vivo e em cores, diretamente para mim, como se eu fosse o único espectador naquele espetáculo multimídia:

– Veja que maravilha, meu caro senhor. Bonecos aparentemente banais podem ser transformados em qualquer pessoa que o senhor deseje. Basta escolher um nome ou uma frase no painel, apertar a tecla correspondente e, em seguida, apertar de novo para confirmar. Pronto para a demonstração? Então faça sua escolha e confirme.

Passei os olhos pelo painel e, entre centenas de nomes de políticos conhecidos e milhares de frases, uma sugestão me despertou interesse imediato.

Dizia: O MAIOR CANALHA DO BRASIL EM 2017

Oba! Embora houvesse muita escolha interessante, talvez até em excesso, não perdi tempo: apertei a tecla com entusiasmo.

Imediatamente todas as luzes se apagaram, exceto a que iluminava os bonecos. Então começou a mais espantosa transformação que eu já tinha visto.

Logo que as luzes se apagaram atacou o pagode de maior sucesso no momento, cantado por uma dessas baianas famosas. Ao lado dos bonecos, rebolavam, frenéticas e enlouquecidas, dezenas de garotas em trajes sumaríssimos, iluminadas por focos pisca-piscantes de luzes coloridas. Mas assim que eu via uma gostosona e fixava nela meu olhar cobiçoso, a luz se deslocava para a garota seguinte, ainda mais gostosa que a precedente. E assim sucessivamente. Que Emma Watson que nada!

Foi quando o apresentador me alertou:

– Não seja tarado, meu caro senhor. Lembre-se de que pagou US$ 10,000.00 por uma visita de 10 minutos, e não para se comportar como um telespectador idiota de programas tipo Huck ou Faustão. Confirme sua escolha.

Senti o rosto vermelho de vergonha e balbuciei:

– Desculpe, senhor.

E apertei de novo a tecla correspondente à frase O MAIOR CANALHA DO BRASIL EM 2017, confirmando minha escolha.

As dondocas sumiram como por encanto. Fez-se súbito e absoluto silêncio. E aos poucos, vi formar-se uma figura humana completamente vestida, de terno, gravata, bem penteado, bem barbeado…

Adivinhe de quem era a cara?

Pois lá estava, igualzinho da silva, o golpista-mor, Michel Temer!

Infelizmente, a imagem desfez-se quase que no mesmo instante, sendo sucedida, como num caleidoscópio, por Aécio Neves, Joseph Serra, Moreira Franco, Gilmar Mendes, Eduardo Cunha – enfim, centenas de rostos, em rápida sucessão, perfeitamente identificáveis, porém em tão veloz sucessão que me senti aturdido e perplexo.

Quase a ponto de desmaiar, ouvi tremenda explosão, seguida por violentíssimo incêndio que destruíram em poucos segundos o apresentador, o painel, as garotas e o megahipermercado virtual.

Logo em seguida meu telefone tocou. Atendi e uma voz me disse:

– Desculpe, senhor. Infelizmente a demonstração fracassou. Nossos cientistas descobriram que, entre todas as escolhas possíveis, o senhor selecionou uma das poucas impossíveis de completar. Seu pagamento será devolvido.

– Quer dizer – perguntei atarantado – que não é possível clonar o maior canalha do Brasil?

– Infelizmente não, senhor, pelo menos por enquanto. Nossos cientistas, os melhores do Vale do Silício, ainda não conseguiram identificar, entre milhares de canalhas brasileiros, o maior de todos.

– Mas vocês não têm um banco de dados sofisticadíssimo?

– Temos, senhor. Mas é que, no Brasil de 2017, a cada dia apareciam tantos canalhas novos que, embora a atualização fosse feita dia a dia, nunca conseguimos cadastrar todos. Estamos tentando fazer a atualização minuto a minuto. Se quiser tentar outra demonstração, fique à vontade.

Sebastiao Nunes

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