A maquiagem verde da Prefeitura do Recife

 

Do  blog Direito Urbanos I Recife

Por: Felipe Melo / Departamento de Botânica da UFPE

Prof. Felipe Melo

Políticas ambientais são instrumentos importantes para a gestão pública. A Prefeitura do Recife sabe disso, mas o esforço de criar uma política municipal para o assunto esbarra na inabilidade (para usar um eufemismo delicado) técnica e na falta de preparo e/ou intenção para diálogo com a sociedade.

Atualmente duas coisas unificam qualquer governo na questão ambiental. A primeira é a unanimidade, assim como é unânime ser contra a corrupção, todos são a favor do meio ambiente. A outra é que assim como na questão da corrupção, todos são incompetentes e/ou coniventes no trato com as questões ambientais. Agora, a Prefeitura da Cidade do Recife – PCR teve a maravilhosa ideia de criar uma política ambiental municipal. Bom demais, afinal muitas decisões são tomadas no nível municipal e uma política adaptada às questões locais pode ser de fato muito útil. Acontece que as coisas já começaram erradas, não sei se por incompetência (o que seria melhor, pois preserva a boa intenção) ou por conivência com os processos que agridem o meio ambiente no Recife.

No último dia 03 de outubro a secretaria de meio ambiente e sustentabilidade promoveu uma reunião, praticamente sem divulgação para apresentar um projeto de lei (PL) intitulado originalmente de Política de Sustentabilidade e Mudanças Climáticas. Compareci representado o DU a esta reunião e a primeira coisa que noto é que o nome do PL denota que vamos controlar por lei as mudanças climáticas. Além disso, outras bizarrices como “premiar personalidades” por práticas ambientalmente sustentáveis e confundir ilhas de calor geradas pela urbanização com efeitos de aquecimento global recheiam o rascunho do PL. Depois de uma hora de atraso começamos a reunião com a prefeitura colocando a “agenda” do PL, que depois daquela manhã, onde colheria sugestões seguiria já para os finalmentes porque a agenda era apertada e queriam aprovação ainda esse ano deste PL. Estranhei a pressa. Em seguida um consultor do MMA apresentou um projeto de quantificação das emissões de gases de efeito estufa para os eventos da Copa 2014 e somente às 11:00 nos apresentaram o PL projetando-o na parede do auditório. Não distribuíram o texto entre os participantes. Minha primeira impressão era de que o projeto me parecia ousado e afetava todos os aspectos do funcionamento da prefeitura e tinha efeitos inclusive sobre o setor privado pois ao prever um inventário das emissões da cidade e a criação de metas de redução, toda a sociedade deveria, em tese, dar sua contribuição. Numa rápida intervenção solicitei mais participação popular e de especialistas na elaboração do PL e pedi que mais reuniões fossem agendadas. De plano aceitaram ressaltando que mesmo com mais reuniões, queriam finalizar o processo ainda este ano. Nova reunião agendada para o dia 16 de outubro, recebi o PL por email para dar contribuições até o dia 14, fiz as minhas, chamando atenção às graves falhas na sua elaboração e pedindo mais calma para gerar uma boa lei.

Depois de muitos problemas de comunicação e repetida a falta de informação precisa, chego como mais dois desavisados com 5 h de antecedência, às 9:00 para uma reunião que começaria às 14:00. Agruras à parte, exercitei o controle da raiva e esperei a reunião que só começou as 14:45, sem pauta, sem conhecimento de nossas contribuições, sem que ninguém fizesse uma reflexão acerca das modificações sugeridas, sem método algum. A dinâmica (sic) foi formar três grupos aleatórios para discutir por 40 min e um relator para cada grupo apresentar as contribuições. Um verdadeiro caos, incompetência e falta de preparo. Estava ficando claro para mim que a intenção da prefeitura não é colher boas opiniões, mas fazer o teatro da consulta popular para referendar uma proposta mal elaborada, que não traz nenhuma contribuição efetiva à gestão do meio ambiente no Recife e servirá mais como troféu eleitoral num momento que coincidentemente (será?) o PSB, que governa o Recife, recebe o maior ícone político nacional pela causa ambiental, Marina Silva, para formar chapa com Eduardo Campos. Saí da reunião com a certeza de que além da flagrante incompetência da PCR em elaborar e conduzir a discussão acerca de um PL desta importância, pode haver uma razão eleitoral na pressa em aprovar esse PL pois vai figurar no portfolio do PSB, dando-lhe uma suposta “coerência ambiental” que servirá para ofuscar a verdade concreta (em todos os sentidos) que está diante de nossos olhos. Uma cidade que é planejada pelas empreiteiras agora quer ter uma política ambiental de qualidade equivalente aos edifícios de cimento efervescente que elas constroem nas periferias do Recife.

Portanto, se a PCR quer realmente fazer algo decente com impactos certos, mensuráveis, realistas e efetivos para a gestão ambiental da cidade de Recife, convido os responsáveis à humildade de reiniciar o processo que pode sim, mobilizar uma parcela importante da sociedade com conhecimento e interesse genuíno nos avanços que eventualmente resultem de uma boa política municipal para o meio ambiente.

Destaco os principais problemas do PL:

  1. Falta de consulta com especialistas: Ainda que sustentabilidade e gestão ambiental sejam termos laxos e que seja possível encontrar em qualquer esquina “especialistas” no tema, a consulta com pessoas e entidades ligadas de fato às questões ambientais só tem a contribuir para a elaboração de um bom PL. Do contrário, confunde-se ilhas de calor geradas por urbanização com efeitos do aquecimento global, acredita-se que arborização urbana sequestra carbono e emprega-se termos esquisitos como “ecoeficiencia energética”. Claro que nenhum especialista de verdade foi consultado para dar nem um pitaco na elaboração desse PL.
  2. Falta de objetivos claros: O PL tem nada mais nada menos que 10 objetivos, que somados e aplicados em lei criariam a Disneylândia dos ambientalistas, afinal Recife adotaria entre outras coisas fofas, o princípio do “R” com respeito aos resíduos, educação ambiental, planejamento e controle da ocupação do solo (do pouco que ainda resta?)… só faltava promover o amor à natureza. Parece coisa de criança, sério mesmo.
  3. Metas: Talvez a única coisa que se salva no PL, pois menciona explicitamente que se fará um inventário de emissões de GEE tendo como ano base o ano de 2012 e estabelece a intenção de ter metas de redução dessas emissões após saber quanto e quem emite. No entanto, só compromete o poder público municipal em adotar em todas as instâncias medidas que reduzam suas emissões. Não menciona nada sobre o poder privado.
  4. Instrumentos: Prevê pouca participação popular e somente através de conselhos do meio ambiente e conferências municipais de sustentabilidade. Já que querem ordenar até o uso do solo, por que não a conferência das cidades? Por que não o Conselho da Cidade, em processo de instalação no momento? Além disso, usa como principais instrumentos de governança comité e grupo executivo sobre mudanças climáticas (COMCLIMA e GECLIMA, respectivamente) criados através do decreto municipal 27.343/2013 cuja composição prevê apenas a participação de secretarias e órgãos públicos e ZERO participação popular.
  5. Programa de premiação e certificação ambiental: Premiar “empreendimentos públicos e privados, a pessoas jurídicas e personalidades” só pode ser piada. Vai sair na coluna social a lista de “personalidades” premiadas por usar botox sustentável? Criar mecanismos de premiação e certificação são um excelente passo para o estímulo e divulgação de boas práticas, mas isso não precisa nem deve constar num PL que estabelece um política municipal de meio ambiente. O que precisa mesmo é prever mecanismo financeiros, econômicos e fiscais. Essas palavras nem são mencionadas no PL da PCR.
Redação

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