“A noite dos índios será escura”, por Marcelo Ramos

Tomo emprestadas as lições da Carta de Seattle para analisar a frase dita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, na primeira reunião do Conselho de Administração da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa)

Foto: Washington Costa/Ministério da Economia

do Congresso em foco

“A noite dos índios será escura”

por Marcelo Ramos

A frase que intitula este artigo é atribuída ao cacique Seattle, que viveu entre os séculos 18 e 19 e emprestou seu nome à cidade americana hoje sede da Microsoft e do Starbucks. Chefe das tribos Suquasmish e Duwamish, Seattle teria proferido a sentença num discurso durante uma reunião com então governador do estado de Washington, Isaac Steves, em meados da década de 1850. Seattle teria reconhecido, assim, que seu povo não resistiria ao poder das armas de fogo dos que desejavam suas terras.

Trinta anos depois, o médico Henry Smith recompôs o discurso de Seattle com base na memória dos que o ouviram. O conteúdo, também conhecido como Carta de Seattle, mereceu uma recriação livre e poética do roteirista americano Ted Perry. Nela, em determinada passagem, diz o cacique Seattle:

“Todos os seres compartilham o mesmo ar:
os animais, as árvores, o homem.
O homem branco parece
Não notar o ar que respira.
Como alguém que agoniza longamente,
ele se torna insensível ao mau cheiro.”

Tomo emprestadas as lições da Carta de Seattle para analisar a frase dita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, na primeira reunião do Conselho de Administração da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), por ele presidido. Disse o ministro: “Tendo toda essa riqueza, vamos viver só da diferença de impostos (incentivos tributários da Zona Franca)?”, arrematando que a exploração das riquezas naturais deve ser feita “sem derrubar a região”.

Volto ao contexto da frase título do artigo – “a noite dos índios será escura” – dita na certeza de que, com a capitulação das tribos, as promessas de conservação feitas pelo “grande chefe de Washington”, como o cacique se referia ao governador, não se confirmariam. E assim foi. O cacique Seattle passou o resto de sua vida lutando, sem sucesso, para que o governo cumprisse suas promessas, até morrer em 7 de junho de 1866.

Houve um tempo em que os índios defendiam sua floresta com seu próprio sangue. Hoje, o mecanismo mais eficiente de defesa da Floresta Amazônica é a Zona Franca de Manaus. Atacá-la é atacar a seiva das árvores, o ar fresco, o brilho das águas e o vaga-lume, é atacar as histórias e tradições dos povos nativos.

A Zona Franca de Manaus é um modelo de desenvolvimento regional exitoso, apesar dos ataques que sofre de Brasília. Seus resultados falam por si. Coordenado pelo professor da Fundação Getúlio Vargas, Márcio Holland, o estudo Zona Franca de Manaus: Impactos, Efetividade e Oportunidades mostra que as indústrias instaladas na Suframa agregam mais valor por real produzido (49,2%) do que as do restante do país (43,6%).

Acima de tudo, a Zona Franca se tornou um mecanismo efetivo e eficiente de conservação da Floresta Amazônica. Abrir mão dela por uma promessa de exploração sustentável das nossas riquezas naturais, por uma promessa de que o mundo pagará por oxigênio da floresta, equivale a vender a nossa floresta e é pior do que acreditar no “grande chefe de Washington”.

Esse argumento não se sustenta porque ignora as regras de comércio internacional atuais, que impõem severas restrições a importações de minério, carne ou grãos sem procedência que garantam sustentabilidade social e ambiental. Os países desenvolvidos simplesmente não compram carne produzida em área desmatada nem minério retirado de terras indígenas.

As contradições não param por aí. Neste governo, retrocedemos no passo mais importante para a criação de uma bioindústria sustentável ao cancelar o contrato com o consórcio vencedor da licitação para gerir o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA). Prova de que até a prática do governo que contraria frontalmente a retórica do ministro Guedes.

Somos, no Amazonas, uma tribo de 4 milhões de habitantes, 2 milhões só em Manaus, onde está a Zona Franca. O polo industrial gera mais de R$ 80 bilhões por ano, dinheiro do qual depende não só a capital. Os 61 municípios do interior sobrevivem dos repasses de ICMS arrecadados na Zona Franca. Acabar com ela é o mesmo que condenar o povo do Amazonas a um retrocesso civilizatório e à devastação ambiental, posto que não haverá outra alternativa para garantir sua subsistência.
É hora dos nossos “grandes chefes de Brasília” entenderem a lição da Carta de Seattle:

“A terra é nossa mãe.
O que acontece com a terra,
Acontece com os filhos da terra.”

Proteger a ZFM é proteger a Floresta Amazônica. É proteger a terra e proteger a nós, os filhos da terra, a quem Deus, por algum propósito, deu o domínio sobre ela.

*Marcelo Ramos – deputado federal (PL-AM), advogado e professor

Redação

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