Algumas observações cruciais sobre a tragédia de Brumadinho, por Álvaro R. Santos

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Algumas observações cruciais sobre a tragédia de Brumadinho

por Álvaro R. Santos

Obviamente há muitas questões envolvidas, mas listo a seguir algumas que acho nevrálgicas:

1) O papel da fiscalização vem sendo mal entendido por muitos, um mal entendimento que tem sido espertamente aproveitado para que os proprietários das obras encontrem fatos que os ajudem aliviar de suas responsabilidades. Não é correto imaginar uma fiscalização técnica propriamente dita, que fizesse todos os exames, monitoramentos e investigações necessários para concluir sobre a segurança ou não de uma barragem. Isso seria uma loucura, exigiria um tempo enorme da esquipe fiscalizadora e um nível de competência técnica similar a uma consultoria especializada. Imaginem com milhares de barragens em todo o país o que isso significaria em termos de equipes instaladas. O papel da fiscalização deveria ser limitadamente focado no objetivo de verificar se os procedimentos internos da empresa fiscalizada em um programa de segurança, em todos seus protocolos, estão sendo devidamente aplicados. E como resultado dessa fiscalização emitir um parecer sobre o grau de eficiência do programa de segurança investigado. Ou seja, em também um sistema de protocolo, a fiscalização deveria cumprir um checklist de pontos e questões a serem verificados que, ao final, seria assinado por ambas as partes, proprietário e fiscalização. À luz desse parecer instâncias superiores à fiscalização tomaria as providências cabíveis.

2) Dessas considerações acima brota uma regra “áurea” em segurança de barragens: a total responsabilidade de um acidente será sempre, e em qualquer circunstância, exclusivamente do proprietário da obra. Para ficar mais claro, o surrado e esperto argumento dando conta que “a fiscalização passou por aqui e não encontrou nenhuma inconformidade” não tem o menor valor quanto à definição de responsabilidades frente a um eventual acidente.

3) Da mesma forma, e como um exemplo elucidador da tese, deve ser tratada a questão dos eventuais atrasos de órgãos públicos na concessão de licenças ambientais ou de qualquer outro tipo para procedimentos associados á barragem. Mesmo que isso aconteça, os atrasos, e sem a devida justificativa, esse fato nunca poderá desculpar uma desobrigação da empresa proprietária para com a segurança da barragem. Ou seja, aconteça o que for nas relações institucionais entre a empresa e órgãos ambientais, um acidente não poderia jamais acontecer. Essa brecha não pode ser aberta. E se acontecer, será de total e exclusiva responsabilidade do proprietário da obra. Os problemas legais referidos devem ser discutidos e resolvidos em fóruns apropriados para tanto.

4) O que aconteceu em Brumadinho foi muito mais que uma tragédia ambiental, foi um crime bárbaro contra a vida humana. E aí findo com minha última observação: apuradas as responsabilidades os culpados devem ser penalizados criminalmente no máximo rigor que a lei permita. Essa talvez seja a melhor providência para que comecemos realmente aprimorar a cultura da segurança em nossas obras de engenharia em todo o país.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos – Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT  – Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”. Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. Tenho algumas dúvidas

    É mais que sabido que, hoje em dia, para se ingressar numa Universidade Federal, se faz necessário o título de doutor e exige-se dedicação exclusiva. Em minha ignorância – confesso – acredito que quem se dedicou para ter um doutorado na área e vem se dedicando ao magistério, pouco tempo teve para trabalhar diretamente em projetos industriais de porte.

    Por outro lado, que se envolve em projetos industriais de porte, pouco tempo teria para se dedicar a um doutorado ( falo por achismos). Não seria hora de se repensar um pouco a política do MEC quanto a contratação de professores? Privar a Universidade ( aqui alunos) de conhecimentos obtidos a duras penas, não só acadêmico, seria de uma presunção imensa.

  2. O presidente da Vale continuou presidente porque era “divertido”

    Isso depois de Mariana e antes de Brumadinho.

    E um tal de Lula continua preso (12 anos!) por obras em apartarmento alheio.

    É um Silva de Garanhuns, não um Schvartsman da USP

    País das Maravilhas, né Alice?

  3. Sim!

    A fiscalização – na verdade, dentro do proposto pelo artigo, talvez o termo auditoria fosse mais adequado – deve se dar sobre os processos do fiscalizado e a confirmação das informações prestadas – mediante técnicas de auditoria. Agora, penso que essa fiscalização deve ser iniciada ainda nas fases iniciais de projeto e ser intensa quando da execução da obra. Considero impossível avalisar a estabilidade de uma barragem – principalmente de terra – a posteriori. 

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